Os termos "fascismo" e "antifascismo" começaram a ser discutidos no Brasil desde a campanha eleitoral de 2018 e voltaram ao centro dos debates no último domingo (31), quando ocorreram protestos pró-democracia e contra o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) convocados por torcidas organizadas de futebol no Rio de Janeiro e em São Paulo. Vestidos de preto, integrantes dos grupos, que se intitulam antifascistas, gritavam frases de ordem e levantava cartazes a favor do regime democrático.
O tema voltou à tona também no exterior. Nos Estados Unidos, a morte de George Floyd, homem negro assassinado durante uma ação policial, reacendeu discussões e levou milhares de pessoas às ruas para protestar.
Mas, afinal, o que é fascismo? Onde surgiu e o que defende? E quem são os antifascistas?
De acordo com o historiador e professor da Ufes Pedro Ernesto Fagundes, o fascismo é um movimento que nasceu na Europa após a Primeira Guerra Mundial, em 1919, quando países como a Itália se encontravam devastados. É formado por grupos que surgem em um contexto de ultranacionalismo, ou seja, um sentimento de valorização e amor à nação, e defendem a volta, pelo uso da força, dos valores tradicionais e religiosos. "Acreditava-se que era preciso restabelecer a ordem através da força, com um Estado totalitário, marcado por uma profunda perseguição aos opositores e a figura de um herói, um líder disposto a se sacrificar pelo país", explica.
Essa "ordem" buscada, explica o professor, era o retorno aos valores anteriores ao Iluminismo: "Tratava-se do resgate dos valores religiosos, que ligavam a política com a religião e se opunham ao progresso". A figura do líder era ligada a um "ser iluminado" que tem todo o poder e, por isso, não pode ser contrariado por opositores.
Em regimes fascistas, de acordo com o professor, existe um culto à violência e ao uso das armas como forma de resolução de conflitos políticos e um profundo desprezo pela democracia e pela ciência. "O fascista é negacionista. Ele nega a história e tenta ressignificar eventos dela. Além disso, existe, também, uma negação da ciência e de tudo que pode significar o progresso", pontua.
Outro ponto marcante, de acordo com Pedro Ernesto, é a mudança de significados de símbolos e do que é ser um patriota. "No exemplo da Itália, Mussolini se cerca de homens armados, uniformizados, que se colocam a serviço da lei e da ordem. Elementos como bandeiras e outros símbolos são apropriados pelo grupo, apoiar o grupo passa a ser o significado do que é ser um patriota", explica o historiador, citando Benito Mussolini, líder do fascismo italiano e governante do país de 1922 a 1943.
O fascismo serviu como modelo para regimes autoritários em outros países, como o nazismo, que nasceu na Alemanha e esteve sob o comando de Adolf Hitler de 1933 a 1945. Também foi inspiração para o salazarismo, em Portugal, e o franquismo, na Espanha.
A afinidade com o autoritarismo não ficou restrita à Europa. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o partido nazista possuía núcleos em outros países, destaca o professor. No Brasil, havia grupos em 17 Estados da federação, inclusive no Espírito Santo, que era o mais numeroso fora da Alemanha.
Oficialmente, nunca houve um partido fascista no Brasil. O movimento que mais se aproximou do fascismo foi a Ação Integralista Brasileira, criada por Plínio Salgado em 1932. Em novembro do ano passado, um grupo ligado ao movimento integralista chegou a realizar uma pequena manifestação, em São Paulo, e a mencionar a possibilidade de lançar candidatos nas eleições de 2020.
Diante da junção dos elementos que caracterizam o fascismo, como o culto à violência e a presença de discursos de ódio e intolerância, surge o movimento antifascista. Pedro Ernesto explica que a primeira experiência teve início na Alemanha em 1930, quando os ideais nazistas iam ganhando força. O grupo era composto por intelectuais, sindicalistas e estudantes, que formavam uma frente para combater os ideais autoritários e intolerantes pregados pela ideologia nazista e tinham como símbolo uma bandeira preta e vermelha, significando a união entre anarquistas e o socialismo.
Tanto o fascismo quanto o antifascismo, explica o historiador, nunca deixaram de existir, mas ficaram adormecidos ao longo dos anos. Com a internet, grupos que mantiveram os ideais fascistas vivos, porém de forma velada, começaram a interagir e se organizar para se fazer, aos poucos, mais presentes onde encontram espaço.
"Nos Estados Unidos, isso foi muito presente durante a campanha presidencial de Donald Trump e aqui no Brasil durante a campanha de Bolsonaro. Agora, com a presença de bandeiras nazistas, suásticas e outros símbolos ligados a grupos supremacistas brancos, como tochas e máscaras, o antifascismo começa a acordar diante da ameaça", aponta.
Desde o início da campanha para concorrer à Presidência, Jair Bolsonaro foi ligado por opositores e estudiosos aos ideais fascistas. Entre os sinais apontados, explica Pedro Enrnesto, estão a defesa constante do armamento e a negação de eventos históricos. Para o professor, o presidente tenta imprimir novo sentido a momentos do passado, com enaltecimento à ditadura militar e heroificação de militares torturadores.
Ele também destaca a exaltação de símbolos nacionalistas e ressignificação de símbolos patrióticos, "como a camisa da Seleção brasileira e a bandeira, que não mais pertencem ao Brasil, mas sim ao grupo bolsonarista".
O incentivo à idolatria do líder como a figura de um "mito ou herói" é outro ponto ressaltado pelo historiador. De acordo com ele, os sinais podem ser encontrados no constante retorno ao episódio da facada que Bolsonaro sofreu durante a campanha eleitoral, em 2018, e o desprezo pelas instituições democráticas "ao comparecer a manifestações que pedem o fechamento do Congresso e do STF".
Apesar de ser visto por estudiosos como alguém que tem "afinidade com ideais do fascismo", os especialistas concordam que o governo de Bolsonaro não pode ser considerado um governo fascista. O cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando explica que "não existe um partido único ou um Estado totalitário porque existe uma Constituição e outros Poderes."
Também não há, para o professor, a presença de um ultranacionalismo. "Por mais que tenha a fala 'Brasil acima de todos', podemos ver, repetidamente, a presença de bandeiras dos Estados Unidos e de Israel nas manifestações", afirma. Para o historiador da Ufes, o governo atual é "de extrema direita com viés autoritário", não pode ser classificado como fascista, mas possui, entre seus apoiadores, "grupos com práticas neofascistas."
O especialista em Comunicação Política Marcos Marinho concorda que existem diferentes grupos que compõem o governo e sua base eleitoral, dentre estes alguns mais extremistas que "têm uma pré-disposição para adotar elementos simbólicos que migram para um autoritarismo fascista" e outros, em uma ala mais equilibrada, que "impedem uma escalada maior para o autoritarismo."
Para os especialistas, a manifestação do último domingo se mostrou o início de uma resposta a discursos bolsonaristas feitos nas ruas e nas redes sociais, que em alguns momentos pedem intervenção militar, um novo ato institucional 5 (AI-5) e outros ideais que flertam com o autoritarismo e atacam instituições democráticas.
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