Entidades da sociedade civil e integrantes de partidos de oposição apresentaram, na última quarta-feira (30), um "superpedido" de impeachment contra Jair Bolsonaro (sem partido). Com 271 páginas, o documento lista 23 crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente desde o início do governo.
O requerimento conta com 46 assinaturas e reúne argumentos apresentados nos mais de 120 pedidos de impeachment – um recorde contra um presidente da República – que já foram protocolados na Câmara dos Deputados, mas que não saíram do papel. A responsabilidade de abrir um processo cabe ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Além de crimes que violam a vida, atentam contra Poderes e buscam atrapalhar investigações, o texto cita as denúncias que envolvem o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), em irregularidades no contrato da compra da vacina indiana Covaxin.
O caso é investigado pelo Ministério Público Federal e foi revelado pelos irmãos Miranda à CPI da Covid no Senado. O pedido aponta indícios de omissão por parte de Bolsonaro. De acordo com os irmãos, ele foi comunicado sobre as irregularidades e nada fez.
A denúncia do empresário Luiz Paulo Dominguetti, que afirmou ter recebido pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde, foi incluída como um pedido de investigação, mas não ainda como um suposto crime do presidente.
Ao todo, 23 crimes são atribuídos ao presidente Jair Bolsonaro, divididos em sete categorias, ou artigos da Lei 1.079. Confira os principais pontos do "superpedido" de impeachment:
Artigo 5º, inciso 3 - Cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade.
O texto inclui as frequentes declarações do presidente em relação a outros países, entre eles a China, estimulando conflitos em meio à pandemia de Covid-19, quando demanda=se uma colaboração internacional.
Artigo 6º, inciso 1 - Tentar dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras.
Artigo 6º, inciso 7- Praticar contra os poderes estaduais ou municipais ato definido como crime neste artigo.
Enquadram-se nesses crimes a participação e o incentivo do presidente às manifestações antidemocráticas que pediram o fechamento do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e a reedição do AI-5, instrumento da ditatura militar. Inclui-se também os constantes ataques feitos por Bolsonaro a ministros do STF.
Nos protestos, Bolsonaro também desafiou a autonomia dos estados e de municípios e suas competências no combate à pandemia.
Artigo 7º, inciso 5 - Servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua.
Caracterizam o crime a falta de repreensão às falas do general Augusto Heleno, que definiu como "chantagem" as prerrogativas do Poder Legislativo, além dos frequentes elogios à ditadura e a violação de direitos humanos. Nesse artigo também pode-se incluir a suposta omissão de Bolsonaro em relação a denúncias que envolvem irregularidades no contrato da Covaxin.
Artigo 7º, inciso 8 - Provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis.
Aqui é citada a troca do comando do Ministério da Defesa e de todos os comandos das Forças Armadas, no fim de março deste ano. Associa-se a decisão a insatisfação do presidente Jair Bolsonaro com a "falta de apoio" das Forças Armadas às bandeiras do governo. A mudança é vista como incitação dos militares à desobediência à lei ou infração à disciplina.
Artigo 7º, inciso 9 - Violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição.
Um dos argumentos para atribuir esse crime a Bolsonaro é o comportamento do presidente na condução da pandemia, incentivando aglomerações, a imunidade de rebanho, o uso de medicamentos com ineficácia comprovada por órgãos de saúde, além da ausência de máscaras.
A postura é apontada como fundamental para levar parte da população a não aderir a medidas sanitárias básicas e, com isso, contribuir para o aumento dos casos de contaminação.
Artigo 8º, inciso 7 - Permitir, de forma expressa ou tácita, a infração de lei federal de ordem pública.
Cita-se a tentativa de Bolsonaro de trocar o comando da Polícia Federal – denúncia que foi feita pelo ex-ministro Sergio Moro – para colocar alguém que pudesse repassar informações de investigações que envolviam os filhos do presidente. O texto aponta que houve uma clara tentativa de manipular informações.
Artigo 8º, inciso 8 - Deixar de tomar, nos prazos fixados, as providências determinadas por lei ou tratado federal e necessário a sua execução e cumprimento.
São citados aqui os inúmeros pronunciamentos do presidente que foram contra medidas sanitárias e orientações do Ministério da Saúde, em um momento que se procurava conter o avanço da pandemia de Covid-19.
Artigo 9º, inciso 7- Proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
O presidente violou, de acordo com os autores do pedido, o princípio da impessoalidade no exercício da administração pública ao usar o cargo para interesses pessoais. Isso se deu pela tentativa de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal, com a troca de comando.
Além disso, é citada a suposta omissão do presidente diante da denúncia de irregularidades no contrato da vacina indiana Covaxin.
A respeito desse caso, o superpedido ainda solicita que Bolsonaro seja investigado pelo crime de prevaricação, previsto no Código Penal. A prevaricação se dá quando um funcionário público deixa de praticar um ato para satisfazer interesse pessoal.
Artigo 11º, inciso 5 - Negligenciar a arrecadação das rendas, impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio nacional.
O uso de recursos públicos para a compra e distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento de Covid-19, como é o caso da hidroxicloroquina, é citado no texto como crime de negligência de renda.
Segundo o texto, Bolsonaro absteve-se de executar um plano de comunicação que estimulasse o uso de máscaras e o distanciamento social, medidas cruciais para reduzir o contágio do vírus. E ainda gastou dinheiro público com coisas inúteis, como a cloroquina.
Artigo 12º, inciso 2 - Recusar o cumprimento das decisões do Poder Judiciário no que depender do exercício das funções do Poder Executivo.
Um dos argumentos usados para atribuir a Bolsonaro esse crime são as denúncias de omissão em de medidas de proteção aos povos indígenas e ao meio ambiente. O texto cita uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que em março de 2020, determinou que o governo federal adotasse medidas para conter o avanço da Covid-19 entre indígenas.
Apesar de o documento já ter sido protocolado, o presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que não vai analisá-lo. Ele alegou que é preciso esperar que a CPI da Covid conclua os trabalhos e ironizou dizendo que a comissão faz "um belíssimo trabalho, bem imparcial". Lira faz parte do Centrão e foi eleito para a presidência da Casa com apoio e articulações de Bolsonaro.
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