Quatro vereadores de Aracruz e João Neiva tiveram os mandatos cassados pela Justiça Eleitoral por consequência da comprovação de fraude à cota de gênero praticadas pelos partidos que eles concorreram nas eleições de 2020. Foram condenados os vereadores eleitos pelo PTC (atual Agir) de Aracruz Carlinhos Mathias e Alichélio Lima, o Ceceu; e os vereadores de João Neiva Celso Guzzo, eleito pelo PSD, e Lucas Recla, eleito pelo PSL — atual União Brasil.
No caso de Aracruz, o Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES) negou mais um recurso dos vereadores eleitos pelo PTC/Agir Carlinhos Mathias e Ceceu, e confirmou a sentença de primeiro grau que reconheceu que a chapa do partido foi preenchida com candidaturas fictícias de mulheres para cumprir a exigência de legislação eleitoral de ter ao menos 30% e no máximo 70% de candidaturas por gênero.
A decisão do TRE-ES foi publicada na quarta-feira (30) e tem como relator o desembargador Namyr Carlos de Souza Filho. Em seu voto, ele esclareceu que o caso se encaixa no que prevê a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o reconhecimento da fraude à cota de gênero, pois a chapa lançada pelo PTC de Aracruz em 2020 foi composta por candidaturas fictícias de mulheres.
Entre as situações que resultaram na comprovação da fraude estão: a obtenção de votação zerada pelas candidatas, a prestação de contas sem a pertinente movimentação financeira, a ausência de atos efetivos de campanha eleitoral e a prática de campanha em benefício de outro candidato do mesmo partido.
O advogado Felipe Osório, que atua na defesa dos vereadores de Aracruz Ceceu e Mathias, afirmou que ainda está dentro do prazo para recurso e que ambos vão recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos próximos dias. Ele garantiu que os vereadores não deixam os mandatos até que haja uma decisão na Corte Superior.
Em relação à fraude à cota de gênero, o advogado diverge do posicionamento do TRE-ES. “Nós provamos nos autos que elas foram candidatas, que elas pediram voto. Infelizmente, as provas não foram completamente apreciadas”, alegou.
Em relação ao município de João Neiva, a sentença do juiz da 14ª Zona Eleitoral, Gustavo Mattedi Reggiani, reconheceu a ocorrência de candidaturas fictícias de mulheres nas chapas para o cargo de vereador lançadas pelo PSD e pelo PSL (União Brasil) de João Neiva em 2020. Ele determinou a anulação de todos os votos obtidos pelas chapas dos dois partidos e, por consequência, a cassação dos mandatos dos vereadores eleitos Celso Guzzo (PSD) e Lucas Recla (PSL).
O juiz eleitoral indeferiu a ação proposta pelo PV apenas em relação ao Podemos “por ausência de prova robusta e incontestável das fraudes”, conforme sentença publicada no Diário Eletrônico do TRE-ES desta sexta-feira (2).
Sobre a chapa do PSD, o juiz destacou que há provas incontestáveis de que quatro candidatas apenas compuseram a chapa para atingir o percentual mínimo de cota de gênero, pois tiveram votações ínfimas, não movimentaram recursos financeiros ou estimáveis, apresentaram prestações de contas quase idênticas e três dessas candidatas foram apresentadas pela legenda em vagas remanescentes somente depois de ser intimada pela Justiça Eleitoral por descumprimento do percentual de cota de gênero.
Outros fatores citados pelo magistrado eleitoral que seriam comprovação da fraude foram que duas dessas candidatas não tiveram nem os próprios votos e uma delas concorreu diretamente contra uma irmã ao mesmo cargo, sem que elas tivessem qualquer divergência ou rivalidade política.
