O ex-ministro Sergio Moro acusou, em pronunciamento, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de tentar interferir no trabalho da Polícia Federal, inclusive querendo acessar relatórios de apurações. O pivô do rompimento entre os então aliados foi a exoneração do diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo. Para rebater o ex-aliado, Bolsonaro utilizou-se também de um pronunciamento, nesta sexta-feira (24).
O próprio presidente, no entanto, admitiu que pressionou Moro em algumas ocasiões em relação a investigações em curso. "Não são verdadeiras acusações que eu desejava saber sobre investigações em andamento. Jamais lhe procurei para saber de investigações já realizadas, a não ser aquelas sobre o porteiro, o Adélio e meu filho zero quatro".
De acordo com os especialistas, apesar de uma nova nomeação para o cargo de diretor-geral da PF ser legal por parte do chefe do Executivo, ele fazer uma ingerência desse tipo por causas pessoais poderia resultar em crime de obstrução de Justiça e até crime de responsabilidade, que poderia sujeitá-lo a um impeachment.
Segundo ele, se Bolsonaro não estava satisfeito com a investigação a respeito do caso que envolve o filho Jair Renan, o caminho tomado deveria ter sido outro. A via correta seria constituir advogado e questionar a conduta da Polícia Federal nos autos do processo, esclareceu Jovacy.
No caso, Renan não era investigado; mas no âmbito da apuração sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (do Rio de Janeiro), surgiu a informação de que ele havia namorado a filha de um dos acusados, o ex-policial militar Ronnie Lessa, que mora no mesmo condomínio de Bolsonaro.
A investigação ocorre em âmbito estadual e não envolve a PF. No entanto, Bolsonaro contou que pediu que Lessa, já preso, fosse interrogado e que mantém consigo a cópia do depoimento. Segundo ele, isso prova que o filho não namorou a garota, que sempre teria morado no exterior.
Enxergando as declarações sob perspectiva semelhante à de Peter Filho, o advogado Homero Mafra vê um possível crime de advocacia administrativa. Se a PF investiga bem ou mal é outra questão, mas não se pode interferir nos rumos de um inquérito, na produção de provas. Ele quer interferir para proteger alguém? A própria família?, afirmou.
Os dois especialistas divergem apenas em relação à possibilidade da exoneração. De acordo com Jovacy, ela pode ser feita sem justificativa. Já para Homero, é necessário que se tenha um motivo. Pode acontecer porque há um direcionamento nas investigações ou uma perseguição política, por exemplo, defendeu.
Horas antes, no pronunciamento em que anunciou a própria demissão, o ex-ministro Sergio Moro alegou que soube do decreto contendo a exoneração de Mauricio Valeixo do cargo de diretor-geral da Polícia Federal durante a madrugada e que não o assinou acusando, assim, o Governo Federal de fraude.
Na fala do ex-ministro, há um festival de ilicitudes praticadas pelo presidente, incluindo o crime de falsidade ideológica, afirmou Homero. Por se tratar de um documento público, a punição é de até cinco anos de reclusão, para quem o fez e para o mandante. É preciso investigar, adicionou Jovacy.
Durante o pronunciamento, o fato de Bolsonaro ter obtido um depoimento sobre o caso Marielle, que segue em sigilo atualmente, também gerou dúvidas sobre a legalidade do presidente ter o texto em mãos.
Estando sob segredo de Justiça, ele não poderia ter acesso diretamente. Só quem pode são as partes envolvidas no processo, os respectivos advogados e o juiz e o delegado que atuam no caso. Não pode ser levado a terceiros, nem que seja o presidente, afirmou Homero.
No entanto, de acordo com Jovacy, o acesso pode ter ocorrido de maneira indireta. Como o filho dele está diretamente ligado ao caso, não temos como estimar, porque o filho poderia ter acesso ao processo e o Bolsonaro poderia ter o depoimento por intermédio do filho, ressaltou.
Entre os vários assuntos abordados no pronunciamento mais longo que o habitual, Bolsonaro também relembrou o atentado que sofreu durante a campanha presidencial, pedindo que o fato fosse investigado e o contrapondo à investigação do caso de Marielle Franco o que também foi analisado pelos especialistas.
O presidente tem uma gestão muito inconstante, então é difícil dizer; mas pode ser uma sinalização de que gostaria de uma nova investigação e uma pressão diante do desfecho (que julgou que o acusado agiu sozinho e é mentalmente incapaz). O inquérito já está concluído, não havia porque tocar nesse assunto, defendeu Jovacy.
Já para Homero, esta fala funcionou como uma cortina de fumaça e não indica problemas. No caso da facada, o Bolsonaro tem a fala de uma pessoa que considera que o caso não foi apurado como deveria, mas porque se sente injustiçado, em uma espécie de papel de vítima, concluiu.
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