A Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, composta pelo presidente e outros cargos, como 1º e 2º secretários (mas o que manda mesmo é o presidente) é a instância que administra a Casa e decide os projetos que vão entrar em pauta, por exemplo. A Mesa atual, comandada pelo deputado Erick Musso (Republicanos), foi eleita em 1º de fevereiro de 2019 e vai até 31 de janeiro de 2021.
A Mesa do próximo biênio, de 1º de fevereiro de 2021 a 31 de janeiro de 2023, deveria ser eleita somente em 1º de fevereiro de 2021 mesmo, é o que a Constituição Estadual determinava.
Mas Erick Musso e os deputados aliados dele decidiram mudar a regra. No dia 19 de novembro, começou a tramitar na Assembleia uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que mudava o texto da Constituição Estadual no que se refere à eleição da Mesa. Essa proposta estava sendo articulada nos bastidores desde junho deste ano.
A PEC previa que a eleição da Mesa não ocorreria mais em 1º de fevereiro de 2021, poderia ser antecipada e realizada "em data e hora previamente designadas pelo presidente da Assembleia Legislativa", ou seja, pela PEC, a eleição poderia ser feita quando o presidente da Assembleia quisesse.
E a maioria dos deputados estaduais aprovou isso. A votação foi relâmpago, junto com outra PEC que chamava a atenção, a PEC da Reforma da Previdência estadual, numa sequência de sessões convocadas para o mesmo dia.
E menos de 48 horas depois de aprovada a PEC da eleição antecipada, que deu origem à Emenda 113/2019, Erick convocou a eleição propriamente dita, pegando a todos de surpresa. Deputados que não concordavam com a antecipação não sabiam da manobra e tampouco a imprensa, que acompanhava tudo de perto.
Dos 29 parlamentares presentes, 24 votaram a favor da chapa encabeçada por Erick. Cinco foram contrários: Fabrício Gandini (Cidadania), Iriny Lopes (PT), Luciano Machado (PV), Dary Pagung (PSB) e Sergio Majeski (PSB). Theodorico Ferraço (DEM) não estava na sessão.
Os deputados que discordavam do presidente não tiveram tempo de articular outra chapa. Marcelo Santos (PDT), que presidia a sessão e é aliado de Erick, deu cinco minutos para isso. E, claro, não foi suficiente.
Assim, Erick Musso acabou reeleito para um mandato com 14 meses de antecedência. Só na época em que José Carlos Gratz presidia a Assembleia Legislativa algo do tipo aconteceu, mas mesmo assim a antecipação, naquela época, foi de dois meses, não de mais de um ano.
Como era de se esperar, não pegou bem. O governador Renato Casagrande (PSB) já havia dito a Erick Musso que era contrário à antecipação da eleição. Mas o presidente da Assembleia decidiu arriscar.
A análise de aliados e de nem tão aliados de Erick é que ele entendeu que seria melhor fazer a eleição agora, quando conta com amplo apoio entre os colegas do que depois, quando o governo do Estado poderia se articular e apoiar outra pessoa para comandar o Legislativo.
As movimentações do jovem deputado - Erick tem 32 anos - se destacaram tanto que A GAZETA fez um perfil dele, afinal, quem é Erick Musso?
A estratégia do presidente, embora inédita e antidemocrática, parecia ter dado certo para ele. Só que a reação veio. Casagrande disse que a manobra "fragiliza a Assembleia". O deputado estadual Fabrício Gandini (Cidadania) acionou o Tribunal de Justiça (TJES) para anular a eleição.
A Ordem dos Advogados do Espírito Santo (OAB-ES) ajuizou uma ação civil pública na Justiça Federal não apenas contra a eleição realizada no dia 27, mas também para suspender os efeitos da Emenda Constitucional que permite que a eleição ocorra antecipadamente. A OAB alega que o rito de aprovação da PEC que originou a emenda foi equivocado. Para agilizar, a PEC não passou pela Comissão de Constituição e Justiça do Legislativo, e sim por uma comissão especial.
A ONG Transparência Capixaba e integrantes da Igreja Católica também já se mobilizavam contra a manobra de Erick Musso.
E ele decidiu recuar. Nesta quarta-feira (4) o presidente divulgou uma "Carta ao povo do Espírito Santo", subscrita, ao todo, por 22 deputados, em que eles sustentam que a eleição antecipada ocorreu dentro da legalidade, mas os integrantes da Mesa Diretora eleita decidiram renunciar aos cargos que ocupariam no biênio seguinte pela "estabilidade e harmonia entre os Poderes".
Além de Erick Musso como presidente, a chapa única tinha como integrantes os deputados Marcelo Santos (PDT) como 1° vice-presidente; Torino Marques (PSL), 2° vice-presidente; Adilson Espindula (PTB), 1° secretário; Freitas (PSB), 2° secretário; Marcos Garcia (PV), 3° secretário; e Janete de Sá (PMN), 4ª secretária.
As cicatrizes do processo permanecem. Nesse intervalo, o então líder do governo na Assembleia, Enivaldo dos Anjos (PSD) , foi substituído por Freitas. E caiu atirando. Enivaldo apareceu em plenário de chapéu de palha e ligou um autorama por lá mesmo.
Mas este não é o fim da novela. Na carta divulgada nesta quarta, Erick Musso diz que desistiu da reeleição do último dia 27, mas falta um ato que oficialize isso.
E a Emenda à Constituição 113/2019, que permite que a eleição para a Mesa Diretora ocorra antecipadamente, continua valendo. Por isso, a OAB-ES mantém a ação na Justiça Federal para evitar outra eleição relâmpago.
Um grupo de deputados também decidiu entrar com outra ação na Justiça estadual para garantir que não haverá outra eleição surpresa. E o Cidadania, a pedido de Gandini, vai ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar anular a emenda.
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