“Com o reconhecimento da fraude nas quatro candidaturas acima apontadas, o PSD apresentou de fato apenas 12 postulantes à Câmara de João Neiva (excluídas do quantitativo as quatro laranjas), dos quais apenas duas mulheres, o percentual de candidaturas femininas representou apenas 16,67% do total de candidatos informados na respectiva chapa”, o que levou o juiz a revogar o registro da chapa e determinar a anulação dos votos dados a todos os candidatos do PSD em 2020. Por consequência, o único vereador eleito pelo PSD, Celso Guzzo, também terá o mandato cassado. Ele ainda pode recorrer da decisão.
A respeito da chapa lançada pelo extinto PSL, que se juntou com o DEM este ano para criar o União Brasil, o juiz eleitoral destacou a existência de uma candidatura feminina fictícia, sem a qual o percentual de candidaturas femininas apresentadas pelo partido representou 26,67%. A candidata não recebeu voto, nem o dela, não informou nenhum recurso em sua prestação de contas e ainda teve um documento apresentado à Justiça Eleitoral de suposta desistência sem a sua assinatura.
"Admitir que a desistência ocorreu só com a afirmação da candidata e de algumas testemunhas (inclusive pessoas que sequer a conhecem direito) seria desprezar por completo a norma que impõe percentual mínimo de vagas para cada gênero: bastaria aos partidos indicarem quaisquer candidatas desinteressadas pela disputa e, depois, dizerem que desistiram, sem desistir", enfatizou o juiz eleitoral.
Além da perda do mandato para os eleitos, uma das consequências do reconhecimento de fraude à cota de gênero é a aplicação de inelegibilidade por oito anos aos participantes da fraude, ou seja, as pessoas ficam impedidas de disputar eleição pelo período de oito anos.
Nesse caso de João Neiva, o juiz eleitoral declarou a inelegibilidade por oito anos de diversas pessoas que teriam participado das fraudes nas chapas do PSD e do PSL/União Brasil, entre as quais as candidatas consideradas laranjas, que "aceitaram a participação no esquema fornecendo seus nomes, dados, imagens e documentos" e os presidentes dos dois partidos, "pois a eles cabe o convite para ingresso nas respectivas siglas e a apresentação dos pedidos de registro de candidaturas em juízo".
Um oitavo nome incluído pelo juiz eleitoral na lista de condenados à inelegibilidade por participação direta nas fraudes é o do conselheiro-substituto do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCES) Marco Antônio da Silva. O cargo de conselheiro-substituto do TCES equivale ao de juiz de primeiro grau no Judiciário e, por isso, ele não poderia exercer atividade político-partidária, conforme prevê a legislação.
Na sentença proferida pelo juiz da 14ª Zona Eleitoral, é narrada a atuação do conselheiro-substituto para o lançamento de candidaturas fictícias pelo PSD e PSL do município de João Neiva nas eleições 2020.
O magistrado assegurou que há provas no processo de que o conselheiro-substituto do TCE-ES não apenas orientava sua esposa Enilda (presidente do PSD de João Neiva), como de fato "dirigia os partidos acusados de fraude, convidando candidatas, oferecendo dinheiro para ao menos uma postulante, orientando no preenchimento de documentos".
Segundo o juiz, testemunhas confirmaram situações diversas em que Marco Antonio atuou no cenário político de João Neiva, apesar de oficialmente não estar ligado a nenhum partido político. "Reconheço, portanto, a participação direta de Marco Antonio da Silva nas fraudes reconhecidas nestes autos", afirmou o juiz, na sentença.
O TCES afirmou em nota que tão logo seja notificado da decisão judicial, adotará as providências cabíveis no âmbito de sua corregedoria.
Os advogados Josiel Amorim Nepomuceno e Cristian Campagnaro Nunes, que atuam na defesa dos envolvidos, também foram procurados, mas o primeiro não atendeu às ligações e o segundo pediu que a reportagem voltasse a ligar neste sábado (3).
Há condenações a vereadores por consequência de fraude a cota de gêneros em outros municípios capixabas, entre os quais Guarapari, Colatina, Rio Bananal e Itapemirim.
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