Com um investimento de mais de R$ 592 milhões já realizado, os capixabas ainda aguardam a entrega de 290 obras do governo estadual ou de prefeituras que estão há pelo menos 90 dias paralisadas no Espírito Santo. Segundo um relatório do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES), divulgado nesta quinta-feira (6), há obras iniciadas em 2008, há 13 anos, que ainda não foram terminadas nem há previsão para conclusão.
De acordo com o estudo realizado pela Corte de Contas, com dados coletados até outubro de 2020, há, entre as 290 obras, 18 que foram iniciadas há mais de dez anos e estão paradas há pelo menos cinco. Duas delas estão sem qualquer movimentação há mais de uma década. Do total identificado, 219 obras são de iniciativa das prefeituras municipais, 67 do governo estadual, além de quatro projetos do Ministério Público do Espírito Santo (MPES). Somando os recursos previstos para esses empreendimentos, o investimento ultrapassa R$ 1,2 bilhão. Veja lista no final do texto.
O agravante é que das 290 obras identificadas, 167 nem sequer possuem algum tipo de planejamento para serem retomadas, segundo os próprios órgãos responsáveis. O objetivo do levantamento foi justamente promover um alerta para que os gestores, principalmente os prefeitos que iniciaram mandato em 2021, pensem duas vezes antes de iniciar um novo projeto, deixando para trás uma obra paralisada.
De acordo com a coordenadora do Núcleo de Controle Externo de Edificações do TCES, Flávia Holz, quanto mais tempo um projeto permanece paralisado, maior a degradação dos materiais e a possibilidade de que o recurso investido seja perdido.
"Para uma obra ser retomada, é preciso uma análise técnica profunda e sincera para saber se vale a pena ser retomada, já que em alguns casos o prejuízo pode ser maior do que recomeçar um novo projeto. Muitas vezes, a retomada se torna inviável. O estudo tem como objetivo trazer esse alerta para que os gestores pensem como trazer essa obra de volta para a população", explicou.
O maior símbolo das obras do levantamento é o Cais das Artes, que é o projeto com o contrato de maior valor: R$ 127,3 milhões. A obra, que teve início em abril de 2010, foi paralisada em junho de 2012 por incapacidade técnica da empresa contratada. Em maio de 2013, a execução do projeto foi retomada, com uma nova construtora, mas foi suspensa novamente em maio de 2017. Atualmente, a obra está embargada pela Justiça, em ação movida pela primeira empresa contratada. O governo estadual tenta um acordo para reiniciar a construção.
Foram identificados 29 contratos de obras consideradas de grande porte, acima de R$ 10 milhões de investimento previsto, que estão paralisadas. Dessas, quatro são de iniciativa das prefeituras de Presidente Kennedy, São Mateus e Vitória (com duas neste ranking). As outras são de responsabilidade do governo estadual.
A prefeitura da Capital do Estado e a de Cariacica são as que contam com mais obras paradas, 25 cada uma.
São obras como a urbanização da poligonal 2 (que inclui os bairros do Romão, Forte São João, Cruzamento e Alto Jucutuquara), em Vitória, no valor de R$ 29,7 milhões contratados, mas que já atingiu um total de R$ 46,7 milhões, sem que tenha sido totalmente entregue. Os trabalhos são de responsabilidade do município.
É a obra mais antiga do levantamento, iniciada em junho de 2008 e paralisada em julho de 2016. Ao TCES, a prefeitura respondeu que a paralisação se deve a "alterações contratuais com reflexos no limite do percentual de aditivos".
Já em Cariacica, a obra de maior valor é a pavimentação das regiões 2, 3 e 10 de Cariacica (que envolvem o entorno do Moxuara, Itacibá e Piranema). O investimento previsto era de R$ 4,1 milhões, mas já atinge R$ 4,2 milhões gastos sem a entrega do que foi prometido. O início das obras foi em agosto de 2012, com paralisação em 2017. A justificativa dada pela prefeitura ao TCES foi de que houve "atrasos no repasse de recursos".
