O Centro de Vitória em polvorosa. Uma multidão espera o resultado do julgamento de um único homem. Longe dali, em outros Estados e até outros países, o desfecho é aguardado. Milhares de trabalhadores rurais sem terra estão nas imediações e há risco de conflito.
O réu é José Rainha Júnior, então líder do MST, acusado de dois assassinatos cometidos em Pedro Canário, no Norte do Espírito Santo. Quem vai decidir o destino dele é um júri composto por sete pessoas. E quem preside o julgamento é o juiz Ronaldo Gonçalves de Sousa, titular da Vara do Tribunal do Júri de Vitória.
A data é 5 de abril de 2000. Tudo isso já ficou para trás. O então juiz agora é desembargador e foi eleito nesta quinta-feira (03) para presidir o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).
O magistrado lembra bem daquele dia já distante, como ele mesmo conta:
O jornal A Gazeta registrou, na época, que o julgamento durou três dias. No primeiro, apenas a cansativa leitura das peças do processo de cerca de três mil páginas. No segundo, sete testemunhas foram interrogadas pelo juiz e por advogados. E no último, a sentença.
Nesse intervalo, autoridades e personalidades de destaque do mundo da política acompanhavam atentas. O petista Luiz Inácio Lula da Silva veio a Vitória somente para acompanhar o julgamento do aliado.
O então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que estava na África do Sul, seguiu o noticiário sobre o caso.
"Mas a nota de destaque foi a presença do ministro que foi advogado de defesa do José Rainha, Evandro Lins e Silva. Ele era ministro do Supremo Tribunal Federal e foi cassado durante a ditadura. Após a passagem da ditadura, passou a advogar", destaca Sousa.
Por 4 a 3, José Rainha foi absolvido. "Uns gostaram da decisão, outros não, como sempre. Ninguém quebrou o fórum, até porque ele foi absolvido. Mas ele nunca mais voltou ao Espírito Santo", lembra o desembargador.
A verdade é como a Justiça Divina: tarda, mas não falha, disse Rainha, ao ouvir a sentença. Depois, foi carregado nos braços pelos sem-terra para um palanque nas proximidades do Fórum de Vitória, como registrou A Gazeta no dia seguinte.
Além do julgamento de Rainha, o então juiz também atuou no caso do ex-delegado do Dops Cláudio Guerra.
"Foi uma dupla tentativa de homicídio, que explodiram um carro embaixo da ponte. Um sobreviveu, mas depois foi morto em Vila Velha. Julgamos a tentativa e por essa tentativa ele foi condenado, se não me falha a memória, a 34 anos de prisão e quem fez a dosimetria da pena foi o doutor Ronaldo", conta o futuro presidente do TJES.
Mas não foi esse nem o caso de José Rainha que mais o marcou.
"Foi o julgamento de uma pessoa que eu não me lembro o nome que matou a ex-mulher, cortou em pedaços, colocou em sacolas. O curioso é que depois que ele foi julgado, ele foi preso, se não me falha a memória condenado a 27 anos. Mas uns dois anos saíram as manchetes dos jornais que ele tinha casado com uma menina de 17 anos que ele conheceu lá na prisão, parente de outros presos. Eu fiquei chocado".
Questionado sobre como o Judiciário pode contribuir para coibir os casos de feminicídio, como esse, o desembargador respondeu: "A contribuição que podemos dar é julgarmos esses processos de forma mais célere, mas no fundo é uma questão de educação, de políticas públicas para que as pessoas sejam mais conscientes de que homem e mulher estão no mesmo padrão".
Ele também lembra, no entanto, que já julgou, também, "a viúva negra", condenada por matar o amante.
Promovido a desembargador em 2005, Ronaldo Gonçalves de Sousa resolveu mudar de ares. "Ao chegar ao tribunal, depois de quase 15 anos trabalhando em Vara criminal eu preferi ficar em Câmara cível, ou seja, para ficar mais tranquilo. Criminal é um pouco pesado para o julgador porque a gente julga pessoas. No Cível são os bens das pessoas".
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