O vídeo divulgado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na terça-feira (25) com uma convocação para atos de rua em 15 de março foi mais do que uma elevação de tom contra o parlamento e o Judiciário. Como os protestos tem pauta contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), na interpretação de especialistas, o gesto representa também um desrespeito à Constituição Federal.
Ao demonstrar estar disposto a entrar em rota de colisão com as instituições, atitude que atenta contra a democracia, o resultado pode ser uma crise institucional, segundo analistas ouvidos por A Gazeta.
Na terça-feira, por meio de sua conta pessoal no WhatsApp, o presidente compartilhou com amigos e políticos um vídeo que convoca para manifestações de rua marcadas para 15 de março. Nesta quinta (27), ele chegou a dizer em transmissão pelas redes sociais que o vídeo, na verdade, seria uma convocação para atos contra a ex-presidente Dilma em 2016. Porém, o teor do conteúdo é bem diferente.
Com 1 minuto e 40 segundos, o vídeo tem ao fundo o Hino Nacional tocado em saxofone e um texto de apoio ao presidente, além de imagens de Bolsonaro durante discursos e no hospital, após ter sido esfaqueado durante a campanha eleitoral de 2018. O texto diz que ele "foi chamado a lutar por nós" e "quase morreu por nós". "Dia 15/03 vamos mostrar a força família brasileira. Vamos mostrar que apoiamos Bolsonaro e rejeitamos os inimigos do Brasil."
O cientista político João Gualberto Vasconcellos interpreta que Bolsonaro agiu de forma a convocar a sociedade para se opor aos preceitos constitucionais, ignorando o sentido fundamental da separação de Poderes.
"Ao fazer esta publicação, ele quis dar um recado, que é como ele age o tempo todo: de que está testando os limites do regime democrático. Isso tudo é feito de forma consciente, estudada, com consultores. E tudo o que ele faz se transforma em simbólico. Ele abriu esta discussão, trazendo toda a sua militância. Ele testa para ver se tem passagem, e quando não tem, ele recua. Mas o impacto foi ruim", avalia.
O estudioso destaca que outros sistemas autoritários vigentes hoje se baseiam no apoio do povo na rua e a plebiscitos para reduzir o papel das instituições como parlamento e Judiciário. Países que têm sido objeto de estudo desse tipo de atitude são a Venezuela, a Polônia e a Turquia, por exemplo, em são usados instrumentos legais ou constitucionais para fragilizar a ordem democrática.
"Ele sabe que não consegue agora, mas pode estar fazendo um jogo de longo prazo para desgastá-los, e tentar reduzir o seu tamanho".
A separação dos Poderes é uma questão essencial no Estado de Direito, e esta concepção é inclusive pré-democrática, com noções desde o período grego, como pontua a doutora em Ciência Política pela USP Graziella Testa. Este conceito é de que o Estado que precisa que o poder seja dividido para que ninguém seja soberano ou domine, e para que haja equilíbrio.
"Historicamente, depois ainda vem, na trilha do liberalismo, a ideia de limitar o Estado para que ele não se imponha sobre o indivíduo. Dividir poder é para que ninguém tenha poder demais sobre a liberdade dos outros. É preciso que a gente entenda que o Estado de Direito tem que ser resguardado", explica.
Para Gualberto, este tipo de conduta do presidente é clara na afronta à Constituição. "Quando toma posse, o presidente jura seguir a Constituição, e ela prevê o equilíbrio dos três Poderes. O que ele faz é tentar aumentar o peso do Executivo e diminuir o dos outros. Desconstruir a teia democrática da constituinte de 1988 e construir um regime de força."
A pesquisadora Graziella acrescenta que como a separação e independência dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) é um dos princípios fundamentais da Constituição, atentar contra a independência do Legislativo e do Judiciário é proibido expressamente.
Além disso, o artigo 85 traz que atos do presidente da República que atentem contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação é crime de responsabilidade.
"Embora haja um processo de deslegitimação do Congresso, de toda forma todos ali foram eleitos, são legítimos. Se configurar que está fazendo esse movimento contra o Congresso, significa que há um movimento contra a representação democrática", ressalta.
Para Graziella, atitudes como essa demonstram um sintoma da dificuldade de governabilidade enfrentada por Bolsonaro, assumindo publicamente a situação. "Temos um presidencialismo de coalizão, caracterizado por uma necessidade de se construir uma base no Congresso. Ou seja, ele precisa se conversar com outros partidos, que têm pessoas democraticamente eleitas, para ter uma maioria. Como os acordos passaram a ser vistos de forma negativa, o presidente dizia que ia construir apoio no Congresso de outra forma, mas não é o que tem conseguido", analisa.
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