As declarações do ex-juiz e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro quando anunciou sua demissão podem configurar tanto o cometimento de crimes comuns quanto de crimes de responsabilidade por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro. Moro declarou que o presidente queria interferir na Polícia Federal, manter contato com seus diretores e ter acesso a relatórios sigilosos sobre as investigações.
No final da tarde desta sexta-feira (24), o procurador-geral da República, Augusto Aras, decidiu solicitar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um inquérito para apurar os fatos narrados e que seja investigada a ocorrência dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Neste caso, Bolsonaro poderia ser enquadrado nos crimes do Código Penal.
Após as investigações, a PGR pode decidir pelo oferecimento de denúncia contra Bolsonaro, mas caberia à Câmara dos Deputados decidir dar prosseguimento ou não à acusação, o que poderia levar ao afastamento do presidente da República de suas funções. Duas denúncias oferecidas pela PGR contra o então presidente Michel Temer (MDB) em 2018 acabaram barradas pela Câmara.
Na hipótese de ser processado por crime de responsabilidade, deve ser necessário associar que os atos de Bolsonaro foram contra a probidade na administração pública, enquadrando-o na lei que especifica os crimes de responsabilidade. Com esse fundamento, é possível ser feito um pedido de impeachment.
Especialistas em Direito explicaram quais declarações poderiam implicar em algum tipo de responsabilização do presidente.
A fala de Moro de que o presidente queria acionar relatórios de inteligência de investigações da Polícia Federal e de que teria pedido documentos sigilosos do órgão poderia enquadrá-lo nos crimes de advocacia administrativa e de prevaricação, como explica a professora de Direito Penal da UFRJ Luciana Boitteux.
"Ainda estamos em um momento muito inicial da apuração para definir qual seria a tipificação correta. Ainda vai depender daquilo que ficar provado. A prevaricação estaria configurada se demonstrado que ele praticou ato para satisfazer interesse ou sentimento pessoal", diz.
O doutor em Direito Penal e professor da FDV Israel Jório avalia que também se deve apurar a prática de crime de prevaricação se a exoneração, seja referente à chefia da PF ou ao próprio ministro Moro, se deu por sentimentos ou interesses pessoais.
"Compete ao presidente selecionar as pessoas mais competentes para esses cargos. Se as exonerações ou as substituições acontecem por razões escusas para interferir no curso de investigações, por exemplo , há prevaricação, sem prejuízo dos crimes que podem vir a ser cometidos caso as interferências, lá adiante, cheguem a acontecer."
Bolsonaro também teria inserido uma informação falsa em um documento público, o que seria falsidade ideológica, outro crime que precisaria ser apurado, ao dizer que demitiu o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, a pedido, sendo que isso, segundo Moro, não é verdade.
A hipótese de existência de crime de obstrução da Justiça, por sua vez, não é algo que está claro, até o momento, segundo os especialistas. "Não está tipificado em nossa lei penal, exceto para os casos ligados às investigações sobre organizações criminosas", afirma Jório.
Luciana Boitteux acrescenta que ainda não há elementos para verificar essa conduta. "O que se extrai da fala de Moro é que ele saiu do cargo para não ceder às pressões, não se falou se ele, de fato, acessou informações", explica.
No caso de existência de crime de responsabilidade, o professor Israel Jório pontua que são muitos os tipos penais possíveis, e a correta tipificação depende de minúcias, de detalhes que só vêm à tona diante das investigações.
"Considero, pela maior chance de caracterização, o que está previsto no art. 9º, inciso 5, da Lei 1079/56: infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais. Mas, só pela possibilidade inicial de existirem tantas infrações, já se justifica uma apuração extremamente dedicada das autoridades", afirma.
Para o professor de Direito da FGV Rubens Glezer, também é possível argumentar que os fatos demonstram que houve violação ao princípio constitucional da impessoalidade na administração pública.
"Há uma acusação muito forte, no capítulo de crimes contra a probidade da administração pública, de que ela deve ser tocada com os valores adequados. Os mandatários têm que administrar a coisa pública, não podem reverter ao interesse privado para privilegiar quem queiram."
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta