Um novo entendimento quanto ao fornecimento de dados da Receita Federal sobre o faturamento bruto das empresas tem dificultado a aplicação da Lei Anticorrupção no Espírito Santo, em outros cinco Estados e em uma Capital. Isso pode fazer com que empresas que cometerem atos ilícitos contra a administração pública deixem de ser punidas.
No Espírito Santo, que foi o primeiro a regulamentar a lei no país e o que mais abriu e concluiu processos de responsabilização sobre o envolvimento de empresas em fraudes em compras públicas, há pelo menos dez grandes processos administrativos em tramitação na Secretaria de Estado de Controle e Transparência (Secont) que correm risco de prescrição devido a essa falta de dados.
Segundo o secretário da pasta, Edmar Camata, a Receita Federal não tem informado os dados do faturamento bruto das empresas, alegando sigilo fiscal. Eles são necessários para o cálculo da multa prevista na Lei Anticorrupção, que é de até 20% do faturamento anual.
"No início, o órgão demorava para entregar esses dados, mas sempre forneceu. Agora, há cerca de três meses, parou de fornecer, dizendo estar impossibilitada de encaminhar as informações sem prévia manifestação judicial. Com isso, deixamos de aplicar as multas e os processos podem prescrever. Estamos falando de empresas que deveriam estar fora do mercado e deixando de contratar com o poder público", destaca.
O problema ocorre porque, ao proferir a decisão final do processo, a secretaria deve realizar o cálculo da multa. Conforme a Lei Anticorrupção, as infrações prescrevem em cinco anos, contados da data em que o órgão tomou ciência do fato.
As duas decisões mais recentes da Secont são de fevereiro de 2020. Em uma delas, foi aplicada uma multa de R$ 4,1 milhões a uma empresa de engenharia – a multa de maior valor a uma empresa com base nesta lei – por fraudar contratos administrativos para a construção de duas escolas técnicas, falsificando medições de execução física das obras com o objetivo de receber pagamentos por serviços que não haviam sido efetivamente realizados.
Na outra decisão, três empresas foram condenadas ao pagamento de multas administrativas que, somadas, ficaram em R$ 65,2 mil, por fraudar licitações para aquisição de produtos de higiene e limpeza para as unidades prisionais e administrativas.
Segundo levantamento feito pelo jornal "Folha de S. Paulo", o Espírito Santo, que regulamentou a Lei Anticorrupção desde 2014, já instaurou 81 processos administrativos desde então, com 40 deles já finalizados e que resultaram na aplicação de punição a 48 empresas, com multas que somam mais de R$ 11 milhões em recursos.
O governo de São Paulo e o de Mato Grosso do Sul são outros que têm passado pelas mesmas dificuldades. Em muitos casos, as empresas também não têm informado seus gastos nem o balanço financeiro e, sem os dados oficiais, há dificuldades para os órgãos de controle calcularem as multas.
Camata detalhou que já foi aberta uma tentativa de diálogo com o governo federal, mas o entendimento da Receita tem sido sedimentado em ofícios enviados. O Espírito Santo ainda pode judicializar a questão, levando-a ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
"O direito a esses dados está na lei. É inconcebível que qualquer órgão impeça acesso. Hoje, 70% dos órgãos que pedem essa informação têm o pedido negado. Mas a própria Lei Anticorrupção prevê que os dados deveriam ser compartilhados. Esperar que grandes operações de combate à corrupção aconteçam faz com que a solução demore muito a chegar, depois que o problema já tiver ocorrido", frisa.
A Receita Federal foi procurada pela reportagem de A Gazeta, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
Completando sete anos em vigor em janeiro deste ano, a Lei permite que União, Estados e municípios apurem denúncias de empresas envolvidas em fraudes de contratos públicos e punam, de forma severa, as companhias que cometerem atos ilícitos contra a administração pública.
Dos 27 Estados, 19 homologaram a lei e passaram a usá-la. Desse total, só em 15 Estados já foram abertos processos administrativos de responsabilização (PAR).
O Espírito Santo também regulamentou a possibilidade de celebração de acordos de leniência com empresas que praticarem atos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo.
A portaria determina que deve resultar dessa colaboração a identificação dos demais envolvidos na infração ou a obtenção célere de informações e documentos que comprovem a irregularidade sob apuração. Em contrapartida, as empresas que colaborarem poderão ter suas penalidades anuladas ou reduzidas.
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