A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) fez uma representação, nesta segunda-feira (15), ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES) contra seis deputados estaduais que fizeram uma visita surpresa ao hospital Dório Silva, na Serra, na última sexta-feira (12). No texto, endereçado ao Ministério Público Estadual (MPES), em nome da procuradora-geral de Justiça, Luciana Gomes Ferreira de Andrade, o governo do Estado acusa os parlamentares de crime contra a saúde pública e pede que o órgão apure os fatos e proponha ação penal contra eles no Tribunal de Justiça do Estado (TJES).
A representação cita Lorenzo Pazolini (Republicanos), Vandinho Leite (PSDB), Carlos Von (Avante), Torino Marques (PSL), Danilo Bahiense (PSL) e Capitão Assumção (Patriota). Assumção não participou da visita, mas teria ido ao hospital e encontrado os deputados no final da inspeção.
A representação também ligou a ação dos deputados à fala do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), que durante uma live na semana passada sugeriu à população que entrasse em hospitais públicos e de campanha e filmasse, para averiguar se o número de leitos divulgados são reais e se os gastos estão compatíveis. Os deputados que fizeram a visita, no entanto, negaram que o ato tenha sido motivado pela fala do presidente.
"Como é notório, o Presidente da República, no dia 11/06/2020, através de um pronunciamento realizado nas redes sociais, incentivou seus seguidores a invadir hospitais para checar a efetiva ocupação de leitos (...) A conduta inconsequente e irresponsável do Presidente da República, infelizmente, encontrou eco em uma minoria radical da população", diz o texto.
"O que causou espanto à sociedade capixaba e revolta entre os profissionais da saúde foi o fato de meia dúzia de deputados estaduais se prestarem a esse papel vergonhoso de tentar confrontar os dados oficiais divulgados pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), acerca da efetiva ocupação dos leitos de unidade de terapia intensiva (UTI), a partir da invasão e inspeção in loco de hospital público em época de grave pandemia", acrescentou o governo.
Lorenzo Pazolini (Republicanos), um dos deputados que estiveram no hospital, rebateu e disse que "a fiscalização já estava sendo debatida desde o início da semana passada" e que por isso, "não houve influência alguma do Presidente da República."
A "notícia-crime" protocolada pelo governo no Ministério Público é uma comunicação feita às autoridades com a exposição do fato criminoso, para que as autoridades competentes sejam notificadas e possam dar início à investigação contra seu autor.
Ainda de acordo com o documento, "a conduta colocou em risco a vida de pacientes e servidores, já que os parlamentares transitaram por alas de tratamento de pacientes com Covid-19 e nos demais setores do Hospital Dório Silva sem a observância dos protocolos sanitários vigentes para o combate da pandemia, violando, assim, as determinações do Poder Público destinadas a impedir a propagação do novo coronavírus", disse o governo.
O texto afirma que a ação dos deputados pode ser enquadrada como violação do artigo 268 do Código Penal, que versa sobre o ato de infligir determinação do poder público, destinada a impedir a propagação de doença contagiosa.
O PGE, salienta, ainda, que o procurador-geral da República, Augusto Aras, anunciou que vai expedir, durante a semana, ofícios aos Ministérios Públicos estaduais para que investiguem eventuais "invasões a hospitais destinados ao tratamento de pacientes com a Covid-19".
A Procuradoria-Geral de República informou que até o momento apenas os estados de São Paulo e Distrito Federal foram notificados, mas que existem outros procedimentos em análise.
Em nota, o MPES informou que que recebeu representação da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-ES), com referência ao caso em tela" e esclareceu que "a representação está sob sua análise para definir a medida jurídica mais pertinente a ser adotada nesse momento."
Lorenzo Pazolini (Republicanos), Torino Marques (PSL), Vandinho Leite (PSDB), Danilo Bahiense (PSL) e Carlos Von (Avante) foram ao hospital sem aviso prévio, no sábado, para "apurar denúncias sobre as condições de trabalho precárias do local". Pazolini afirmou para A Gazeta que a visita não podia ser feita com aviso prévio, por se tratar de uma fiscalização.
Carlos Von repudiou, em nota, disse que pretende "registrar denúncia no Ministério Público em face do Secretário Estadual de Saúde, bem como do Governador, Renato Casagrande, em virtude das inveracidades propagadas pelo órgão de saúde através do perfil pessoal do próprio Secretário para provar que não houve invasão às dependências do Hospital".
Sobre a representação protocolada nesta segunda-feira, o deputado do Republicanos afirmou por nota que "ao contrário do que foi dito, covardemente, não houve invasão, tendo em vista que os parlamentares se identificaram e tiveram a entrada franqueada à Unidade Hospitalar, sendo inclusive acompanhados pelos servidores do Hospital, com quem tiveram intenso diálogo sobre os problemas que estão passando."
O parlamentar também disse que "não houve quebra de protocolos sanitários, pois foram adotadas todas as medidas de segurança e respeitados os protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e Anvisa. Importante também deixar claro que ninguém entrou em UTIs, tampouco nas salas vermelhas."
No último sábado (13), a Secretaria estadual de Saúde (Sesa) publicou uma nota de repúdio ao ato, e o classificou como "inadmissível": "É inadmissível esse tipo de atitude, no momento em que o Espírito Santo, o País e o mundo enfrentam a mais grave crise de saúde da nossa geração". A nota também fala que a ação foi um "desrespeito aos familiares que, devido aos protocolos de segurança, não podem ter contato com seus entes queridos."
O procurador-geral do Estado, Rodrigo Francisco de Paula, disse, em entrevista, que aos olhos do Estado a visita surpresa dos deputados foi algo gravíssimo e por isso resultou nessa representação.
Sobre as irregularidades apontadas pelos deputados, que seriam, de acordo com eles, os motivos para a inspeção, o PGE afirmou que não tem notícia e que a Sesa tem apurado a gestão hospitalar da unidade.
Com o encaminhamento do ofício, Rodrigo de Paula disse que o governo espera que o MPES cumpra seu papel de fiscalizador e tome as medidas cabíveis. "Esperamos que haja uma investigação consistente e o Ministério Público tome providências. Uma vez configurado crime, eles passam a estar sujeitos a um processo criminal, que deverá ser apreciado pelo TJES."
Em entrevista à CBN Vitória na manhã desta segunda-feira (15), a procuradora-geral de Justiça Luciana Gomes de Andrade comentou brevemente sobre as visitas a hospitais que têm ocorrido pelo país. À tarde, o MPES foi procurado pela reportagem para se posicionar sobre a possível abertura de investigação da "visita surpresa" dos parlamentares, mas até o fechamento da matéria não obteve resposta.
"Nenhum extremismo é positivo, nem o ideológico nem o político, e o MP se afasta dessas posturas, até porque deve ser apartidário, neutro. Estou sabendo de alguns fatos que ocorreram em nosso Estado. Não posso comentar a respeito do caso concreto, a lei veda que eu comente, até porque eu sou a autoridade que vai apurar esses fatos", disse à CBN.
"Posso falar genericamente o que ocorre em nosso país. As pessoas estão em dúvida de que é uma doença seríssima, de alto índice de letalidade, e que 50% que vão para a UTI, dela não sai. Se em tempos de normalidade já tínhamos escassez de leitos, fico surpresa das pessoas acreditarem que teríamos leitos vazios, ainda mais nessa crise. Isso tudo que está acontecendo no país não é uma fantasia, é um fato concreto, que nos atingiu de forma drástica. Independente do partido político, da ideologia, temos que ter consciência de que o momento é sério, exige postura de gestão comprometida, republicana, e não é para brincadeira", completou.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta