Cerca de um mês após endossar medidas mais restritivas do governo estadual para conter o avanço da pandemia de Covid-19 no Espírito Santo, o presidente da Assembleia Legislativa, Erick Musso (Republicanos), adota agora um discurso desalinhado ao Palácio Anchieta.
Nos últimos dias, o parlamentar se reuniu com representantes de estabelecimentos comerciais e de escolas e saiu em defesa da retomada das atividades do Estado. Em vídeos publicados nas redes sociais, afirmou que o comércio precisa funcionar diariamente.
Atualmente, cidades que estão classificadas no risco extremo do Mapa de Risco do governo podem abrir durante três dias da semana. Ao todo, 30 cidades se encontram nessa situação, mas a partir de segunda-feira (26) serão apenas cinco.
Articuladores políticos avaliam que esse desalinhamento entre os chefes dos dois Poderes não deve levar a uma ruptura, mas pode provocar um distanciamento de Erick Musso e o governador do Estado, Renato Casagrande (PSB). Os dois vinham se aproximando politicamente e até mesmo uma aliança entre partidos era cogitada para 2022.
Para interlocutores do governo, a postura do presidente da Assembleia é vista como uma tentativa de protagonismo político e uma movimentação conveniente para o momento, já que o Estado se prepara para a reabertura gradual das atividades comerciais.
Aliados do republicano, contudo, afirmam que Erick não está indo contra medidas do governo, mas "abrindo o diálogo", e que isso não deve interferir na relação entre o Legislativo e o Executivo.
Quando o governador do Espírito Santo estava prestes a anunciar uma quarentena de 14 dias no Estado, em março deste ano, Erick Musso se manteve ao lado dele. Na ocasião, assim como representantes dos outros Poderes e instituições do Estado, pregou união e defendeu a necessidade de medidas mais rigorosas no combate à pandemia.
Mas o que se viu nos últimos dias foi uma espécie de "rompimento desse pacto", quando Erick, de forma individual, posicionou-se em defesa da abertura de estabelecimentos comerciais.
"Reafirmei meu compromisso e meu desejo para que possamos ter o comércio reaberto todos os dias [...] Sou da defesa que nós temos que defender a vida, cuidar da saúde, mas também precisamos cuidar da economia e da comida da mesa das pessoas", afirmou em vídeo publicado nas redes sociais. No mesmo vídeo, Erick se diz "a favor do comércio".
Com essa narrativa, o presidente da Assembleia se aproxima do prefeito da Capital, Lorenzo Pazolini (Republicanos), que é aliado e do mesmo partido de Erick. Pazolini tem chamado a atenção pela ausência nas reuniões com governo estadual desde que medidas mais rígidas foram impostas ao Estado.
A atitude, vista como quase de que "oposição", agrada representantes do comércio, que têm pressionado o governo estadual para mudanças na Matriz de Risco e flexibilização das atividades. Por outro lado, se distancia de outros chefes de Poderes e instituições, que mantêm apoio às medidas do governador Renato Casagrande.
Um exemplo é que, nesta semana, o presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, desembargador Ronaldo Gonçalves, derrubou uma liminar que permitia o retorno das aulas no Estado.
"O comportamento que o Erick decidiu adotar vai no sentido contrário ao que os outros Poderes têm feito. De forma alguma o governo se sente pressionado com isso. A gente vai continuar adotando as medidas apontadas pela Matriz de Risco", disse um membro do governo de Casagrande, que afirmou que a relação entre Executivo e Legislativo não se abala.
Para articuladores do governo, a atitude de Erick faz parte de um movimento pré-eleitoral, em busca de "protagonismo político". O atual presidente da Casa já disse que não deve disputar uma cadeira na Assembleia e é cotado para concorrer à Câmara dos Deputados.
"A gente percebe que alguns agentes políticos estão aproveitando esse momento para assumir discursos que nem eles mesmos acreditam só para ter destaque", pontou um membro do primeiro escalão de Casagrande.
"Ao meu ver, Erick faz um movimento brusco para se promover, porque ficou apagado durante a pandemia. Então ele acaba se movimentando em cima de uma pauta que tem apelo popular. É um aproveitamento político para sair bem com a sociedade", completou.
