Em busca da sobrevivência e para cumprir as metas de desempenho exigidas pela Constituição Federal nas Eleições 2022, os partidos políticos apostam suas fichas no lançamento de candidatos populares, conhecidos pelos eleitores e com capacidade para serem “puxadores de voto” para a Câmara dos Deputados.
Candidatos com esse perfil ou capacidade já costumavam ter a campanha priorizada pelas legendas. Agora, ainda mais, já que apenas os partidos que atingirem 2% dos votos válidos distribuídos em nove Estados diferentes – com pelo menos 1% dos votos em cada um – poderão ter acesso aos recursos do fundo partidário e ao tempo gratuito de propaganda no rádio e na TV a partir de 2023. A segunda opção é ainda mais dura: eleger ao menos 11 deputados federais em nove Estados.
Neste ano, cada partido concorre com chapas individuais de candidatos a deputado federal, uma vez que a coligação para a disputa proporcional foi proibida a partir da Emenda Constitucional 97, de 2017. Cada partido ou federação – união provisória de siglas com duração de quatro anos – pode lançar até 11 candidatos no Espírito Santo para tentar obter uma cadeira na Câmara dos Deputados.
E quem são esses puxadores de voto? A resposta é ampla, já que pode incluir atuais deputados que buscam a reeleição, ocupantes e ex-ocupantes de outros cargos públicos e eletivos, como vereadores, deputados estaduais, vice-prefeitos, além de lideranças religiosas e sociais.
Há duas características específicas bem comuns a esses puxadores de votos, segundo a cientista política e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Marta Zorzal: são pessoas com capacidade de liderança e de influência.
Contudo, não basta ter essas características se o candidato não estiver visível. Ter visibilidade no mundo de hoje é muito mais complexo do que há 10 anos, ressalta a cientista política, pois é preciso estar visível no mundo real e também nas redes sociais.
Algo que não mudou, na avaliação de Marta Zorzal, é a necessidade de recursos financeiros para tornar esses candidatos visíveis. Ainda que a forma de utilização dos recursos tenha mudado, pois a destinação é distinta da de campanhas de 10 ou 20 anos atrás, os partidos precisam investir em profissionais que saibam trabalhar com redes sociais, por exemplo, e isso acaba favorecendo aqueles que têm mais recursos financeiros para a campanha.
Conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cinco partidos ficarão com quase metade (46,88%) dos R$ 4,9 bilhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o Fundo Eleitoral, destinado aos partidos políticos para as eleições 2022.
Resultado da fusão entre PSL e DEM, o União Brasil ficará com a maior fatia: R$ 776,5 milhões, por ter sido o partido com o maior número de representantes eleitos para o Congresso Nacional em 2018. Em seguida aparecem o PT, com R$ 499,6 milhões; o MDB, com R$ 360,3 milhões; o PSD, que terá R$ 347,2 milhões; e o Progressistas (PP), com R$ 342,4 milhões.
Questionada se todo esse cenário não favorece as legendas que têm mais recursos e, com isso, dificulta a ascensão de siglas menores, a cientista política concorda parcialmente e faz uma ressalva. Para ela, pode sim favorecer quem tem mais recursos, já que possibilita a contratação de profissionais qualificados no mercado em detrimento do trabalho amador, mas outros componentes também entram no jogo.
“Tem outras variáveis também que precisam ser consideradas. O candidato tem de ter carisma para ser uma liderança considerada puxador de voto. As pessoas se identificam com determinados valores. O voto tem muitas motivações, seja ideológica, racional, de valores, de acesso à informação e as condições desse acesso. Todo mundo tem um telefone celular com redes sociais hoje em dia, mas às vezes a pessoa cai nas bolhas”, pontua a cientista política.
Ela chama atenção ainda para um ponto que os eleitores muitas vezes deixam de lado na hora de escolher em quem votar para deputado federal: qual a relação ideológica do candidato ao Legislativo em relação ao candidato que você está votando para o Executivo?
Isso ocorre, na avaliação da cientista política e professora da Ufes, porque o eleitor brasileiro ainda gosta de votar no conhecido, no amigo, e deixa de observar e entender como funciona a relação entre o Executivo – governo estadual ou federal – e o Legislativo – Assembleia Legislativa ou Congresso Nacional – e de como a escolha de um nome que não tem relação ideológica com o candidato que se está votando para o Executivo pode dificultar um governo futuro.
“É importante dar coalizão para o futuro. Se construir uma base fragmentada, esquizofrênica, cria um governo de muita dificuldade, que vai precisar construir uma relação política no futuro em um clima de tensão. As condições de governabilidade são dadas pelo Legislativo, pois é quem aprova as ações que o Executivo vai fazer, inclusive o Orçamento”, complementa.
O advogado e mestre em Direito Processual com ênfase na área eleitoral Ludgero Ferreira Liberato dos Santos observa o tema por outro prisma. Na avaliação dele, em 2018 a emenda constitucional ainda era muito recente e alguns partidos não se atentaram que eleger deputado federal era uma questão de sobrevivência.
Para ele, o puxador de voto para a Câmara dos Deputados tem um pacto com o partido, pois ele ajuda o partido a sobreviver.
O acesso ao fundo partidário atualmente está restrito a 22 legendas que obtiveram no mínimo 1,5% dos votos válidos nas eleições para a Câmara dos Deputados de 2018, distribuídos em pelo menos nove unidades da Federação, ou as que elegeram pelo menos nove deputados federais.
Cumpriram esses requisitos: União Brasil (PSL + DEM), PT, PSDB, PSD, PP, PSB, MDB, PL, Republicanos, PDT, Psol, Novo, Podemos, Patriota, PCdoB, Pros, PTB, Solidariedade, Avante, Cidadania, PSC e PV.
Por outro lado, deixaram de receber recursos do fundo partidário as seguintes legendas: Rede, DC, PCB, PCO, PMB, PMN, PRTB, PSTU e Agir, além do Unidade Popular (UP), registrado no TSE em 2020.
Aos partidos que não conseguirem alcançar as metas previstas na cláusula de barreira restará o acesso ao fundo eleitoral, usado para financiar as campanhas eleitorais. Este último é dividido proporcionalmente ao número de representantes, mas tem uma parcela destinada a todos os partidos.
Se considerar o desempenho dos partidos em 2018 e os critérios previstos nas eleições de 2022, ao menos mais seis partidos não atingiriam o mínimo de 2% dos votos válidos: Avante, Cidadania, PCdoB, PV, PSC e Solidariedade.
Por isso, muitos partidos optaram por se unir em federações este ano. Desses seis, três estão federados com outras legendas. Cidadania se juntou ao PSDB; PCdoB e PV se federaram com o PT. Além deles, a Rede firmou federação com o Psol, que cumpriu as metas de desempenho em 2018.
A redução de partidos que se espera com a cláusula de barreira traz um novo desafio, na avaliação do advogado da área eleitoral. "O maior dilema para o Brasil à medida que o número de partidos for reduzido é ter uma democracia interna dentro dos partidos. É importante que os grupos diferentes possam ter chance de chegar ao poder dentro dos partidos. É preciso garantir que as direções dos partidos sejam eleitas de forma democrática", salientou Liberato dos Santos.
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