Em ano de eleições municipais e em meio à pandemia do novo coronavírus, foram abertas quatro Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Câmara de Vitória. Três delas são para investigar ações da administração municipal e de aliados do poder Executivo na Casa e a outra, para fiscalizar a gestão do atual presidente da Câmara, Cléber Félix (DEM), que não é alinhado à prefeitura.
A criação das CPIs foi publicada no Diário Legislativo em edição extra datada do último dia 15 e disponibilizada nesta segunda-feira (18). O prazo inicial das comissões é de 120 dias.
No dia 11 de maio, o vereador Vinícius Simões (Cidadania) entrou com um requerimento para que fosse instalada uma CPI com o objetivo de fiscalizar atos da gestão de Cléber Félix, o Clebinho, nos anos de 2019 e 2020. Dois dias depois, no dia 13, um novo requerimento foi feito, desta vez proposto por Clebinho, para a abertura de uma CPI que visa apurar as contas da gestão anterior, nos anos de 2017 e 2018, biênio em que Vinícius Simões era o presidente da Casa.
Entre as acusações feitas pelo vereador do Cidadania estão uma suposta irresponsabilidade na gestão de recursos, por Clebinho ter pedido mais dinheiro à prefeitura no final de 2019 e, depois, devolvido o valor no início deste ano; atraso de pagamento de contratos com fornecedores; e pagamento de verbas que seriam devidas pela participação de servidores em audiências públicas e outras reuniões, mesmo durante a pandemia, em que tais reuniões estão suspensas.
O presidente nega as acusações e diz se tratar de retaliação política por parte do prefeito e seu grupo por estarmos encontrando as irregularidades que estão sendo denunciadas."
Clebinho acusa Simões de irregularidades nas contas da gestão anterior, que teriam sido encontradas pela Comissão de Finanças. De acordo com o atual presidente, Simões teria deixado um orçamento criminoso para o ano de 2019 e seus registros financeiros não teriam sido aprovados pelo Tribunal de Contas do Estado. O ex-presidente garante que as acusações são falsas. As contas de 2017 já foram aprovadas e as de 2018 já temos o acórdão (no Tribunal de Contas do Estado) favorável à aprovação. Falta apenas a votação, sustenta.
Ambos afirmam que o momento escolhido para abertura das CPIs não tem ligação com a corrida eleitoral. Para Vinícius Simões, 2020 é um ano como qualquer outro e independentemente do ambiente em que estamos vivendo, se a pessoa estiver fazendo algo de errado tem que ser apurado. Clebinho afirma que o requerimento foi protocolado agora, mas com informações e documentações que estavam sendo levantadas desde o início de sua gestão.
O prefeito Luciano Rezende (Cidadania), de quem Vinícius Simões e boa parte dos vereadores são aliados, não pode concorrer à reeleição, já está no segundo mandato consecutivo, mas apoia o deputado estadual Fabrício Gandini (Cidadania) na disputa pelo Executivo municipal.
As outras duas CPIs que foram publicadas no Diário Legislativo têm como objetivo investigar denúncias sobre a administração municipal de Vitória. Em uma delas, proposta pelo vereador Mazinho dos Anjos (PSD), serão investigados contratos feitos pela prefeitura com uma empresa de análise de dados de usuários de internet. Os contratos teriam sido feitos sem licitação e somam mais de R$ 1 milhão.
De acordo com o parlamentar, a CPI vai apurar com qual intuito os dados dos moradores de Vitória estavam sendo usados e, também, qual seria o interesse público desses contratos. Além disso, a CPI,que já é chamada de "CPI das fake news", também vai apurar a utilização de cargos comissionados para criação de perfis falsos para ataque a agentes públicos. O primeiro investigado será um diretor de uma unidade de saúde da Grande Maruípe.
A prefeitura de Vitória informou, por meio de nota, que todos os processos firmados pelo órgão seguem um trâmite legal, são analisados pela Procuradoria Geral do Município (PGM) e pela Controladoria Geral (CGM), e recebem pareceres." Sobre a possibilidade de investigação, a prefeitura afirmou que qualquer questionamento do Poder Legislativo será respondido obedecendo o prazo legal.
Proposta pelo vereador Roberto Martins, a CPI do Porta a Porta vai investigar supostas fraudes no programa Porta a Porta, que oferece transporte adaptado a cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida em Vitória. De acordo com denúncias feitas pelos motoristas, houve fraudes para que a empresa recebesse indevidamente por viagens não realizadas e o serviço era prestado por um quantitativo menor do que o indicado pela Justiça, com carros sem adequação segura e falta de pagamento de trabalhadores.
As denúncias foram feitas no plenário da Câmara em outubro do ano passado, mas só no dia 17 de abril o requerimento para abertura da CPI foi protocolado.
O pedido de abertura dessa CPI chegou a ser barrado em votação no plenário, mas o vereador entrou com um pedido de parecer da Procuradoria da Câmara. Martins afirmava que não seria necessário, de acordo com a Lei Orgânica Municipal, que CPIs fossem votadas no plenário, bastando apenas a assinatura de um terço dos vereadores. Com o parecer favorável do procurador, tanto esta como as outras comissões foram abertas sem votação.
Por nota, a Secretaria de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana de Vitória (Setran) informou que ainda não foi notificada sobre a CPI e que "os pagamentos estão sendo executados conforme determinação do Tribunal de Contas do Espírito Santo". E "reforça que notificou a empresa sobre a situação de pagamento dos funcionários, assim como a manutenção dos postos de trabalho com a suspensão de contratos, de acordo com a Medida Provisória editada pelo governo federal."
A HM Rent Car foi procurada pela reportagem, mas não recebemos respostas.
A sessão virtual da última quinta-feira (14), quando foram lidos os requerimentos de abertura das comissões, teve um clima de tensão e troca de acusações. Parte dos parlamentares defendia que todas as comissões deveriam passar pela aprovação do plenário, enquanto outra alegava que apenas as assinaturas seriam necessárias, conforme diz o parágrafo 2º do artigo 87 da Lei Orgânica Municipal.
Por fim, prevaleceu o segundo argumento e, apenas com a leitura do requerimento, as comissões foram abertas. Agora, o departamento legislativo faz uma contagem da proporcionalidade dos partidos, atendendo preferencialmente ao rodízio entre as bancadas ainda não participantes de comissões, de tal forma que todos os partidos ou blocos parlamentares possam fazer-se representar diz o texto publicado. Cada sigla vai indicar um vereador para integrar as Comissões e, no dia em que for realizada a primeira reunião, serão eleitos os presidentes, vice-presidentes e relatores.
Nauê Bernardo, cientista político, explica que uma CPI é um colegiado específico, com tempo de duração pré-determinado e criado por ato específico, que tem por fim "a investigação de fatos que possam ser criminosos, irregulares, ilícitos, de interesse da Câmara e da sociedade".
Na investigação, são coletadas provas. Pessoas que possam estar envolvidas são ouvidas. Ao final do prazo, é gerado um relatório que poderá, ou não, ser usado como fundamento para que as autoridades competentes, como o Ministério Público ou o Poder Executivo, iniciem a tomada de providências.
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