Nesta quinta (26), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para anular mais uma condenação no âmbito da Lava Jato. A medida, que confirma o entendimento da Segunda Turma, pode provocar um efeito cascata e invalidar outras condenações da operação, beneficiando inclusive o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O julgamento deve ser retomado na próxima quarta (2).
Em agosto, a Segunda Turma do Supremo anulou a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, imposta pelo então juiz da Lava Jato Sergio Moro. Foi a primeira vez que o STF anulou uma sentença proferida pelo atual ministro da Justiça.
A questão discutida é das alegações finais, fase final do processo em que as partes apresentam seus argumentos. Para a maioria dos ministros, em um processo com réus delatores e réus delatados, os delatados devem se defender por último, o que não aconteceu nos casos analisados.
Veja perguntas e respostas para entender a questão.
O que o STF discutiu?
Nesta quinta (26), o plenário do STF formou maioria para confirmar o entendimento da Segunda Turma de que, em um processo com réus delatores e delatados, os delatados têm o direito de falar por último - em termo técnico, devem oferecer suas alegações finais depois dos réus delatores.
O caso julgado era o pedido de habeas corpus do ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado por corrupção e lavagem. A condenação de Ferreira deve ser anulada.
O que são as alegações finais?
As alegações finais são a última etapa de uma ação penal antes da sentença que pode absolver ou condenar os réus. É a última oportunidade para as partes apresentarem seus argumentos.
Qual foi a interpretação do STF?
A maioria dos ministros entendeu que a figura do delator é diferenciada e não está na mesma condição processual do delatado. Para garantir o amplo direito à defesa, assegurado pela Constituição, os magistrados decidiram que o réu delatado pode apresentar suas alegações depois do réu delator tendo, assim, a oportunidade de se defender de todas as acusações.
O julgamento foi interrompido pelo presidente da corte, Dias Toffoli, e deve ser retomado na próxima quarta (2).
Qual havia sido o caso julgado na Segunda Turma?
A Segunda Turma, que julga os casos da Lava Jato, decidiu anular, por 3 votos a 1, a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras. Foi a primeira vez que o STF anulou uma condenação imposta pelo ex-juiz Sergio Moro na Lava Jato.
Os ministros concordaram com a tese da defesa de Bendine. Para os advogados, ele deveria ter apresentado suas alegações finais depois dos outros acusados, ex-executivos da Odebrecht que fecharam acordo de delação premiada, porque os réus delatores trouxeram acusações contra ele que não puderam ser rebatidas. Moro abriu prazo para todos os réus simultaneamente.
Votaram nesse sentido os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. O relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, foi vencido.
Há impacto direto sobre outras decisões da Lava Jato? Se não, como elas poderiam ser afetadas?
No momento o efeito de anulação se restringe ao caso concretamente analisado. No entanto, o entendimento firmado pode levar as defesas de outros condenados a também requererem a anulação das suas sentenças. Cada caso deve ser analisado individualmente.
Na próxima sessão, marcada para a quarta (2), os ministros devem discutir o alcance da decisão: se valeria para todos os processos em que o réu delatado não teve direito a falar por último ou só para aqueles em que a defesa fez esse pedido já no julgamento em primeira instância.
O argumento em prol dessa segunda possibilidade é que, se a defesa não fez o pedido de imediato, entendeu que o réu não foi prejudicado, não havendo motivo para a anulação. A ministra Cármen Lúcia, por exemplo, defende essa tese. Por isso, votou contra a anulação da sentença de Ferreira, mas a favor de que o réu delatado possa entregar as alegações finais por último.
Bendine e Ferreira foram inocentados pelo STF?
Não. O que a decisão do STF provoca é a anulação da sentença. O processo em si não foi é extinto, e os dois podem vir a ser condenados novamente.
O que ocorre a partir de agora?
Finalizado o julgamento, ação penal deve voltar para a primeira instância da Justiça Federal em Curitiba para que se refaça o processo dando a oportunidade de a defesa apresentar alegações finais depois dos delatores.
Os procuradores da Lava Jato receiam que, caso haja outras anulações, alguns crimes possam prescrever enquanto se refaz o processo.
Qual a justificativa de Moro na época para negar à defesa de Bendine o direito de se manifestar depois?
Quando a defesa de Bendine pediu a Moro para apresentar as alegações depois dos delatores, o então juiz afirmou que "a lei estabelece prazo comum para a apresentação de alegações finais ainda que as defesas não sejam convergentes e não cabe à Justiça estabelecer hierarquia entre acusados, todos com igual proteção da lei".
O que disse a Lava Jato?
Os procuradores de Curitiba afirmaram, após a decisão da Segunda Turma, que a legislação não prevê essa diferenciação entre réus delatores e não delatores e não estipula que uns tenham que ser ouvidos antes dos outros.
A Lava Jato também afirmou que a decisão da Segunda Turma pode resultar na anulação de várias condenações já proferidas no âmbito da operação.
O que diz a lei?
O artigo 11 da lei 8.038 afirma que "serão intimadas a acusação e a defesa para, sucessivamente, apresentarem, no prazo de quinze dias, alegações escritas". Ou seja, a acusação apresenta suas alegações e, depois, a defesa apresenta as suas.
Que casos seguiram esse mesmo roteiro? Além da Lava Jato, outras operações têm usado o procedimento que gerou a anulação da condenação de Bendine e de Ferreira?
Como não havia entendimento anterior sobre a ordem das alegações finais de réus delatores e não delatores, procuradores calculam que boa parte dos processos que usaram colaboração premiada tenham seguido os mesmos ritos do de Bendine.
A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, já disse que a ação penal sobre o sítio de Atibaia (SP), na qual o petista foi condenado em primeira instância, seguiu esse roteiro e pediu a anulação da sentença.
O ministro Fachin determinou que uma ação penal a que o ex-presidente responde em Curitiba, sob acusação de receber da Odebrecht um terreno para o Instituto Lula, volte para a fase das alegações finais. O caso já estava pronto para julgamento.
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