Nas eleições de 2018, eles se enfrentaram nas urnas carregando discursos antagônicos. De um lado o PT, contestando as investigações promovidas pela Operação Lava Jato que levou à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De outro, a base de Jair Bolsonaro (sem partido), que enaltecia as ações da força-tarefa e fazia da política anticorrupção um projeto de governo.
Pouco tempo depois, no entanto, bolsonaristas e lulopetistas parecem ter encontrado um ponto de convergência, por mais contraditório que isso seja. Para defender interesses próprios, ambos se unem em críticas à Lava Jato e se colocam lado a lado com narrativas muito próximas contra um inimigo comum: o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
No pano de fundo desse movimento, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se mostra um ator importante. Vieram dele algumas das declarações mais agressivas contra a força-tarefa, feitas na última terça-feira (28) em uma live com um grupo de advogados.
Aras disse que a investigação é uma "caixa de segredos" e que é hora de "corrigir os rumos". Ele também tem sido o responsável por promover ações para tentar enfraquecer e centralizar as conduções de operações como esta em uma unidade do Ministério Público Federal (MPF).
A atitude de Aras, por si só, não poderia ser ignorada, já que ele é o atual procurador-geral da República. Esperava-se, neste sentido, que críticas a integrantes da instituição que faz parte não fossem trazidas assim, a público. Mas a forma como o PGR chegou ao cargo, sendo escolhido a dedo pelo presidente Bolsonaro, reforça as dúvidas sobre suas reais intenções.
Aras não fazia parte da lista tríplice do MPF - os procuradores elegem três nomes -, mas foi indicado por Jair Bolsonaro para o cargo mesmo assim. Isso não é proibido, mas incomum e evidenciou uma relação de proximidade com o presidente.
A Lava Jato é a maior iniciativa de combate à corrupção no país. Nos últimos anos, prendeu cerca de 300 pessoas, entre elas políticos importantes, donos de empreiteiras e executivos. A Operação foi por muito tempo criticada pelo PT, que acusava a força-tarefa de perseguir o partido.
Políticos de diferentes siglas têm sido atingidos pela investigação, que recentemente teve como alvo grandes nomes do PSDB, como o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin e o senador José Serra.
A abrangência das ações da força-tarefa tem assustado as siglas, na visão dos especialistas. Para o cientista político João Gualberto Vasconcellos muitas das críticas feitas à Lava Jato mostram um temor quanto a onde as investigações podem chegar. Por isso, a estes interessa o fim da Operação.
Talvez este seja um dos grandes medos de Bolsonaro: quem a investigação vai atingir. Principalmente agora, em um momento em que ele se aproxima do Centrão. Grande parte dos políticos investigados e presos pela Lava Jato faz parte deste grupo, conhecido por colocar em prática a velha política da troca de favores. Por causa disso, muitos são críticos da força-tarefa e veem Moro como inimigo.
O PP, por exemplo, foi um dos principais alvos da operação. E hoje é uma das siglas nas quais Bolsonaro aposta no Congresso.
Durante a campanha eleitoral e até mesmo no início do mandato, Jair Bolsonaro criticou a prática do toma-lá dá-cá e a forma como o Centrão atua. Disse que jamais faria parte dessa política. No entanto, o presidente mudou de posição e cada vez mais tem se aliado ao grupo e se distanciado do discurso de combate à corrupção para garantir apoio na Câmara.
Grande parte dos grupos que hoje são contra a Lava Jato têm um inimigo comum: Sergio Moro. Ele atuou como juiz por quatro anos com dedicação exclusiva à Lava Jato em Curitiba e foi o responsável por várias condenações. No caso de petistas, as críticas ao ex- juiz são antigas e se devem, sobretudo, à prisão do ex-presidente Lula.
Mas para bolsonaristas, nem sempre foi assim, pelo contrário. Moro foi visto, por muito tempo, como um herói, associado ao suposto plano de combate à corrupção de Bolsonaro. Sua presença no Ministério da Justiça e Segurança Pública trouxe credibilidade ao governo, ao mesmo tempo que levantou ainda mais suspeitas sobre intenções político-eleitorais do então magistrado.
Conflitos entre o presidente o ex-juiz, que não conseguiu colocar seus planos em prática no ministério, começaram a dar sinais de uma possível ruptura, que foi consumada com a saída de Moro do governo. Sergio Moro não só saiu, como fez graves acusações contra Bolsonaro. Ele justificou seu pedido de demissão a tentativas do chefe do Executivo de interferir no trabalho da Polícia Federal, que conduzia investigações que envolviam os filhos do presidente.
Essa tentativa de desidratar a força-tarefa é vista também como uma forma de manchar a imagem de Moro, que pode vir a ser uma ameaça política para o presidente. Para Michael Mohallem, as críticas à Lava Jato e o impedimento do seu avanço enfraqueceriam a figura do ex-juiz numa futura candidatura à Presidência contra Bolsonaro.
Os bolsonaristas veem no avanço da Lava Jato o crescimento do sucesso do Moro. Hoje eles se mostram muito mais preocupados com o quanto os resultados da força-tarefa podem impactar a figura do ex-juiz em um cenário eleitoral. Moro é a grande figura da operação, um símbolo. O sucesso da Lava Jato o beneficia, explicou.
Para João Gualberto Vasconcellos, não há dúvidas que a descredibilização dos integrantes da Lava Jato, sejam eles procuradores ou o ex-juiz é o que aproxima as narrativas de bolsonaristas e lulopetistas. Na opinião dele, esse movimento pode ser fatal.
É aquela máxima: inimigo do meu inimigo é meu amigo. Vejo uma aproximação dos inimigos da Lava Jato para desorganizá-la, mesmo que sejam de campos completamente opostos e até mesmo adversários políticos. Essa aliança será fatal para a operação, comenta o cientista político João Gualberto Vasconcelos.
Apesar de apresentarem ideologias políticas diferentes e longe de se tornarem aliados, Prando pontua que o lulopetismo e o bolsonarismo se aproximam não apenas por causa de um ponto de crítica comum, mas pela forma como tratam seus adversários.
"A gente vê que mesmo sendo polos extremos na política, o lulopetismo e o bolsonarismo apresentam pontos em comum não só nesta posição contrária à força-tarefa e à figura do Moro, mas pela forma como eles veem a política como um campo de combate. Aqueles que não estão do lado deles são inimigos e o objetivo é reduzir a atuação destas pessoas para que eles saiam beneficiados", finaliza Rodrigo Prando.
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