Desligar o microfone para a mulher não se manifestar em uma sessão parlamentar, usar termos pejorativos pela condição feminina, intimidar, perseguir, pressionar para deixar o cargo. Essas são algumas situações por que passam mulheres que ocupam função pública e para as quais foi criado um estatuto, no Espírito Santo, que visa a combater a chamada violência política de gênero.
Apesar de não ser um problema novo, tem escalado nos últimos anos. No Legislativo, particularmente, não é raro que debates passem da discussão de ideias e pontos de vista para ataques pessoais, agressivos e que se sustentam em declarações que objetivam unicamente depreciar a mulher.
Em março, na Câmara de Vitória, o vereador Gilvan da Federal (PL) mandou a colega Camila Valadão (Psol) calar a boca; um ano antes, já tinha a acusado de se vestir de maneira inadequada.
A vereadora Karla Coser (PT) também enfrenta hostilidade de outros parlamentares na Câmara da Capital. Em um episódio recente, no mês passado, suas falas foram desqualificadas por Luiz Emanoel (Cidadania) e pelo presidente da Casa, Davi Esmael (PSD), após se manifestar sobre o caso da criança de Santa Catarina, vítima de estupro, e o fato da Justiça não lhe assegurar o direito ao aborto, previsto em lei. "Mimada", "sem noção" e "você não é mãe" foram os termos usados em vez de argumentos para debater o tema.
Na mesma época, a vereadora da Serra Raphaela Moraes (Rede) foi chamada de "oportunista" e "hipócrita" por Pablo Muribeca (Podemos) após relatar uma situação experimentada em uma unidade de saúde do município.
Autora do projeto que deu origem à lei, sancionada nesta semana pelo governador Renato Casagrande (PSB), a deputada estadual Iriny Lopes (PT) disse que não houve um caso pontual que a tivesse motivado a propor a criação do estatuto, mas as reiteradas manifestações do público feminino com o qual mantém contato em seu mandato.
"Nas reuniões de grupos de mulheres de que participo, sempre a mesma discussão: são mulheres vítimas de perseguição política; são aquelas que querem entrar na vida política e não conseguem, porque não dão espaço; são as detentoras de mandatos intimidadas. Tem vereadora no interior que nem sequer faz denúncia, dada a perseguição que existe", aponta Iriny.
Perguntada se houve um agravamento na situação ou se, no momento, está havendo mais denúncias, a deputada responde sim às duas questões. Para ela, há um recrudescimento dos casos, ao mesmo tempo em que mais mulheres decidem tornar público o abuso sofrido.
Após aprovação da Assembleia Legislativa e sanção do governador, o estatuto torna-se mais um instrumento de combate à violência política de gênero, na avaliação da vice-governadora Jacqueline Moraes (PSB) — ela mesma vítima recorrente de ataques.
"O estatuto deu uma completude à lei federal (14.192/21), que foi criada, mas não teve regulamentação. Muito importante que esse debate tenha sido levado para a Assembleia. Agora, com a sanção, mostra que também é a posição do governo, que com certeza vai ter reflexo nos municípios."
A nova lei passou a valer nesta segunda-feira (25). Além de se propor a conter comportamentos violentos que afetam as mulheres no exercício de atividade parlamentar e de funções públicas, pretende ainda assegurar os direitos políticos delas e desenvolver iniciativas para erradicar o assédio e a violência política. Para aplicação da legislação, serão adotadas as seguintes definições:
A caracterização da violência pode anular atos praticados por mulheres nessas condições, segundo o estatuto, e um procedimento administrativo deve ser aberto para responsabilização do autor. As denúncias podem ser apresentadas pela vítima, familiares ou outras pessoas, desde que observados o desejo e a anuência da mulher denunciante em todo o processo.
De acordo com informações da comunicação do governo do Estado, a lei é autoaplicável e não carece de regulamentação, pois contém todos os quesitos necessários para sua efetivação. "Eventuais infrações serão apuradas em Procedimentos Administrativos Disciplinares, na forma já regulamentada pelos entes públicos (Assembleia Legislativa e Câmaras Municipais)", diz a nota.
Juliane de Araújo Barroso, subsecretária estadual de Políticas para Mulheres, observa que o estatuto foi consolidado de maneira mais detalhada do que a lei federal, apontando situações corriqueiras, algumas até mesmo normalizadas, por que passam as mulheres no cenário público e político.
Em sua opinião, a nova lei é um avanço ao que já havia sido estabelecido em âmbito federal, e ela defende que os gestores se apropriem desse conhecimento para definir as medidas que precisam ser adotadas em caso de assédio e violência em seus espaços. "Para que seja possível apurar da melhor forma e, conforme o resultado, definir as sanções." Juliane Barroso diz ainda que a gestão precisa criar alternativas para coibir a prática violenta contra as mulheres e também promover ações educativas para disseminar a cultura da não-violência.
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