A forma de cálculo utilizada pelo governo do Espírito Santo desde 2009 para atingir a aplicação de 25% da receita em educação, incluindo na conta as despesas com aposentados e pensionistas da área, terá que mudar a partir de 2021.
O texto do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), promulgado pelo Congresso Nacional nesta quarta-feira (26), incluiu uma nova norma na Constituição Federal, proibindo expressamente o uso dos recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino para pagamento de inativos.
Em 2019, segundo o parecer do Tribunal de Contas do Estado (TCES) sobre as contas do governo, R$ 783,1 milhões das despesas com aposentados e pensionistas foram incluídas nos gastos com educação no Espírito Santo. Assim, o Estado atingiu o percentual de 27,8% da receita destinada ao ensino. Mas se o gasto com inativos não estivesse somado aos demais aportes na área, o Estado teria aplicado somente 20,91%, abaixo do índice obrigatório estabelecido na Constituição. Com a mudança, esses recursos terão que ser realocados no orçamento e o caixa da educação terá que ser compensado.
De acordo com o Ministério Público de Contas (MPC) esta prática, iniciada em 2009, prejudicou o cumprimento dos 25% em educação desde 2011. O tema foi apontado como um dos riscos às contas de governo no TCES, pois há uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), iniciada após representação do deputado Sergio Majeski (PSB), questionando esta forma de cálculo, com o pedido para que ela fosse proibida. Este ano, o STF já decidiu contrariamente à prática, em ações envolvendo os Estados de Alagoas e de São Paulo.
A base legal utilizada pelo governo até agora foi uma resolução de 2012 do Tribunal de Contas, que autoriza a medida. No STF o questionamento é se a norma é ou não inconstitucional. Em sua defesa, o governo do Estado alega a validade desta resolução e também que não há vedação na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que é a que estipula o que entra na conta dos gastos com educação.
O novo Fundeb passará a ter validade e produzir efeitos financeiros a partir de 1º de janeiro de 2021, quando todos os Estados e municípios deverão seguir a determinação constitucional.
Segundo o governo do Estado, ainda não é possível apresentar quais serão as medidas tomadas para compensar esta mudança na lei, que afeta dois tipos de gastos obrigatórios. Na prática, significa que vai entrar mais dinheiro para a área da educação, que poderão ser gastos em investimentos e pagamentos de professores, e que outros recursos terão que ser realocados para custear o pagamento dos aposentados e pensionistas.
O secretário de Estado da Fazenda, Rogelio Pegoretti, admitiu que a lei provocará, a parti do ano que vem, uma mudança substancial nas contas e afirmou que o Executivo criou um grupo de trabalho envolvendo as pastas da Educação, Fazenda e Planejamento, para avaliar o que será modificado no orçamento de 2021, cujo projeto de lei precisa ser encaminhado à Assembleia Legislativa até 30 de setembro.
"A execução do orçamento e a preocupação com o equilíbrio fiscal é uma constante para o Estado. Será uma questão de realocar, revisar programas e ações do governo. Vários estudos estão sendo feitos sobre como poderemos nos reajustar para atuar nessa nova configuração. O governo está preparado", disse.
Com a mudança diretamente na Constituição, a ação de inconstitucionalidade a que o Estado responde no STF possivelmente será extinta por perder o objeto, segundo o procurador-geral do Estado, Rodrigo de Paula.
Ele explica que antes já havia uma proibição, na lei federal, de utilizar os recursos transferidos pelo Fundeb para pagamento de aposentados. No entanto, não havia proibição expressa na lei em relação a outras transferências, como as do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e quanto a recursos do caixa do Tesouro Estadual.
Agora, a proibição vale para a utilização de qualquer tipo de fonte financeira.
"Na prática, quando a lei passar a valer, a resolução do Tribunal de Contas perderá a validade, pois contrariará a Constituição. Mas significa que o Estado não estava errado, pois se já estivesse proibido, não precisaria incluir nova regra na Constituição. A mudança agora foi uma opção política, aprovada pelo Congresso, e que vamos adotar", garantiu.
O procurador-geral do Ministério Público de Contas, Luis Henrique Anastácio da Silva, avaliou que a mudança traz segurança jurídica e é uma grande evolução para a área da educação, pois aumenta sobremaneira o financiamento para a educação básica.
"O Fundeb é um dos mais importantes instrumentos de financiamento e sustentação da educação básica. Mesmo com sua criação em 2006, sempre houve um subfinanciamento de recursos para a educação básica, o que fica claro com a aprovação da emenda constitucional. A possibilidade de cômputo dos inativos como despesa da educação agravou de forma significativa o subfinanciamento, que já era grande, e impactou todos os aspectos referentes à educação básica", afirmou.
O Ministério Público de Contas apresentou quanto representaram as despesas com aposentados e pensionistas incluídas nos gastos em educação no Espírito Santo, desde 2009, quando a prática foi iniciada, com base nos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária do governo. Os valores não correspondem exatamente ao total que deixou de ser investido em educação, pois em alguns casos o Estado ultrapassou o percentual de 25% da receita.
O relator do Fundeb no Senado, senador Flávio Arns (Rede), justificou a necessidade de alteração da norma em todo o país. "Alguns entes federativos contabilizam para o cumprimento dessa meta constitucional gastos previdenciários com profissionais da educação aposentados. Estima-se que, anualmente, são retirados cerca de R$ 20 bilhões da educação por causa do referido artifício contábil, valor suficiente para financiar mais de 4 milhões de matrículas em tempo integral", apontou, em seu relatório.
Ele ressaltou que a regra proposta representa o entendimento sobre o assunto que vem sendo consolidado nas decisões e orientações do STF, Tribunal de Contas da União, Secretaria do Tesouro Nacional, tribunais de contas e de outros órgãos públicos, além de expressar uma demanda social importante pela garantia de que os recursos vinculados à educação sejam utilizados exclusivamente nessa área.
"Caso não fosse adotada tal prática, os Estados e o DF poderiam universalizar o ensino fundamental e o médio, em tempo integral, alcançando as metas previstas no Plano Nacional de Educação para essas etapas da educação básica. Ademais, remanesceriam vultosos recursos para investimentos em outras áreas da MDE (Manutenção e Desenvolvimento do Ensino), como a infraestrutura de creches e escolas, que tanto precisam de investimentos", afirma.
O novo Fundeb também estabelece que pelo menos 70% do fundo sejam usados para o pagamento de salários de profissionais da educação. Hoje, o percentual é de 60%, mas se refere apenas aos salários de professores.
Haverá também a ampliação da participação da União no Fundeb dos atuais 10% para 23%, de forma gradual: em 2021 começará com 12%; passando para 15% em 2022; 17% em 2023; 19% em 2024; 21% em 2025; e 23% de 2026 em diante.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta