Após A Gazeta mostrar que as atividades de campanha das eleições municipais no Espírito Santo têm contrariado o decreto estadual que proíbe comícios e passeatas em todo território capixaba e as recomendações sanitárias do combate à pandemia de Covid-19, estabeleceu-se, por parte das autoridades, um jogo de empurra sobre a quem cabe coibir os atos.
A reportagem procurou o governo do Estado, prefeituras da Grande Vitória, a Secretaria de Estado de Saúde (Sesa), o Ministério Público Estadual e o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES) para entender: se existe uma proibição, a quem, na prática, cabe a fiscalização?
Na quarta-feira (28), a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) havia dito para A Gazeta que a fiscalização seria de competência dos Poderes Executivos municipais e estadual (ou seja, prefeituras e o próprio governo estadual) e da Justiça Eleitoral.
Em coletiva de imprensa nesta sexta-feira (30), o secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, anunciou que o governo vai recomendar ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES) que outros Poderes 'se envolvam'". Vai pedir que a Justiça Eleitoral também proíba as atividades.
O anúncio veio em um momento em que ao menos seis políticos do Estado, que estiveram presentes em ações de campanha nestas eleições, a maioria na Grande Vitória, foram diagnosticados com a Covid-19. Um outro segue em isolamento aguardando o resultado do exame.
Acontece que, mesmo sem a determinação do TRE, o decreto do governador é uma norma e já está valendo. Um especialista procurado por A Gazeta garantiu que não há proibição legal nenhuma para que o Estado atue no cumprimento de um decreto em vigor, mesmo que seja em atividades eleitorais. Assim como o TRE pode usar a força policial, a polícia já poderia, e deveria, estar agindo no cumprimento do decreto, avaliou.
Em Ecoporanga, única cidade em risco moderado de contágio no mapa de risco elaborado pelo governo (o restante está em risco baixo), a polícia agiu com base em uma portaria de um juiz eleitoral. Na portaria, no entanto, o juiz se baseia exatamente no decreto do governador para justificar a decisão de proibir eventos públicos. Na ocasião, a vice-governadora do Estado, Jaqueline Moraes (PSB), teve que interromper a participação em uma ação de campanha candidato do partido no município.
Diante do anúncio do secretário de Saúde, procuramos novamente o governo para saber o que poderia ser feito para evitar as aglomerações. Questionamos, também, por que a saída escolhida foi a de apelar para a Justiça Eleitoral. Até a publicação deste texto, no entanto, não tivemos respostas.
Alguns eventos, como um na Capital na última segunda-feira (26), chegam a abrigar milhares de pessoas. Nesse caso, 2 mil. Entre os presentes estavam deputados, o prefeito de Vitória, Luciano Rezende (Cidadania), e secretários do governo estadual. Pelo menos três dos políticos que estiveram por lá foram diagnosticados com coronavírus nos dias seguintes.
O cenário já poderia ser esperado, considerando que desde as convenções partidárias os partidos pareciam não priorizar a prevenção, realizando eventos em locais sem ventilação e com centenas de pessoas aglomeradas. No mês passado, o promotor de Justiça que coordena o Centro de Apoio Operacional Eleitoral do Ministério Público Estadual, Cláudio José Ribeiro Lemos, disse para A Gazeta que as regras sanitárias se sobrepõem às regras eleitorais. Tudo que é permitido no direito eleitoral fica sujeito à permissão dos decretos estaduais e municipais de regras sanitárias, disse, na ocasião.
O procurador-geral de Justiça do MP do Ceará, por exemplo, manifestou-se a favor de pedidos de cassação de chapas que insistirem em realizar aglomerações durante a campanha eleitoral. O MPES voltou a ser procurado nesta sexta-feira (30). Questionamos se existe um posicionamento da instituição a respeito do tema, mas não tivemos respostas até a publicação deste texto.
O TRE pode agir mediante a provocação dos promotores de Justiça Eleitoral, que têm atuado em processos envolvendo as candidaturas e todo o pleito. Até o momento, o posicionamento da Corte é o de que adotou integralmente o protocolo sanitário aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as eleições. Um dos pontos do protocolo seria a recomendação para que se evite reuniões públicas e comícios. O protocolo, no entanto, foi elaborado para todo o Brasil, não considerando as regras determinadas em cada Estado.
Sobre o pedido do governo, informou, apenas, que não recebeu nenhuma comunicação da Secretaria de Estado da Saúde. Assim que receber, o Tribunal fará a análise do pedido.
Como as prefeituras foram apontadas pela Secretaria de Estado da Saúde como um dos competentes para realizar a fiscalização, procuramos as administrações de municípios da Grande Vitória, palco de alguns dos maiores eventos, para saber se há uma ação para dispersar as aglomerações.
A maioria afirma que só pode agir diante de denúncias, mesmo os eventos sendo públicos e divulgados nas redes sociais dos próprios candidatos. A prefeitura de Cariacica afirmou que não registrou denúncias de aglomerações durante o período eleitoral e a de Vila Velha susta que em geral, os partidos e as coligações têm respeitado o limite máximo de até 300 pessoas por evento.
Pelo menos dois candidatos a prefeito de Cariacica, que têm registros em campanha de rua, tiveram os sintomas da doença. Sandro Locutor (PROS) chegou a ficar na UTI por uma semana e teve alta hospitalar nesta sexta-feira (30), 10 dias após a internação. Subtente Assis (PTB) está em casa, isolado, aguardando o resultado do exame. O prefeito de Vila Velha, Max Filho, candidato à reeleição, também teve o diagnóstico confirmado.
Já a prefeitura de Vitória afirma que não cabe a ela a fiscalização de eventos políticos partidários, contrariando o que disse a Secretaria de Estado da Saúde. A prefeitura afirma que cabe ao município a fiscalização de atividades econômicas, como funcionamento de bares e restaurantes e ao poder Judiciário a fiscalização dos eventos eleitorais.
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