Foi na pequena cidade de Guaçuí, ainda distrito de Alegre, no Sul do Espírito Santo, que a luta pela emancipação feminina encontrou sua maior representante no Estado.
Aos 55 anos, a empresária Emiliana Emery Viana conquistava na Justiça o direito ao voto. Em uma sentença histórica, ela se tornava a primeira mulher capixaba a obter um título de eleitor, em 1929.
Esta é uma das matérias da série que conta as histórias das mulheres que foram pioneiras no Espírito Santo em diversas áreas. O material faz parte das publicações da semana em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, próximo domingo.
Veja abaixo trecho da sentença que deu o direito a Emiliana de votar.
Na época de agora, em que vemos o direito, a regra jurídica ir sendo absorvida pela regra moral, não é possível que se negue à mulher essa infiltração tão precisa a um renascimento para melhores dias na nossa democracia republicana. No Estado, particularmente, é questão vencida a admissão da mulher como eleitora [...] A Constituição não distingue na palavra cidadãos o homem da mulher, tanto assim que elas não foram taxativamente enumeradas nas exceções abertas no passo constitucional. Assim, mando que a requerente seja admitida como eleitora
A história de Emiliana foi noticiada nos jornais de todo país. Ela era a terceira brasileira a obter o direito de votar. Naquela época, a Constituição não proibia mulheres de irem às urnas, mas também não assegurava a elas este direito. Para se tornar eleitor, era preciso que os cidadãos solicitassem o alistamento eleitoral na Justiça. E foi isso que Emiliana fez.
Mas a busca da jovem guaçuiense pela igualdade de gênero começou muito antes da conquista do voto. De família tradicional, Emiliana nasceu em 1874, durante o Império brasileiro; um período marcado pela submissão e opressão feminina.
Assim como a maioria das mulheres da época, as quais cabia apenas o papel de boa esposa e mãe, Emiliana casou-se nova, aos 13 anos e teve sete filhos. Aos 20, porém, ficou viúva, e para sustentar a família, começou a trabalhar fora.
Durante a construção da Ferrovia Leopoldina, a jovem percebeu a necessidade atender aos trabalhadores do local. Montou então uma padaria e passou a vender pães na cidade, sendo pioneira no empreendedorismo feminino no município. Anos depois, Emiliana se tornou empresária ao abrir um hotel. O local foi palco de discussões políticas da época.
Emiliana desafiou também os espaços onde predominavam homens. Percebendo a falta de alfaiates em Guaçuí, foi a primeira mulher a se aventurar na profissão.
A jovem guaçuiense sempre teve gosto por política. Filha de chefe político e irmã de Geraldo Viana, que posteriormente se tornou deputado, Emiliana era contra regimes ditatoriais. Em entrevistas, costumava frisar a importância do Estado democrático. "Eu gosto de eleições, elas me dão uma sensação fora do comum. E quanto mais luta, melhor", disse ao Jornal O Cruzeiro, em 1950.
Foi no hotel de Dona Emiliana onde aconteceram reuniões políticas importantes da cidade. O local era frequentado por homens poderosos, entre eles, Nestor Gomes, presidente de Estado do Espírito Santo - cargo que existia na época. Segundo Moulin, ele gostava de ouvir a opinião firme da guaçuiense.
Na época, Emiliana liderava um movimento de emancipação de Guaçuí, então distrito de Veado, e pertencente a Alegre. Para isso, viajou à capital para encontros políticos, com demandas de sua terra.
Em um destes encontros, Nestor Gomes garantiu que daria liberdade ao município. E deu. A emancipação veio em 1928, um ano antes de Emiliana conquistar o direito de voto.
Emiliana nunca aceitou ter mais obrigações do que direitos. Por isso, o fato de não poder votar a incomodava. "Ela falava que só seria uma cidadã completa com o título de eleitor na mão", lembra Lucia Emery, neta de Emiliana.
O sufrágio (direito de votar) feminino já tinha sido aprovado em outros países, mas no Brasil, o direito ao voto ainda fazia parte das demandas das mulheres. Em 1929, Emiliana se tornou a terceira mulher brasileira e primeira capixaba a conquistar, na Justiça, o título de eleitora.
A conquista deu força aos movimentos feministas da época. Três anos depois, a legislação brasileira passou a assegurar o voto feminino. O Código Eleitoral de 1932, elaborado por Getúlio Vargas, dava o direito de votar a "todos os cidadãos maiores de 21 anos, sem distinção de sexo". Um marco na luta das mulheres, que finalmente se tornavam cidadãs pela lei.
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