A mudança do Ministério da Saúde na metodologia de contagem de óbitos e infectados pelo novo coronavírus, restringindo os dados sobre a pandemia de Covid-19, acendeu o alerta para quem busca acompanhar as atividades do Executivo. A medida está sendo considerada um retrocesso na transparência de dados e, para especialistas, aproxima o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de regimes autoritários, que restringem informações para a população, como Venezuela e Coreia do Norte.
Na nova versão do portal, o ministério omite informações sobre o total de mortos. Em vez disso, destaca os números das últimas 24 horas de casos recuperados, confirmados e óbitos. Além disso, se a pessoa morreu em um dia anterior, mas a causa da morte, por Covid-19, é confirmada nas últimas 24h, essa vítima não entra na estatística, diminuindo, portanto, o número.
Esta, contudo, não é a primeira vez que o governo de Bolsonaro dificulta o acesso a informações.
Após ser criticado por gastos mais elevados do cartão corporativo o presidente usa, em média R$ 709,6 mil mais do que a média de Michel Temer (MDB) e Dilma Rousseff (PT), seus antecessores o governo também atrasou a divulgação das novas faturas do cartão do presidente, pagas com recursos públicos. Até o início de junho, as contas de abril, geralmente publicadas no mês seguinte, não haviam sido divulgadas no portal da transparência.
Além disso, o governo também ampliou o sigilo de documentos solicitados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), colocando em segredo pareceres jurídicos emitidos pelos ministérios para orientar a presidência. Em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou uma medida provisória que permitia a prorrogação de prazos para o governo responder os questionamentos pela LAI, durante a pandemia.
A omissão de dados, principalmente sobre informações sobre a pandemia, coloca o Brasil ao lado de países como Venezuela e Coreia do Norte. A Venezuela, segundo agências internacionais, subestima o número de casos, enquanto a Coreia do Norte não os divulga. Para o cientista político Leandro Consentino, além de prejudicar a população, sem a informar sobre o cenário do país, a mudança de dados gera incerteza também entre investidores, que passam a ter dúvidas sobre injetar dinheiro no Brasil.
O fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco, aponta que a Controladoria Geral da União (CGU), órgão responsável por promover a transparência da gestão, em vez de cobrar mais clareza nas informações divulgadas tem se tornado um "puxadinho do presidente".
"Agora o sigilo é a regra e a informação, uma exceção. Na minha opinião, para evitar a completa desmoralização da CGU, os servidores precisam se manifestar. Tempos atrás, o órgão estava no rumo de conquistar sua independência, como uma agência de Estado, com mandato para o titular e maior autonomia. Agora está se tornando um puxadinho da presidência, a serviço da desinformação", criticou.
Consentino destaca ainda que a informação é um pilar fundamental para a democracia e que, sem saber o que se passa no país, o cidadão tem mais dificuldade para embasar suas decisões.
"Em uma pandemia, tudo o que você precisa é saber os dados de contágio para se prevenir e tomar decisões. Além de ser ruim para a democracia, no caso dos dados da pandemia, é danoso para a vida. Omitir informação não pode ser uma solução para uma questão governamental", afirma.
Na década de 1970, durante a presidência de Emílio Garrastazu Médici, o Brasil viveu uma epidemia de meningite, doença causada por vírus ou bactéria e que provoca a inflamação das meninges. A censura impedia que a imprensa divulgasse os números alarmantes da doença em São Paulo, o que levou ao avanço da contaminação em todo o país. Em 1975, após negar a gravidade da situação por alguns anos, o governo federal decidiu suspender aulas e cancelar eventos esportivos, para evitar o surgimento de novos casos.
Na Argentina, o presidente Maurício Macri suspendeu em 2016 as pesquisas de desemprego, após denúncias de adulteração nos resultados durante os governos kirchneristas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) condenou formalmente a ex-presidente Cristina Kirchner pela falta de transparência nos dados oficiais. Os dados só voltaram a ser divulgados em agosto daquele ano.
Em maio deste ano, a organização Human Rights Watch denunciou os números oficiais da pandemia do novo coronavírus na Venezuela e disse que os dados divulgados pelo governo de Nicolás Maduro eram falsos e absurdos. Em maio, a Venezuela contabilizava, segundo o governo, 10 mortes pela pandemia. Para pesquisadores, o número foi subestimado.
Em 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que a e então presidente Dilma Rousseff atrasou, sistematicamente, o pagamento de valores devidos aos bancos estatais, destinados a programas e benefícios sociais. A análise do órgão foi de que a ex-presidente teria feito isso para tentar maquiar o resultado deficitário das contas públicas, resultando nas chamadas pedaladas fiscais, o principal argumento que levou Dilma ao impeachment, em 2016.
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