A Delegacia de Repressão a Crimes Eletrônicos encontrou dois responsáveis por criar perfis apócrifos no Facebook para publicar informações falsas contra o deputado estadual Sergio Majeski (PSB). Em depoimento à polícia, ambos disseram que agiram sob orientação de Renzo Colnago, que foi presidente da Prodest (Instituto de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Espirito Santo) na gestão passada. Ele diz que as declarações são inverídicas. O inquérito, ao qual o Gazeta Online teve acesso, foi concluído no fim do mês passado.
As publicações na rede social surgiram em maio de 2017. Uma foto do parlamentar, com as logomarcas do mandato, atribuía a ele uma frase que jamais disse: "Quero acabar com a doutrinação cristã. Meu projeto é proibir o uso da Bíblia sagrada. Só assim conseguiremos construir um Estado com educação". Majeski procurou a Polícia Civil no dia seguinte à publicação do conteúdo em grupos públicos no Facebook, alegando-se vítima de difamação.
Criados também em maio daquele ano, os perfis, que continuam no ar, são facilmente identificáveis como falsos. Um deles, identificado como Ricardo Sobral Ferreira, publicou a imagem no grupo Utilidade Capixaba. Uma busca reversa (procura pela imagem nos buscadores de internet) revela que a foto usada como imagem do perfil está em bancos de imagens, pelo menos desde 2016.
A frase inverídica também não era nova. O ex-presidente da República Michel Temer (MDB) foi alvo de boatos semelhantes em 2016 e 2017. Na segunda vez, a falsa declaração atribuída ao emedebista foi desmentida pouco antes de os perfis falsos fazerem a publicação contra Majeski, em meados de maio.
QUEBRA DE SIGILO
A identificação dos responsáveis pelos perfis falsos se deu após quebras de sigilos cadastrais e de conexões de internet, autorizadas pela Justiça, junto ao Facebook e a companhias telefônicas. A partir dos logs (registros) de acessos e de endereços de IP (protocolo de comunicação com a internet) relacionados à criação e ao acesso aos perfis, a polícia chegou aos supostos responsáveis.
Descobriu-se até que a rede Wi-Fi aberta de uma academia em Vitória foi usada "para a prática do delito". A data e a hora do acesso a um dos perfis era compatível com o horário de chegada de uma das alunas, a publicitária Lorena Covre Malta, de 29 anos, que já havia sido identificada na quebra do sigilo dos dados de conexão de internet.
Em seguida, a polícia passou para a colheita de depoimentos. Em novembro de 2017, Lorena foi ouvida pela polícia, confirmou ter lançado o conteúdo falso na internet e disse que fez a publicação a pedido de Renzo Colnago. Especialista em gestão de mídias sociais, ela disse que aceitou a tarefa voluntariamente, sem remuneração, porque já trabalhara com Renzo.
"O objetivo era atingir o maior número de pessoas e, após a criação dos perfis, entrava em grupos do Facebook e publicava o arquivo", disse, no depoimento. Não foi detalhada a quantidade de grupos que receberam o material falso ou o alcance deles.
Já em abril de 2018, foi a vez de o consultor de marketing Igor Gabrielli Rosa, 29, dar explicações à polícia. Citado no depoimento de Lorena como quem também pediu a publicação e identificado nas apurações técnicas dos policiais, disse aos investigadores que recebeu de Renzo Colnago o conteúdo falso e o enviou para Lorena publicá-lo. Disse também que o ex-gestor da Prodest tinha a senha de acesso aos perfis fake.
Igor contou que foi chamado para trabalhar com Renzo no início de 2017. O serviço seria gerenciar uma equipe para monitoramento de perfis em redes sociais que "atingem, de alguma forma, a gestão do governo". Igor disse que tinha atividades diárias. Precisava mandar pelo menos "dez ocorrências positivas, vasculhar sistemas, páginas e grupos, criar índices de pessoas positivas e negativas, verificar diariamente todo o escalão do governo, criar conteúdos para os perfis e publicar comentários". Apesar da gama de tarefas, o trabalho era voluntário, segundo Renzo Colnago em depoimento.
