A abertura do processo de impeachment do prefeito Daniel Santana Barbosa, conhecido como Daniel da Açaí, (sem partido) gerou questionamentos a respeito da condução política de São Mateus, no Norte do Espírito Santo. Especialistas ouvidos por A Gazeta afirmam que o processo pode durar até 90 dias e, caso o prefeito seja cassado, não haveria uma nova eleição na cidade.
Daniel da Açaí já está afastado do cargo por determinação do Tribunal Regional Eleitoral da 2ª Região (TRF-2). A medida foi tomada após o prefeito ser preso na Operação Minucius, da Polícia Federal, suspeito de chefiar um esquema criminoso de desvio de recursos da prefeitura, alguns deles federais, enviados para o combate à pandemia de Covid-19. Com o afastamento, o vice-prefeito Ailton Caffeu (Cidadania) tomou posse na Câmara Municipal e assumiu o cargo interinamente.
A Casa acatou o pedido para abertura de processo de impeachment contra Barbosa no dia 26 de outubro. Foram duas denúncias feitas por cidadãos do município. O presidente da Câmara, Paulo Fundão (PP), entendeu que ambas possuíam o mesmo conteúdo. A primeira foi acatada e a segunda foi enviada para posicionamento da Procuradoria.
Com a admissão e o processo aberto, foi definida a Comissão Processante, composta pelos vereadores escolhidos por sorteio Carlinho Simião (Podemos), presidente; Cristiano Balanga (Pros), relator; e Gilton Gomes (PSDB), membro.
Nesta sexta-feira, dia 17 de dezembro, a Comissão Processante decide pelo prosseguimento ou arquivamento do processo de impeachment contra o prefeito Daniel Santana. O relator do caso, Cristiano Balanga (Pros), teve prazo de cinco dias a partir do dia 8 de dezembro para concluir o relatório com o parecer das denúncias e apresentá-lo para a Comissão que vota o seguimento do inquérito.
Segundo o Presidente da Comissão Processante, Carlinho Simeão (Podemos), o prefeito já apresentou a sua defesa, e agora, com o fim do prazo de cinco dias para a conclusão do relatório, o Legislativo decide se aprova o prosseguimento do processo. Após isso, o impeachment ainda vai para votação no Plenário, que dará a palavra final.
O advogado eleitoralista Hélio Maldonado, mestre em Direito Constitucional, explica que o impeachment municipal tem uma regulamentação feita pelo Decreto Lei nº 201, de 1967. Nele, há a previsão das infrações político-administrativas, que seriam uma espécie de crimes funcionais praticados no exercício do mandato e que podem ocasionar sanção política de perda de mandato.
"Esse decreto também estabelece o procedimento. Uma vez apresentada a denúncia, que tem de ser formalizada por um cidadão, ela é lida na sessão. Uma vez recebida, é instalada uma Comissão Processante composta por três vereadores respeitando a proporcionalidade partidária; não pode ter só um partido. Na sequência, o prefeito é citado para se defender em 10 dias, com a apresentação de provas ou produção de provas testemunhal", evidencia Maldonado.
O advogado especialista em direito público, Sandro Câmara, salienta que, ao aceitar o processo de impeachment, o prefeito é retirado automaticamente das funções, respondendo às denúncias fora do cargo. No caso de Daniel da Açaí, isso não ocorre, pois já havia sido afastado pelo TRF-2, e o vice Caffeu assumiu o município interinamente.
Nesse período de dez dias para se defender, o prefeito tem de apresentar, por escrito, sua defesa, indicando as provas e escolhendo as testemunhas. Após esse procedimento, a comissão tem cinco dias para emitir um parecer, decidindo pelo prosseguimento ou arquivamento da denúncia.
"Suponhamos que essa denúncia prossiga, o processo toma uma nova fase. O presidente da comissão designa uma audiência para ouvir as testemunhas e o próprio denunciado que, a rigor, falará por último", afirma o especialista.
"Concluída a fase de instrução, de ouvir as testemunhas e o próprio denunciado, não havendo mais provas a serem produzidas, o denunciado terá o prazo de cinco dias para apresentar suas alegações finais, antes que vá para julgamento. Feito isso, vai a plenário, para que os vereadores se manifestem, principalmente o denunciado, inclusive através de advogado, em um prazo de até duas horas, para produzir sua defesa oral", completa.
Caso dois terços da Câmara proclame o impeachment, Daniel Santana Barbosa perde o cargo e o vice assume como prefeito definitivamente. O especialista em direito eleitoral, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral Político (Abradep), Marcelo Weick Pogliese, entende que os munícipes não voltariam às urnas ao fim do processo, que pode durar até 90 dias.
"Se houver a cassação dele, em definitivo, na prática esse pedido de afastamento judicial de forma cautelar, é uma provisória, perde o objeto, então não tem mais razão de existir, aí o vice é empossado em definitivo, vai virar o prefeito", explica.
"A decisão do juiz que afasta é cautelar, é provisória. Quando houver, lá na frente, a cassação, em definitivo, ele perde o mandado, está fora", completa.
Para Pogliese, caso a cassação seja aprovada na Câmara, não haveria razão para o pedido de afastamento feito pelo tribunal continuar tramitando. Na avaliação de Sandro Câmara, o vice tomaria posse, seguindo as orientações da Constituição Federal. Já Hélio Maldonado evidencia que a Lei Orgânica de São Mateus prevê o mesmo e não uma nova eleição.
Os especialistas ainda sustentam que, com a cassação, o prefeito também pode perder os direitos políticos. Sandro Câmara entende que há essa previsão imposta em decorrência da cassação na Câmara.
"O processo de cassação da Câmara impõe a ele a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, inclusive tornando-o inelegível nesse período. Isso está no decreto nº 201, que regulamenta os crimes de responsabilidade aplicáveis ao prefeito", explica.
Na mesma linha, Hélio Maldonado afirma que a consequência imediata da cassação pela Câmara é a sanção política de perda do mandato. "De maneira reflexa, ele fica inelegível por oito anos após isso, segundo a previsão da Lei da Ficha Limpa", frisa.
Já Marcelo Weick Pogliese relembra o impeachment da ex-presidente Dilma Roussef (PT), quando o ministro Ricardo Lewandowski desmembrou o processo e fez duas votações, uma para o afastamento definitivo e a outra para aplicar ou não aplicar a inelegibilidade de oito anos.
"Na prática, se a gente for seguir a orientação que foi dada do Supremo Tribunal Federal (STF), isso também teria que acontecer no âmbito da Câmara dos Vereadores, ou seja, duas votações", aponta. Pogliese afirma que, se a Casa decidir por uma única votação, tem que deixar claro que são necessários dois terços para aplicar tanto o afastamento quanto a inelegibilidade.
Além da perda dos direitos políticos, Daniel Santana Barbosa ainda pode ver sua situação mudar na Justiça: "Ele deixa de ter o foro privilegiado como prefeito, de ser julgado pelo TRF e não pelo juiz de primeiro grau, em caso de crime. O que pode ocorrer é o processo do TRF descer para a Justiça Federal, porque ele perde o foro em razão da sua cassação", explica Sandro Câmara.
Maldonado ratifica que, após Daniel perder o mandato, também deixa de ter prerrogativa na ação penal no TRF-2, assim como Pogliese, que finaliza: "Não continua no TRF porque, quando se perde o mandato, o processo desce para a primeira instância. Se houver um recurso, ele tem de recorrer ao tribunal ao qual está vinculado o juiz federal."
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