Vai ser difícil para o governo federal reivindicar a paternidade do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Marcada pela omissão da administração federal, inclusive antes mesmo de Jair Bolsonaro (sem partido) assumir a presidência, a proposta que torna o Fundeb permanente e amplia a participação da União foi aprovada no Senado, por 79 votos a 0 nesta terça-feira (25).
Relatada pela deputada federal Professora Dorinha (DEM-TO), a proposta foi construída ao longo de cinco anos e sua aprovação na Câmara, em julho, foi uma derrota para o governo federal, colocando a interlocução entre parlamentares e sociedade civil como protagonista da reestruturação do fundo, que concentra recursos essenciais para o funcionamento do sistema de educação pública no país.
Mesmo tendo trabalhado contra a proposta, Bolsonaro comemorou, nas redes sociais, a aprovação na Câmara dos Deputados como se a iniciativa tivesse partido da União. "Um governo que faz na educação. Transformamos o Fundeb em permanente aumentamos os recursos e colocamos na Constituição", escreveu, na ocasião.
O Senado aprovou o texto com todas as mudanças previstas pelo relatório de Dorinha, retirando apenas um dispositivo do texto que previa repasse de recursos do financiamento para escolas privadas. Foram mantidos, portanto, o aumento escalonado da participação da União, de 10% para 23% em seis anos; a vedação do uso de recursos do fundo para o pagamento de aposentados e o Custo Aluno Qualidade CAQ. A Emenda deve ser promulgada pelo Congresso nesta quarta-feira (26).
A luta pela manutenção e ampliação do fundo, responsável por 63% do financiamento da educação básica no Brasil, de acordo com especialistas, sempre foi de Estados, municípios e entidades ligadas à educação pública. Cientistas políticos e especialistas em educação entrevistados por A Gazeta garantem que houve não somente uma omissão, mas em alguns momentos até uma "tentativa de atrapalhar" a ampliação do fundo por parte do Palácio do Planalto.
"Todo mundo que se elege fala que vai priorizar a educação básica, mas a prioridade se traduziria em mais investimento e a verdade é que desde a redemocratização nenhum governo federal teve o investimento na educação básica como prioridade", aponta a especialista em Educação Gilda Cardoso.
Criado em 2007 com caráter provisório, o Fundeb chegaria ao fim no dia 31 de dezembro deste ano. Desde o início, para o cientista político Paulo Baía, o fundo não recebeu atenção do governo federal. Coube, então, à Câmara dos Deputados, pressionada por governadores e prefeitos, tomar a frente para tornar o fundo permanente e estabelecer critérios mínimos de qualidade para ampliar o investimento.
Desde que assumiu o mandato, no início do ano passado, Bolsonaro já teve quatro ministros da Educação sendo que um nem chegou a assumir antes de ser demitido. Nenhum teve um bom diálogo com o grupo que já estava, desde 2015, construindo as mudanças a serem feitas no Fundeb.
Os recursos são destinados para a educação básica, desde creches até o ensino médio, excluindo apenas o ensino superior.
Para Paulo Baía, a omissão do governo mostra não apenas um relaxamento com a educação como também uma preocupação com a gestão fiscal do país.
Paulo Guedes, ministro da Economia, chegou a tentar alterar pontos da proposta e deslocar recursos do fundo para o Renda Brasil, programa de assistência social que vai substituir o Bolsa Família, mas foi derrotado na Câmara. "Foi praticamente um cabo de guerra entre o Congresso e o governo federal, que não queria que fosse aprovado daquela maneira", complementa a professora da Ufes Gilda Cardoso.
E não é porque não tenha dinheiro, afirma a professora. Ela aponta que a União é o ente que mais arrecada e o Fundeb está fora do teto dos gastos públicos, ou seja, "a União pode gastar com a educação".
Na avaliação de Daniel Cara, cientista político e professor da USP, a questão chega à percepção da educação de qualidade como um direito ausente nas gestões "tanto Temer quanto Bolsonaro". Não sendo um direito, ela poderia ser ofertada de forma precária. No pano de fundo, poderia existir uma estratégia estrutural de precarizar a educação pública para incentivar privatizações.
A "naturalização" do cenário precário, fez com que o governo deixasse de lado pautas ligadas ao Fundeb, como por exemplo a regulamentação do o Custo Aluno Qualidade CAQ cálculo, previsto no Plano Nacional de Educação, que fixaria um custo mínimo, por aluno, para se ter uma educação de qualidade.
Essa, para a doutora em Educação e professora da Ufes Cleonara Schawrtz, foi uma das principais falhas na condução da União.
"O CAQ já deveria ter sido implantado desde 2016. Mas por que não foi? Porque com ele temos o valor mínimo que deve ser investido, por aluno, para uma educação de qualidade. E é claro que esse valor necessário é muito além do que existe hoje. Por isso não era interesse do governo institucionalizar o CAQ e aumentar a própria participação nos recursos", aponta.
O número da proposta aprovada na Câmara no dia 21 de julho denuncia que há muito tempo essa pauta está em discussão. A PEC 15/2015, de acordo com as especialistas em Educação, foi construída com diálogo entre governadores, prefeitos, entidades municipais e estaduais de educação e parlamentares. Desde o início, as raras atitudes tomadas pelo governo eram no sentido de desmontar os acordos firmados.
Daniel Cara, ativo nesse processo, relata que no início do mandato de Bolsonaro existia uma proposta de ampliar a participação da União para 15% atualmente é 10%. O valor acordado pelas comissões que discutiam o tema, no entanto, apontava para 40%.
"E eles ficaram na defesa dos 15% ate a votação, em julho, quando a gente conseguiu o aumento escalonado de 23%. Não são os 40%, mas significa mais do que duplicar o investimento em educação básica, já foi uma grande conquista", pontua.
Cara relata, ainda, mais duas derrotas do governo. A pasta da Economia era contrária à fixação do CAQ e à vedação do uso do fundo para o pagamento de aposentados, pontos que ficaram garantidos na redação final da proposta.
Vilmar Lugão, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação no Espírito Santo (Undime), afirma que o MEC nunca chamou para um diálogo. Na verdade, quando agiu, o fez para tentar desmontar toda a articulação que já havia sido feita.
Weintraub, ministro que ficou mais tempo no comando do MEC, foi o único a tomar alguma atitude, porém muito diferente do que esperavam aqueles envolvidos no tema. Em dezembro do ano passado, o ex-ministro tentou apresentar uma proposta completamente nova, sem considerar o trabalho e diálogo que já corria há anos na Câmara.
Não colou. A proposta debatida anteriormente foi aprovada pelos deputados por uma maioria esmagadora de votos. Apenas sete deputados bolsonaristas foram contrários ao relatório de Dorinha: Bia Kicis (PSL-DF), Chris Tonietto (PSL-RJ), Filipe Barros (PSL-PR), Junio Amaral (PSL-MG), Paulo Martins (PSC-PR) e Dr Zacharias Calil (DEM-GO).
Um placar elástico, desta vez sem nem mesmo a objeção de um bolsonarista se quer, repetiu-se no Senado.
Diante da omissão do MEC, o próprio Congresso já se movimenta para regulamentar a emenda antes do fim ano para pressionar o Executivo a organizar o orçamento.
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