As conversas de ambos se davam por meio do Threema, um aplicativo de mensagens instantâneas criptografado. Igor disse que tinha as conversas salvas e que poderia apresentá-las. Quando elas foram solicitadas pela polícia, porém, disse que não mais as possuía.
Igor e Lorena relataram uma reunião do trio em um restaurante de Vitória. "Nessa reunião, ficou acordado que eu gerenciaria Lorena no monitoramento de perfis e coordenaria o que seria feito para minimizar as informações negativas publicadas em redes sociais", disse Igor.
RENZO COLNAGO
Em julho de 2017, dois meses após a abertura do inquérito, Renzo Colnago deixou a Prodest. Tornou-se assessor especial da Secretaria de Gestão e Recursos Humanos e permaneceu até dezembro do mesmo ano.
Há pouco mais de duas semanas, no dia 25 de fevereiro deste ano, foi a vez de Renzo Colnago prestar depoimento. Confirmou conhecer Igor e Lorena, confirmou buscá-los para desenvolver projetos de divulgação de ações positivas da gestão de Paulo Hartung (sem partido), mas negou ter determinado a publicação de conteúdo falso.
"Não ficaram especificados parâmetros de coordenação dessas atividades, tais como confecção de relatórios mensais ou semanais, e a quem seriam repassadas essas informações. De igual modo, não foi definido quem seria o coordenador das ações de monitoramento, haja vista que se tratavam de ações por voluntariado. Não contratei quaisquer pessoas visando denegrir a imagem de terceiros", afirmou Renzo à polícia.
Questionado especificamente sobre os depoimentos de Lorena e Igor, que disseram que a publicação do conteúdo falso foi orientada por ele, Renzo Colnago disse que as declarações "são inverídicas".
OUTRO LADO
A reportagem procurou os três citados para que se manifestassem antes da publicação da reportagem. Na terça-feira, Igor Gabrielli tomou conhecimento do assunto, prometeu responder às perguntas mais tarde, mas não atendeu mais às ligações. Nesta quarta, também não deu retornos. Lorena Covre também foi localizada, mas não quis se manifestar.
Renzo Colnago disse apenas que não tinha mais nada a declarar a respeito do caso. "Já declarei no processo. Continuo negando. É um delírio, não tenho nada a declarar sobre isso." O advogado que acompanhou Renzo no depoimento, Jovacy Peter Filho, também reforçou que o ex-funcionário público negou qualquer participação em atos de difamação do parlamentar.
PRÓXIMOS PASSOS
Por se tratar de investigação de crime contra a honra, o inquérito foi concluído com sugestão de arquivamento ao Ministério Público Estadual (MPES). É que os Códigos Penal e Processual Penal estabelecem que, em casos como esse, cabe à vítima, de posse do relatório policial, acionar a Justiça e processar os envolvidos. Grosso modo, trata-se de um processo de interesse particular e, por isso, o Estado não conduz o caso à Justiça.
O delegado da Delegacia de Repressão a Crimes Eletrônicos, Brenno Andrade, explicou que a investigação foi necessária porque não se sabia quem eram os supostos autores da publicação considerada difamatória. Quando um cidadão busca a delegacia já com o agressor identificado, o boletim de ocorrência é registrado, mas há a orientação de se acionar diretamente à Justiça.
Ainda segundo o delegado, no caso de Renzo Colnago e dos dois outros citados, não há indiciamentos neste inquérito. "Em casos assim, nós damos conhecimento da investigação à vítima. E caso ela entenda ser necessário, a partir do momento que tem ciência do suposto autor do fato, tem prazo decadencial de seis meses para ajuizar ação penal privada", frisou o delegado.
Andrade destacou ainda que técnicas investigativas permitem identificar as pessoas por trás de perfis falsos. "Não existe crime perfeito. Não é porque ela está atrás da tela de um computador ou smartphone que vai ficar impune. No caso da ação penal privada, sempre cabe a vítima processar ou não", destacou.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta