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Em caso de calamidade, lei eleitoral não proíbe auxílios pagos por prefeituras

Em caso de calamidade, lei eleitoral não proíbe auxílios pagos por prefeituras

Em meio à pandemia do novo coronavírus e à crise econômica, municípios têm concedido auxílio em dinheiro a pessoas de baixa renda. Excepcionalmente, isso pode, mesmo em ano eleitoral

Publicado em 20 de julho de 2020 às 16:30

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Prefeituras da Grande Vitória
Prefeituras da Grande Vitória começam a aprovar auxílios emergenciais. (Reprodução)
Em caso de calamidade, lei eleitoral não proíbe auxílios pagos por prefeituras

Em ano de eleições municipais, de pandemia de Covid-19 e consequente crise financeira, prefeitos têm concedido auxílios emergenciais a famílias de baixa renda que passam por uma situação difícil. Os gestores ou quem eles apoiarem no pleito podem vir a se beneficiar de uma medida tão popular. A concessão de auxílio emergencial, no entanto, é legal, mesmo no ano em que os eleitores vão às urnas, já que se trata de um momento de calamidade pública. Na Grande Vitória, as prefeituras de Serra e Vitória já aprovaram leis que garantem o pagamento de auxílio. Executivo e Legislativo brigam pela paternidade das iniciativas.

A legalidade da concessão do auxílio, no entanto, baseia-se unicamente em uma exceção prevista na lei para momentos de calamidade pública. Em condições normais, a legislação proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública em ano eleitoral.

Além de justificar o adiamento do pleito, portanto, a pandemia do coronavírus trouxe mais essa mudança para o cenário de 2020: não só os agentes públicos ganharam mais tempo para pré-campanha como a possibilidade de usar ferramentas que até então eram vedadas em ano eleitoral, como a criação de auxílios e programas sociais.

A criação da lei que fixa as condutas vedadas aos agentes públicos em ano eleitoral, a lei 9.504 de 1997, busca evitar que o pleito seja desequilibrado. Como pontua o advogado e ex-juiz eleitoral Danilo Carneiro, com a distribuição desses benefícios à população os candidatos podem colher mais votos pela "memória recente dos eleitores".

Faltando apenas quatro meses para a eleição, portanto, vereadores e prefeitos que têm interesses eleitorais brigam pela paternidade das leis de auxílio emergencial que neste ano se enquadram na exceção. O dinheiro auxilia famílias verdadeiramente necessitadas, mas se torna, também, um capital político que poderá ser usado durante a campanha.

Em fase de pré-campanha, os candidatos não podem pedir votos, mas com a última parcela do auxílio caindo entre os meses de setembro e outubro, já será possível citar o benefício em  propaganda eleitoral.

A medida somente poderia ser considerada ilegal se houvesse um desvirtuamento do propósito. Usar o benefício para fazer uma vinculação política expressa, como propaganda eleitoral antes do tempo, por exemplo, ou limitar o benefício a grupos específicos de eleitores poderia ser enquadrado como abuso de poder político e econômico. O advogado eleitoral Marcelo Nunes explica que mensurar a ilegalidade nesses casos, no entanto, não é algo simples

"Por enquanto o que prevalece é o interesse público da medida. Não dá pra dizer que há um caráter eleitoreiro no primeiro momento, mas as ações podem sempre ser questionadas na Justiça", lembra.

Apesar de a necessidade das famílias ser real, o cientista político João Gualberto Vasconcellos pondera que tanto prefeitos quanto vereadores precisam pensar o orçamento público antes de tomar decisões. Com os municípios perdendo até R$ 1 bilhão em receitas neste ano, os gestores devem agir com responsabilidade diante das demandas. 

"A prefeitura atua em diversas frentes. Não podemos esquecer que as ruas precisam continuar limpas, a iluminação pública funcionando, outros projetos sociais e políticas públicas continuam sendo necessárias", assinala. Não é possível, para o especialista, comprometer todo o orçamento fornecendo auxílios sem considerar que estamos caminhando para uma das maiores crises econômicas da História.

BRIGA PELA PATERNIDADE

No caso de Vitória, o auxílio aprovado de R$ 900, dividido em três parcelas que será pago para 3.433 famílias que não estão sendo beneficiadas pelo auxílio emergencial do governo federal, foi uma iniciativa da prefeitura. Durante a sessão da Câmara Municipal, no entanto, realizada no dia 4 deste mês - em um sábado - os vereadores tiveram uma discussão sobre a paternidade do projeto, com parlamentares governistas dando o crédito à prefeitura e opositores ressaltando a participação da Câmara com indicações e debates sobre o tema na Casa.

A lei foi sancionada no dia 7 deste mês e a prefeitura tem até 30 dias para regulamentar o benefício.

Aprovado por unanimidade, o impacto esperado da medida é de R$ 3 milhões aos cofres da Capital. Para as famílias, o auxílio garante um mínimo necessário e para os parlamentares pode ajudar na reeleição ou na busca pela cadeira no Executivo. No caso do prefeito Luciano Rezende (Cidadania), que não pode se reeleger, significa uma imagem positiva para emplacar seu candidato, Fabrício Gandini (Cidadania), como seu sucessor.

Já no município da Serra, o cenário não é tão colaborativo. A prefeitura já estava pagando um auxílio de R$ 300 dividido em três parcelas para 2,8 mil famílias, anunciado em junho. A Câmara, no entanto, aprovou um novo pagamento, dessa vez com parcelas de R$ 500 para até 42 mil famílias. O impacto aos cofres públicos pode chegar a R$ 63 milhões, mais do que a ajuda que o município receberá do governo federal, em recursos livres, que será de R$ 62,1 milhões.

O prefeito Audifax Barcelos (Rede) vetou o projeto apontando uma inconstitucionalidade por vício de iniciativa: a Câmara não poderia criar um gasto para o Executivo. Os vereadores, no entanto, derrubaram o veto e sancionaram a lei.

Para João Gualberto o movimento é irresponsável e se trata, apenas, de um aceno para o eleitorado. "Faz parte da cultura politica brasileira que os Legislativos atuem em descompromisso com o chamado ajuste fiscal. Nós estamos caminhando para uma crise econômica sem precedentes no Brasil, com uma queda brusca de arrecadação. É irresponsabilidade com o dinheiro público", aponta.

A questão não é a criação do auxílio. As famílias de fato precisam de ajuda, mas ao ignorar que já havia um pagamento de iniciativa da prefeitura e criar uma lei que não considera os impactos aos cofres públicos, mesmo sabendo do cenário crítico da economia, sustenta o especialista, os vereadores agem com "populismo".

A reportagem procurou a Prefeitura da Serra para saber como ficarão os dois auxílios e se o prefeito pretende entrar na Justiça pela suspensão da lei, apontando a inconstitucionalidade, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.

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