O movimento é também visto como conveniente, já que as atividades do comércio vão ser flexibilizadas na maioria dos municípios nos próximos dias, devido à queda de casos de Covid-19 no Estado e à desocupação de leitos.
"Agora é um discurso muito fácil, porque as atividades econômicas vão gradativamente voltar a funcionar diariamente. Então vejo uma espécie de oportunismo nesse discurso", pontou um aliado de Casagrande.
Erick está no segundo mandato de deputado estadual e, pela terceira vez, à frente da Assembleia Legislativa. Ele foi eleito para o cargo em fevereiro deste ano, com apoio do governador Renato Casagrande, após um episódio que gerou desgaste na relação entre os dois.
Em novembro de 2019, faltando 14 meses para a eleição, Erick antecipou a votação na Casa e foi reeleito para presidir a Mesa Diretora. Na época, Casagrande criticou publicamente a atitude do parlamentar. O resultado da votação foi contestado judicialmente e posteriormente cancelado.
Desde então, os chefes dos dois Poderes tentaram se reaproximar e reconstruir a relação. A aliança, que já vinha dando sinais de concretização, foi selada em fevereiro, com o apoio de Casagrande para reeleição de Erick como presidente da Assembleia.
Durante discurso de posse, Erick fez acenos ao chefe do Executivo e disse que Casagrande teria uma parceria sólida na Casa. Posteriormente, os partidos de Casagrande e de Erick Musso chegaram até se reunir e sinalizar uma possível aliança para 2022.
Há quem acredite que, com esse movimento de defesa do comércio, Erick dá sinais que não pretende caminhar de forma tão alinhada com o governo estadual e flerta com discursos de oposição.
"Ele solta a mão do governo um mês depois de declarar apoio e flerta com uma narrativa de movimentos de oposição, que desde o início pressiona a abertura total do comércio. Isso, na minha opinião, é temerário", avaliou um aliado do governador.
Mas dentro do Palácio Anchieta, a leitura é que a movimentação de Erick, por mais que caminhe no sentido contrário ao do governador, é pontual e não deve causar uma ruptura política entre os grupos.
"Foi um movimento equivocado que acaba despertando desconfiança. A relação pessoal dele com o governador já tinha algumas quebras, de episódios anteriores. No entanto, não acho que isso ocasione uma ruptura política. Vejo mais como uma forma de autopromoção do Erick", finalizou um representante do governo.
Aliados de Erick também não acreditam que a postura do presidente da Casa dê início a um movimento de oposição. Para eles, Casagrande e Erick mantêm uma relação harmônica e o presidente da Assembleia não quer ir contra o governo.
"Ele continua favorável às medidas do governo e respeitando, mas está abrindo o diálogo para setores prejudicados, que não estão tendo tanto espaço nas conversas", declarou uma pessoa próxima a Erick Musso.
Procurado pela reportagem, o presidente da Assembleia disse que o pacto entre a Assembleia e o governo, firmado para apoiar as medidas do Executivo, não deixou de existir, mas que é função do parlamentar ouvir todos os segmentos. Ele defende que os cuidados com a vida e a preservação das atividades aconteçam de forma simultânea.
Confira a nota enviada pela assessoria de imprensa:
"O pacto da Ales quanto ao enfrentamento da Covid-19 não deixou de existir em nenhum momento. O debate e diálogo com o Governo do Estado e demais Poderes, além da sociedade civil organizada, têm se dado de forma permanente. Todos os projetos apresentados têm sido apreciados pelo Poder Legislativo de forma célere e estão contribuindo para mitigar o sofrimento dos capixabas atingidos pela crise sanitária. No entanto, é função da Assembleia e de seus representantes ouvir todos os segmentos atingidos para que, juntos, possam encontrar a melhor saída no contexto atual. O presidente defende que os cuidados com a vida e com a saúde e a preservação da atividade econômica podem acontecer simultaneamente, desde que se respeitando os protocolos de biossegurança, que é um dos compromissos firmados pelo comércio formal, um dos setores mais castigados pela pandemia.
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