Em seis meses de mandato, o vereador de Vitória Gilvan da Federal (Patriota) já foi alvo de protestos de entidades civis, julgado pela Corregedoria da Câmara de Vitória por quebra de decoro e deve ser alvo de uma representação elaborada pela Secretaria Estadual de Educação (Sedu) ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES) por afirmar, em um áudio de WhatsApp, que iria "acuar" uma professora que abordou a temática LGBTQIA+ em sala de aula.
Seja em embates com outros parlamentares ou sofrendo críticas nas redes sociais, o vereador conquista desafetos, mas mobiliza uma base virtual entre os mais radicais, a exemplo da estratégia utilizada pelo então deputado federal Jair Bolsonaro (sem partido) antes de se eleger presidente.
Em tese, a função de um parlamentar é fiscalizar o Poder Executivo, no caso de Gilvan a Prefeitura de Vitória, e legislar sobre assuntos que dizem respeito ao município, desde que dentro da competência da Câmara Municipal. Ao colocar a agenda bolsonarista debaixo do braço, Gilvan tem priorizado questões que fogem da alçada municipal.
Não raro, os discursos feitos por ele em plenário remetem a questões nacionais e à defesa do mandato de Bolsonaro. Quanto às propostas apresentadas neste início de mandato, o vereador tem sugerido mudanças que, constitucionalmente, só poderiam ser legisladas pelo Congresso Nacional.
Gilvan tem realizado, segundo ele mesmo, a "fiscalização de escolas e atividades escolares" na Capital. Os alvos dessas buscas são "atividades que coloquem em risco a proteção das crianças". Duas escolas municipais já sofreram representações do vereador no MPES. Nas últimas semanas, Gilvan foi até a Escola Estadual Renato Pacheco, em Jardim Camburi, a fim de conversar com uma professora que abordou a temática LGBTQIA+ em uma atividade de inglês.
Em um áudio enviado por Gilvan à mãe da aluna, que posteriormente foi compartilhado por ela em um grupo de estudantes e responsáveis por eles, o vereador afirmou que iria até a escola "bater boca com a professora" e que sua ação seria para "deixar ela acuada". O secretário estadual de Educação, Vitor de Angelo Amorim, repudiou a ação e prestou solidariedade à professora, que registrou boletim de ocorrência por ter se sentido ameaçada em seu local de trabalho. Um ato foi organizado em frente à escola, repudiando a atuação de Gilvan.
A produção individual de Gilvan, considerando os cinco projetos de lei que protocolou sozinho (veja abaixo os projetos de lei do parlamentar), tem focado em ideias difundidas por bolsonaristas.
As propostas, na maioria das vezes, dizem respeito a bandeiras ideológicas de movimentos conservadores. O único projeto que propôs que foge desse perfil, é o que defende a alteração da nomenclatura dos cargos de agentes comunitários da Guarda Municipal para "guarda civil municipal".
Ele também é autor do projeto "Infância sem pornografia", que versa sobre a proibição da abordagem do tema sexualidade nas escolas e uma espécie de pré-aprovação dos pais sobre os conteúdos a serem ensinados em sala de aula. O texto proposto de Gilvan é idêntico a um projeto de mesmo nome aprovado em outras cidades, mas que não foi sancionado em nenhuma delas, e é comparado ao movimento "Escola sem partido", ideia difundida entre apoiadores de Bolsonaro.
A proposta, segundo especialistas, proíbe o que já é proibido – os conteúdos eróticos, por exemplo – e equipara a educação sexual, como a anatomia e o comportamento relacionado à reprodução humana, à pornografia. O projeto chegou a ser aprovado na Câmara, mas foi vetado pelo prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos), que seguiu o parecer da Procuradoria-Geral do Município, que considerou o texto inconstitucional, já que compete ao Ministério da Educação, em âmbito nacional, discutir o que deve ser ensinado em sala de aula.
O vereador também é a favor da proibição da linguagem neutra, sem identificação de gênero – todas ou todos, pode ser substituído por todes, por exemplo. A proposta contraria uma ideia difundida por alguns grupos LGBTQIA+, que defendem que adotar o gênero não binário em algumas palavras auxilia a inclusão de pessoas que não se identificam nem com o gênero masculino, nem com o feminino.
Outros dois projetos protocolados por Gilvan que coincidem com a cartilha bolsonarista defendem o afrouxamento de medidas sanitárias adotadas durante a pandemia de Covid-19.
Em março, quando o Estado teve um aumento significativo de casos, o vereador propôs que academias de esportes e de dança, além de salões de beleza, barbearias e espaços de estética fossem classificados como atividades essenciais. A proposta é inconstitucional, já que a legislação estadual prevalece sobre as regras municipais. Assim, o município pode adotar regras mais restritivas, mas não afrouxar medidas implementadas em instâncias superiores.
Gilvan começou a se tornar conhecido na vida política capixaba a partir dos movimentos que defendiam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e pautas de grupos conservadores. Em 2018, candidatou-se a deputado estadual pelo PSL, partido de Bolsonaro, e recebeu 5.395 votos. Deixou o partido no bojo da ruptura do PSL com Bolsonaro e, pelo Patriota, candidatou-se a vereador em 2020.
Logo na primeira sessão do ano, seu "cartão de visitas" foi o de provocações às vereadoras de partidos de esquerda, Camila Valadão (PSOL) e Karla Coser (PT). Em meio à discussão sobre a reforma previdenciária municipal, em sessão extraordinária no dia 4 de janeiro, Gilvan disse que as vereadoras, que pediam mais tempo para a discussão do tema antes da votação, estavam desinformadas.
"Não há o que se falar, (a reforma previdenciária) está na lei. Foi irresponsável a gestão passada que não fez a reforma. É porque o pessoal do PSOL e do PT não está acostumado a cumprir a lei e a ordem", alfinetou.
Meses depois, a vereadora Camila Valadão cabriu uma denúncia por quebra de decoro parlamentar por parte de Gilvan, após ele criticar, em uma sessão comemorativa ao Dia da Mulher, a roupa que a parlamentar vestia. A peça deixava o ombro à mostra e, para Gilvan, era "inadequada" para o plenário. "Quem quer respeito tem que se dar ao respeito", disse o vereador. O caso foi arquivado pela Corregedoria da Câmara, mas gerou protestos do lado de fora do Legislativo.
Somando projetos de lei, indicações de serviços e requerimentos de informações, o parlamentar registrou 80 proposições na Câmara nos seis primeiros meses de mandato.
Quando o recorte considera apenas projetos de lei, foram 10 propostas, mesma quantidade da vereadora Camila Valadão (PSOL) e do vereador Luiz Emanuel (Cidadania), por exemplo. Dessas 10 propostas, Gilvan aparece como coautor (quando assina a autoria do projeto junto de outros vereadores) de cinco proposições, além de outras cinco em que é o único proponente.
"Opto pela qualidade em vez da quantidade de proposições, tanto que se for olhar só projetos de lei tenho mais propostas do que a média. A minha pauta principal é a pauta dos conservadores, é a minha pauta ideológica. Meu trabalho principal é defender a inocência das crianças. Não só produzir leis que as defenda como fiscalizar escolas e as atividades que estão sendo apresentadas", afirma Gilvan.
"Eu não faço indicação de mudança de nome da rua, parece pouco para um vereador contabilizar isso como trabalho legislativo, assim como tampar buraco. Se você for ver as indicações, a maioria é essa. Se for olhar dentro das indicações, tem muita indicação bobinha, agora, quanto à minha produção legislativa eu estou satisfeito, apresentei pontos importantes para a sociedade", analisa.
Agente da Polícia Federal, Gilvan atuava no núcleo de operações na Superintendência da Polícia Federal no Espírito Santo. O grupo do qual ele fazia parte não atua em investigações. Seu trabalho era prestar apoio operacional em ações da PF, como cumprimento de mandados de busca e apreensão ou prisão, por exemplo.
Gilvan se licenciou das atividades para se dedicar ao mandato. No entanto, enquanto estava ativo na superintendência ele foi questionado por seus superiores por conta da forma em que usava a corporação em vídeos que ele gravava na internet, em que defendia pautas conservadoras e apoiava o presidente Jair Bolsonaro.
"Teve um vídeo, três anos atrás, que eu fiz fardado e aí pediram para que eu não fizesse vídeos fardado. Não foi uma sindicância. Foi apenas um procedimento para ajustar minha conduta. Fui orientado a não usar símbolo ou roupas. Meu nome ‘Gilvan da Federal’ não tem problema nenhum, o que eu não posso é usar farda. Não respondo na instituição por uso de nome", justifica o vereador.
Agentes ouvidos pela reportagem relataram incômodo com a vinculação do vereador à Polícia Federal. "O uso que ele faz do nome da Polícia Federal, ao se autonomear Gilvan da Federal, passa uma ideia que todos os policiais são assim, o que não é verdade. Tem uma parcela que o apoia, mas tem muitos que não concordam com as pautas defendidas por ele", diz um deles.
A Gazeta procurou a direção da Polícia Federal e questionou o comando se Gilvan responde a processo disciplinar no órgão. Em nota, a Superintendência respondeu que “com a finalidade de resguardar o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração, e tendo em vista os preceitos legais que regem a proteção à privacidade, à honra e à imagem, a PF nada tem a informar aos órgãos de imprensa neste momento”.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta