Pelos próximos quatro anos, apenas duas cidades do Espírito Santo serão comandadas por mulheres: São Domingos do Norte, que reelegeu a prefeita Ana Malacarne (MDB) e Montanha, onde quem assume o cargo é Iracy Baltar (Podemos). As duas mais votadas nos respectivos municípios representam apenas 2,63% do total de escolhidos para comandar os Executivos municipais capixabas. Esta é, em comparação com os outros estados brasileiros, a menor proporção de mulheres eleitas para assumir prefeituras.
Em todo o país, 86,8% dos que conquistaram o cargo de prefeito no primeiro turno são homens e apenas 13,2% são mulheres. Ou seja, a proporção capixaba, além de ser a pior em termos de representação da sociedade — de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 52% do eleitorado do Estado é feminino — também está muito abaixo da média nacional: são quase 10,6 pontos percentuais a menos.
Considerando que dois dos 78 municípios ainda não definiram o pleito — na Serra será disputado o segundo turno, no próximo dia 27, entre Weverson Meireles, do PDT e Pablo Muribeca, do Republicanos; e em Presidente Kennedy a decisão está sub judice — é possível afirmar que essa proporção de mulheres eleitas será, ao fim do processo eleitoral, ainda menor, podendo chegar a 2,56%.
A taxa de vencedoras acompanha a proporção de candidatas no Estado — que, igualmente, foi a menor do Brasil. Neste ano, foram 19 candidaturas femininas (6,86%) frente a 258 masculinas. Isso significa que as mulheres que tiveram sucesso são 10,5% daquelas que participaram da corrida eleitoral majoritária.
De acordo com a pesquisadora e diretora do Instituto Alziras (organização social sem fins lucrativos que estuda a presença feminina na política e na gestão pública) Michelle Ferreti, os dados são críticos não só para a democracia, visto que a maior parte da sociedade está sub-representada nos espaços que gerenciam a vida pública, mas para a própria população, que é afetada pela falta de olhares diversos.
“O que a gente vê é que, em geral, nas prefeituras governadas por mulheres, há uma cobertura maior dos serviços básicos, de atenção às famílias e que dizem respeito à sociedade como um todo. Há uma maior redução de mortalidade infantil, especialmente na primeira infância, em prefeituras onde as mulheres estão no comando, por exemplo”, evidencia a pesquisadora.
A prefeita eleita Iracy Baltar, que vai assumir o terceiro mandato (ela foi eleita em 2008 e em 2016), em entrevista à rádio CBN Vitória, avaliou a situação capixaba. Para ela, a baixa presença feminina nos espaços de poder não diz respeito ao Estado em si, mas à violência de gênero “que vem, ao longo da história, silenciando as mulheres”. “E a violência política de gênero, além de silenciar, afasta e vai tomando um espaço maior do que deveria”, afirmou.
Ao todo, das 3.320 candidatas aos três cargos eletivos em disputa neste pleito (vereador, vice-prefeito e prefeito), apenas 116 foram eleitas, sendo, além das duas prefeitas, sete vices e 107 vereadoras, que correspondem a 9,21% e 12,3% do total, respectivamente. Separadamente, os índices também são os piores do Brasil, exceto o de vereadoras. Neste caso, o Rio de Janeiro foi o estado que elegeu menos mulheres: apenas 9,7%.
Para Ferreti, o que explica o baixo índice de sucesso eleitoral das mulheres no país todo é justamente as desigualdades que as candidatas enfrentam para poder participar da disputa. “Desde acesso desigual a recursos financeiros para fazer as campanhas, visibilidade menor no tempo de propaganda eleitoral gratuita em rádio e TV, com aparições concentradas nos horários de menor audiência e nos dias iniciais da campanha, até os próprios partidos que têm, em geral, uma taxa muito baixa de mulheres nos espaços de decisão. Tudo isso impacta a disputa eleitoral”, argumenta a especialista.
Além disso, para a pesquisadora, a dinâmica nos espaços de poder é muito mais custosa para as mulheres, que têm que lidar com a violência política de gênero mesmo após serem eleitas.
“Tem uma construção histórica que naturaliza a presença masculina nos espaços políticos e que faz com que as mulheres precisem constantemente se provar para poder ocupar esses espaços também”.
Além da falta de representatividade da maior parte da população brasileira, o próprio grupo feminino nos espaços de poder e tomada de decisão não corresponde fielmente à realidade capixaba.
No Espírito Santo, as mulheres negras (pretas e pardas) são 60,15% do total da população, de acordo com o Censo 2022 do IBGE, mas apenas 34,5% das que conquistaram os cargos disputados: das vencedoras, apenas 40 são negras, das quais 38 se elegeram vereadoras e 2 vice-prefeitas.
Representar na política a heterogeneidade das mulheres, que são diferentes entre si e conhecem realidades distintas a depender de onde moram, como são e o que fazem, é, segundo Ferreti, essencial. “O grupo é plural: estamos falando de mulheres negras, indígenas, periféricas, LGBTQIAPN+. Há uma diversidade de mulheres que precisa ser levada em consideração, porque a diversidade enriquece a democracia”.
Por isso, a pesquisadora ressalta a importância da existência de políticas públicas de incentivo às candidaturas femininas e das exigências legais — como a cota de gênero, que determina que ao menos 30% das candidaturas aos cargos proporcionais de um partido sejam reservadas a mulheres.
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