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Gasto com "novos" cargos pagaria 18 milhões de parcelas de auxílio-emergencial

Gasto com "novos" cargos pagaria 18 milhões de parcelas de auxílio-emergencial

Congresso derrubou veto de 2009 e servidores de nível técnico da Receita Federal vão passar a receber como servidores de nível superior. Impacto estimado é de R$ 2,8 bilhões

Publicado em 20 de abril de 2021 às 20:17

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Auxílio emergencial voltou a ser pago nessa semana
Auxílio emergencial voltou a ser pago em meio à pandemia de Covid-19. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Com a derrubada de um veto do ex-presidente Lula (PT), de 2009, 1,8 mil servidores de nível técnico da Receita Federal passarão a ter o status – e, consequentemente, o salário – de servidores de nível superior. Os valores dos subsídios vão passar de R$ 5,4 mil a 13 mil para R$ 11,7 mil a R$ 16,7 mil. O impacto esperado é de R$ 2,8 bilhões, o que pagaria 18,6 milhões de parcelas mínimas do auxílio-emergencial oferecido pelo governo federal.

O veto foi derrubado, 12 anos depois de ser assinado, pela maioria do Congresso Nacional, deputados e senadores, nesta segunda-feira (19). Entre os parlamentares que representam o Espírito Santo nas Casas, apenas dois votaram pela manutenção do impedimento. A alteração vai valer para técnicos e analistas de seguro social que atuavam na Secretaria de Receita Tributária – que existiu entre os anos de 2005 a 2007 – e foram transferidos para a Receita Federal quando o pasta foi extinta. Com a mudança, eles serão analistas tributários, carreira de nível superior e ingresso por concurso público.

Para economistas e cientistas políticos consultados por A Gazeta, a medida é prejudicial principalmente no momento de instabilidade política e econômica que o país enfrenta, diante do momento mais crítico da pandemia de Covid-19 no país. Além de pressionar ainda mais o orçamento, a medida demonstra, para os analistas, que o governo federal está fragilizado e fora do comando das pautas econômicas.

"Derrubar o veto é até um pouco inconsequente. Gera um impacto que vai durar por muitos anos, porque são pessoas que vão ficar ali no governo por alguns anos até se aposentarem. Estamos chegando a um nível de endividamento que, para um país do nosso perfil, é perigoso", aponta o doutor em economia e professor da Fucape Felipe Damasceno. 

R$ 2,8 BILHÕES
É O IMPACTO FINANCEIRO ESPERADO PELA READEQUAÇÃO DOS CARGOS

O especialista destaca que, se for para se endividar, "seria muito mais interessante pensar em gastar dinheiro com a pandemia do que dar aumento de salário". O país enfrenta um cenário de aumento da pobreza e da fome, com mais desempregados e a necessidade de incentivar as pessoas a ficarem em casa, o que é a medida mais eficaz para evitar o contágio do vírus.

O valor que será desembolsado pela União para elevar o salário de 1,8 mil servidores, "que já ganhavam acima da média brasileira", destaca o economista e professor da UVV Wallace Willis, poderia bancar 18 milhões de parcelas mínimas do auxílio-emergencial oferecido pelo governo federal, que é de R$ 150. Além disso, a decisão também interfere nos pilares da burocracia estatal.

18,6 MILHÕES
DE PARCELAS DE AUXÍLIO-EMERGENCIAL PODERIAM SER BANCADAS

"A burocracia de Estado tem três pilares vitais: o concurso para ingresso, o plano de carreira e a estabilidade para não ficar vulnerável às mudanças do ambiente político. Talvez tenha faltado o filtro necessário para pensar o quanto isso mexe com o conceito de burocracia de Estado, porque essas pessoas não fizeram concurso para analista e, de repente, foram enquadradas em uma categoria que fez concurso público. Está interferindo no plano de carreira de um e do outro", pontua.

ACORDO UNIU OPOSIÇÃO E SITUAÇÃO

A votação que derrubou o veto "uniu" desde parlamentares governistas até os mais enfáticos oposicionistas. Uma amostra, ressaltam os cientistas políticos, de que o Congresso está "nas mãos" do Centrão, grupo de parlamentares que formam maioria e flutuam nas votações de acordo com a conveniência.

"Os servidores públicos federais sempre tiveram grande capacidade de articulação política, principalmente os da Receita Federal e da Previdência, por serem responsáveis pela capacidade de arrecadação do Estado. O governo precisa estar muito bem constituído para resistir à pressão realizada pelos segmentos do serviço público. E o governo atual está claramente enfraquecido. É exatamente nesse contexto de turbulência, 'bagunça', que esse tipo de ação tem espaço", analisa o cientista político e professor da UFPE Arthur Leandro.

Atender a pautas corporativistas e desejos de segmentos específicos da sociedade, ressalta o professor, é uma conduta característica dos partidos do Centrão. A votação não é necessariamente uma surpresa vindo desses parlamentares, mas mostra que Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, não têm mais força suficiente para frear os desejos do parlamento em ano pré-eleitoral.

"O Centrão trabalha fundamentalmente promovendo e protegendo interesses locais, de corporações, de determinados setores econômicos. Esse grupo não tem um plano nacional integrado, ele trabalha no varejo. Essa é uma pauta característica dos partidos que compõem o grupo. Como é o Centrão que efetivamente comanda as Casas, as pautas dele vão prevalecer, essa é uma pauta típica. O Brasil está em um momento de instabilidade institucional e isso cria espaço para esse tipo de ruído", completa.

Alterar a carreira de um único segmento do serviço público vai na contramão do que era prioritário, em tese, para o Ministério da Economia, como a reforma administrativa que tramita no Congresso. A ideia central é reformar as carreiras, acabar com a estabilidade de alguns servidores para economizar "a longo prazo". 

"Demonstra o quanto o governo perdeu totalmente o controle com relação a pauta de reforma. É uma medida que contraria a lógica por trás da reforma administrativa. O Ministério da Economia não dá mais as cartas", aponta o cientista político e professor do Insper Leandro Consentino.

Essa é, para o economista Felipe Damasceno, apenas mais uma prova de que o diálogo entre governo e Economia não vai bem. "No final das contas, a parte política do governo e a parte econômica não têm conversado bem há um tempo. O Executivo diz que apoia a economia, mas, ao mesmo tempo, há uma falta de sintonia entre Bolsonaro e a agenda liberal. Ele nunca foi liberal no Congresso e tem mostrado um viés mais voltado para um governo maior do que um governo menor", assinala.

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