Na última quarta-feira (24), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), abriu um processo para investigar um gesto feito pelo assessor internacional da Presidência da República, Felipe Martins, durante sessão da Casa. Unindo os dedos polegar e indicador, Martins fez um sinal que é amplamente conhecido como "OK", mas que tem tanto uma conotação obscena quanto uma ligação com grupos de extrema-direita.
Nos Estados Unidos, o gesto é utilizado como uma espécie de identificação do movimento supremacista branco. Os três dedos esticados simbolizam a letra "w", que é uma referência à palavra em inglês "white" (branco). O círculo formado representa a letra "p", para a palavra "power" (poder). Ou seja, o símbolo quer dizer "poder branco".
Para quem estava na sessão, foi difícil interpretar como algo racista, já que o sinal possui outros significados popularmente conhecidos. Mas, segundo pesquisadores que estudam movimentos de extrema-direta, isso é parte da estratégia desses grupos. Eles se utilizam de gestos, que a princípio não têm nenhuma conotação negativa, para se comunicar internamente e reforçar ideias de supremacia.
O gesto feito por Felipe Martins faz parte de uma reapropriação de simbologias, segundo o professor de História Contemporânea da UFJF Odilon Caldeira Neto. É um símbolo que não foi criado para o fim que hoje tem, mas passou por um processo de repaginação dentro dos grupos de extrema-direita.
"Inicialmente, a simbologia do OK invertido era usado como uma provocação a manifestantes mais progressistas nos Estados Unidos. Mas, com formação de novos militantes em fóruns on-line da direita alternativa, vários símbolos passaram por um processo de repaginação. O significado desse gesto foi reapropriado e se tornou um sinal de adesão às ideias racistas de determinados grupos", explica.
Diferentemente de uma saudação nazista ou a utilização de uma suástica, os símbolos utilizados por esses grupos não têm o objetivo de fazer uma "propaganda externa" do movimento. Pelo contrário, é uma forma de comunicação entre membros para mostrar apoio.
O sinal matemático de diferente (≠), um copo de leite, o sapo Pepe e a bandeira da Ucrânia são exemplos de símbolos que, a princípio, não parecem ter uma conotação negativa ou significado oculto, mas que, nos movimentos de extrema-direita, estão todos ligados a supremacistas brancos.
A atitude de beber um copo de leite, a exemplo do que foi feito pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante uma live, levantou questionamentos. Em movimentos de extrema-direita, o gesto é uma forma de exaltação a uma ideia de soberania da raça branca.
O sapo Pepe, que é um meme utilizado na internet para diferentes contextos, também foi incorporado pelos movimentos supremacistas em discursos de ódio. Na invasão do Capitólio nos Estados Unidos, muitas pessoas usam máscaras com a imagem do personagem.
De acordo com o professor de Relações Internacionais da PUC-SP David Magalhães, essa ambiguidade voluntária dos símbolos utilizados por esses grupos faz parte de uma estratégia chamada de “dog whistle”, ou “apito de cachorro” em português, numa referência ao instrumento que não é ouvido por seres humanos, mas pode ser captado por cães.
"Isso tem sido uma tática desde o fim da Segunda Guerra Mundial para dificultar uma responsabilização criminal de gestos racistas. A maioria das pessoas não consegue entender o que os símbolos usados por estes grupos realmente querem dizer, ou os interpretam de outra forma. Assim, eles podem alegar que estavam fazendo apenas um sinal de ok, como no caso citado", afirma.
No episódio envolvendo Felipe Martins, logo após pesquisadores apontarem que o gesto feito com os dedos era uma forma de comunicação entre supremacistas brancos, ele usou as redes sociais e contestou. Além de ironizar a imprensa, publicou fotos de políticos e outras personalidades fazendo o mesmo sinal.
De acordo com Magalhães, é importante analisar o contexto em que o gesto é feito e o histórico da pessoa que faz. No caso do assessor da Presidência, outros episódios mostram, segundo o professor, que há um flerte com movimentos de extrema-direita.
"Dentro do governo Bolsonaro, ele é a pessoa que mais dialoga com a direita alternativa americana. No twitter, já fez postagens em espanhol com expressões usadas por soldados franquistas durante a Guerra Civil. O avatar dele tem um verso de um poema usado por um terrorista que matou dezenas de pessoas na Nova Zelândia. Não são coincidências. Existe um histórico de citações indiretas que o conectam com grupos de direita desde 2018."
Além de serem usados como uma forma de comunicação interna entre grupos, a utilização desses gestos em público costuma ter o objetivo de desviar o foco de algum assunto, segundo Magalhães.
"O Ernesto Araújo estava sendo emparedado naquele momento. O assessor sabia que ao fazer aquele gesto, algumas pessoas iriam identificá-lo como símbolo da supremacia branca e o assunto iria circular. Com isso, cria-se uma polêmica e desvia-se o foco do assunto que estava sendo discutido."
O gesto de Felipe Martins aconteceu durante sessão do Senado. No momento, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pediu a suspensão da cerimônia e que o assessor do presidente fosse retirado, o que não aconteceu.
Para o senador Fabiano Contarato (Rede), que também participava da sessão, Felipe Martins deveria ter sido retirado do local pela Polícia Legislativa e então lavrado um flagrante por crime contra a honra.
"A Lei de Combate ao Racismo em seu art. 20 veda expressamente qualquer tipo de apologia à discriminação, com mais razão na casa do povo, que é o Congresso Nacional. É inaceitável que um servidor chegue ao ponto de fazer aquele gesto que é conhecido mundialmente como poder branco, uma supremacia branca", declara Contarato.
"A Constituição Federal é clara ao dizer que ninguém será preso salvo em flagrante delito ou por ordem judicial. Naquele contexto, eu não tenho dúvidas, aquela pessoa deveria ter sido recolhida e encaminhada para a Polícia Legislativa para que fosse feita a análise do estado flagrancial por crime contra a honra", completa.
Em requerimento ao presidente do Senado, Contarato pediu inserção, em ata, de voto de censura a Felipe Martins "pelos gestos racistas e preconceituosos" usados durante a sessão.
A supremacia branca é uma forma de racismo extrema, baseada na crença de que pessoas brancas são superiores a outras e só os brancos têm valor na sociedade. Os supremacistas alimentam discursos de ódio contra o que consideram outras raças e defendem sistemas de governo que garantam privilégios apenas à população branca. Eles fazem parte de grupos que geralmente perseguem e se opõem a negros, imigrantes e judeus.
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