Em Vitória, das 25 obras paradas, 13 projetos possuem planejamento para serem reiniciados, enquanto das 25 descontinuadas em Cariacica, apenas cinco contam com essa perspectiva, conforme o levantamento do TCES.
Entre as obras estaduais, a maior parte trata-se de projetos de infraestrutura e transporte, com 33 iniciativas de responsabilidade do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-ES), o que representa 46% do total de projetos parados. Em termos de recursos, as obras dessa categoria representam 80% do valor contratado, o que corresponde a R$ 653 milhões.
Outra parte significativa de projetos não entregues está sob a responsabilidade da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), com 14 obras inacabadas e suspensas (19,72% do total). A maior parte é de itens previstos nos programas de construções de barragens e o Caminhos do Campo, para abertura e melhoria de estradas na zona rural.
O levantamento realizado é o primeiro do TCES que inclui entre os itens observados os motivos que levaram à paralisação das obras. Entre os itens mais citados estão "abandono da obra pela contratada", "questões técnicas que vieram a ser conhecidas somente após a licitação", "contingenciamento de recursos próprios", "dificuldade de execução conforme previsto em projeto" e "incapacidade técnica da contratada".
O relator do levantamento, o conselheiro do TCES Sérgio Borges, concluiu que os motivos elencados levam a crer que as paralisações poderiam ser evitadas se os gestores tivessem realizado um planejamento mais adequado antes de iniciar as construções.
"Chama a atenção o fato de que grande parte destes motivos revela deficiências anteriores ao próprio início da obra que, ao final, repercutem no cronograma de execução. Em linhas gerais, todas essas situações poderiam ser evitadas a partir de um melhor estudo do objeto a ser contratado e das características do projeto", escreveu.
Como o levantamento tem caráter orientativo para o TCES, o próximo passo do Tribunal será avaliar como ajudar os gestores em atividade a evitar que este número de obras paradas aumente. A coordenadora do estudo, Flávia Holz, destaca que os responsáveis pela obra podem ser punidos caso se constate alguma negligência culposa ou dolosa por parte deles ao conduzir o projeto.
"Passamos agora por uma fase de detalhar a situação do Estado. Nosso maior objetivo é fazer com que a população tenha esse retorno do que ela já investiu, que as obras sejam concluídas, mas pode haver, futuramente, punições. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) prevê a responsabilização caso os gestores iniciem uma nova despesa sem finalizar um gasto que já havia sido aberto anteriormente", explicou.
Em 2021, após o período dos dados compilados pelo TCES – que vão até outubro de 2020 –, algumas obras foram retomadas. É o caso das intervenções na infraestrutura e saneamento da Poligonal 1, em Vitória (que abrange os bairros Bonfim, Penha, Jaburu, São Benedito e Itararé). O empreendimento estava desde 2015 parado e foi reiniciado em fevereiro deste ano. O investimento de R$ 16 milhões, segundo a Prefeitura de Vitória, foi reprogramado após um acordo entre a Caixa Econômica Federal e o município.
Também foi retomada, em março deste ano, a construção da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Paulo Reglus Neves Freire, em Inhanguetá. A obra foi iniciada em 2011, mas estava parada desde 2015. O investimento é de R$ 4,6 milhões. Já sobre as obras da Poligonal 2, na Capital, que são o contrato mais antigo do levantamento, a Prefeitura de Vitória alega que o empreendimento foi concluído em 2016, apesar de constar como um dos projetos que foram paralisados, segundo o TCES.
O levantamento do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCES) sobre obras paradas contém dados referentes ao período até outubro de 2020, nos quais a reportagem se baseia. Após a publicação deste texto, a Prefeitura de Vitória entrou em contato para informar que algumas obras citadas no estudo foram retomadas em 2021. A reportagem foi atualizada para incluir o estágio atual dessas obras.
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