Assassino do ex-governador Gerson Camata, o economista Marcos Venicio Moreira Andrade afirmou, em interrogatório, na quinta-feira (30), que não premeditou o crime e que saber que tirou a vida do ex-chefe tem sido "uma tortura diária".
"O presídio é muito duro, mas mais duro ainda é saber que tirei a vida dele", disse, de acordo com a transcrição das declarações prestadas por ele, à qual a reportagem do Gazeta Online teve acesso.
O interrogatório foi conduzido pelo juiz Felipe Bertrand Sardenberg Moulin, da 1ª Vara Criminal de Vitória, responsável pelo caso. Foi a primeira vez que ele prestou depoimento em Juízo.
Marcos Venicio, o Marquinho, deu um tiro em Gerson Camata no dia 26 de dezembro de 2018, perto de uma banca de revistas, na Praia do Canto, Vitória. O ex-governador morreu no local, aos 77 anos.
Assessor de Camata por cerca de 20 anos, Marquinho foi denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPES) pelo crime de homicídio qualificado por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima.
Para a acusação, o assassinato foi premeditado. Marcos Venicio rechaçou essa tese, disse que o encontro com o ex-govenador, no dia do crime, foi inesperado.
Em virtude de um processo judicial por danos morais movido por Camata, Marcos Venicio teve cerca de R$ 60 mil bloqueados pela Justiça. Foi esse tema que levou o acusado a abordar a vítima.
Ambos estavam rompidos desde 2009, quando Marquinho fez uma série de denúncias contra Camata. Elas foram publicadas pelo jornal O Globo, em 19 de abril daquele ano.
O ex-assessor relatava que funcionários eram obrigados a repassar parte dos salários ao, na época, senador. Também falava em recebimento de mesada de empreiteiras e notas fiscais falsas em campanha eleitoral.
A VERSÃO DO RÉU
Marquinho disse que estava armado porque pretendia regularizar o registro do armamento junto à Polícia Federal - apesar de a atualização do registro não exigir o transporte da arma.
Antes de ir à polícia, decidiu resolver trâmites relacionados às lojas comerciais que possui, relacionados a aluguel e pintura. As atividades tomaram mais tempo do que gostaria. Por isso, mudou de ideia naquele dia.
O réu contou que chegou a entrar em uma agência bancária na Reta da Penha. Ao lembrar que portava uma arma, deu meia volta e partiu para casa, a pé, pelas ruas Aleixo Netto e Chapot Presvot.
Encontrou um conhecido em uma padaria da Praia do Canto e permaneceu com ele. Em seguida, Gerson Camata passou por ele e acenou com a cabeça.
Marquinho contou que "correu" até Camata para conversar com ele. "Seria uma oportunidade única", destacou. Camata se negou. "A partir daí, o Marcos Venicio sacou a arma e efetuou um tiro aleatório", diz o documento.
Como Camata não desabou no exato momento do disparo, caminhando antes disso por alguns metros, Marquinho disse que não sabia nem se o tiro havia atingido o ex-governador.
Depois do crime, ele entrou no comércio de um conhecido, tomou um ansiolítico e permaneceu por lá até a chegada do deputado estadual Danilo Bahiense (PSL) - que ainda não havia tomado posse no cargo. Delegado, Bahiense conhecia o assassino e foi o responsável por levá-lo à delegacia e recolher a arma usada no crime.
XINGAMENTOS
Ainda segundo as informações que prestou à Justiça, Marquinho foi surpreendido com o bloqueio da conta no dia 25 de maio de 2018. A surpresa se deu porque o processo que tramitava no Espírito Santo, disse ele, já havia prescrito. O bloqueio se deu pela ação movida em Brasília.
O advogado de Marquinho teve um AVC e acabou perdendo prazo de recursos. Outro advogado tentou reverter o bloqueio, sem sucesso.
O assassino disse que nos quase dez anos em que os casos tramitaram na Justiça foi agredido verbalmente por Gerson Camata em alguns encontros casuais. "Vagabundo", "canalha" e "viadinho" teriam sido os termos usados. Os xingamentos o teriam levado a registrar ocorrência na polícia.
MIL E UMA UTILIDADES
A proximidade entre Marcos Venicio e Gerson Camata começou nos anos 1980. Ambos se conheceram nos Estados Unidos. Camata, na época governador do Espírito Santo, estava em viagem. Marquinho estudava no país e se preparava para voltar ao Brasil.
Segundo o relato do próprio Marcos Venicio, ele passou a trabalhar na campanha de Camata ao Senado. Destacou-se no comitê e logo passou a ganhar a confiança do núcleo mais próximo ao político. Calcula que tenha coordenado sete campanhas de Gerson e Rita Camata, esposa do ex-governador.
A relação era tão próxima que Marquinho era considerado alguém da família. Ele disse que tinha a chave da casa, na Ilha do Frade, e foi ele mesmo quem intermediou a compra do imóvel. Além disso, podia entrar e sair quando quisesse. Almoçava, jantava e passava Réveillon com os Camata.
"Passei a me dedicar 24 horas a Camata. Almoçava e jantava na casa dele. Participava não só da vida profissional, mas da social. Dirigia, fazia compras, levava cachorro ao petshop, filho pra escola. Ganhei o apelido de 'bombril'", disse.
O TRABALHO NO BANESTES
O rompimento teria se dado após Marcos Venicio perder o cargo de diretor da Banestes Seguros. No depoimento, ele não disse que ganhou o cargo, no primeiro governo Paulo Hartung, por influência de Camata. Relatou que foi convidado por pessoas do próprio Executivo.
Conforme a versão dele, não quis, uma vez no cargo, ser uma "rainha da Inglaterra" e começou a confrontar práticas antiéticas. Quis acabar com a influência de políticos na liberação de pagamentos de seguros e ser mais rigoroso com as oficinas mecânicas que prestavam serviço.
Ele atribui a demissão ao comportamento ético. Permaneceu no cargo entre 2003 e 2005. Após o desligamento, pediu a intervenção de Camata para voltar ao cargo. Disse que, a partir de então, o ex-governador lhe fechou as portas.
A partir disso, passou a enfrentar crises de depressão e ansiedade. Deixou Vitória por um ano e foi morar em Guarapari.
"Eu cuidaria do Camata depois de mais velho, o acompanharia e dirigiria para ele", afirmou no depoimento.
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