> >
Governo do ES paga R$ 81 mil por mês em pensão a 12 filhas solteiras de ex-servidores

Governo do ES paga R$ 81 mil por mês em pensão a 12 filhas solteiras de ex-servidores

Governo federal também concede o benefício a 306 mulheres no Espírito Santo. Pagamentos são baseados em leis já revogadas, mas quem tinha direito na época continua recebendo

Publicado em 21 de fevereiro de 2020 às 11:54

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Palácio Anchieta, sede do governo do Espírito Santo, localizado em Vitória. (Marcelo Prest|Arquivo)

Doze filhas solteiras recebem pensão do governo do Espírito Santo desde a morte de servidores ou ex-servidores do Estado. Os pagamentos têm como base uma lei de 1951, que foi extinta em 1971. Quem já tinha direito continua recebendo o pagamento.

O valor bruto dos benefícios somados foi de R$ 81.066,43 somente em janeiro de 2020. Considerando todo o ano de 2019, foram R$ 821,4 mil.

Os dados foram obtidos pela reportagem de A Gazeta a partir de levantamento solicitado ao Instituto de Previdência dos Servidores do Estado do Espírito Santo (IPAJM) e após consulta ao Portal da Transparência.

Os servidores aos quais as pensionistas estão relacionadas, os chamados segurados, ocuparam funções como assistente administrativo, capataz, eletricista, agente de Polícia Civil e auditor fiscal da Receita Estadual. Não há militares na lista.

O valor da maior pensão é de R$ 19.858,66 mensais. Quem recebe é a filha de um auditor, desde 1970.

A Lei nº 615, de 31 de dezembro de 1951, do Espírito Santo, determinava que o benefício deveria ser pago a partir do mês seguinte ao falecimento do servidor aos familiares descritos no texto. O benefício caberia, inclusive, "para cada filha, enquanto solteira".

Não havia nenhuma outra vedação, nem recorte por idade. Assim, mesmo se a filha tiver um emprego bem remunerado continua a fazer jus à verba.

Como afirma a gerente jurídica do IPAJM, Márcia Aires, as pensionistas, neste caso, deixam de contar com o dinheiro se elas se casarem.

Não é possível, de acordo com Márcia, que o governo simplesmente pare de pagar a pensão. "Quando há a morte do segurado e há habilitação para benefício de pensão por morte, há a aferição da regra vigente na época. É um princípio pacificado, cristalizado. É um desdobramento do direito adquirido", destaca.

Hoje, o governo já não concede pensão a filhas solteiras de servidores. "Era uma concepção, da época, de previdência e assistência", complementa.

QUEM PAGA?

Os servidores, quando em vida, contribuíram para o sistema previdenciário. O dinheiro utilizado para arcar com as pensões, no entanto, não vem apenas dessas contribuições. "O sistema é solidário, não existe uma caixa individual", lembra Márcia Aires.

As pensionistas em questão estão no fundo financeiro da Previdência estadual, ou seja, no fundo que é deficitário e conta com aportes do Tesouro estadual para arcar com os benefícios.

REAJUSTE  É APLICADO A PENSIONISTAS

O valor da pensão, quando envolve paridade, é reajustado de acordo com os salários dos servidores da ativa. Dessa forma, quando uma determinada categoria recebe reajuste ou recomposição salarial, por exemplo, o mesmo percentual se aplica aos aposentados e pensionistas.

PENSIONISTAS DO GOVERNO FEDERAL

A União também paga pensão a filhas solteiras de ex-servidores. Mais uma vez, com base em lei, federal, que já não está em vigor. São 306 pensões deste tipo somente no Espírito Santo. Em janeiro, em valores brutos, elas receberam, juntas, R$ 1,5 milhão.

O governo federal somente divulgou a lista dos pensionistas após a Fiquem Sabendo, uma agência de dados formada por jornalistas, ter acionado o Tribunal de Contas da União. O TCU, então, determinou que o governo publicasse as informações.

A gestão Jair Bolsonaro, no entanto, não incluiu pensionistas de militares na relação, o que deve corrigir.

As "filhas solteiras" da União têm direito ao benefício com base em uma lei de 1958. Em 1990, outra lei (o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União) suspendeu esse tipo de pensão. Quem já recebia até aquele ano, no entanto, ainda conta com a verba.

Pela lei, "filha maior solteira sem cargo público permanente" deve receber pensão. Desde que filhas de servidores da União que tenham falecido até a vigência da norma.

O TCU entende que filhas solteiras de ex-servidores da União que tenham algum tipo de remuneração na iniciativa privada não têm direito ao benefício. Para o Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, só devem ser excluídas as casadas ou com cargo permanente no setor público, como definiu a lei de 1958.

O Tribunal já encontrou, também, irregularidades no pagamento dessas pensões, até a pessoas que já faleceram.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), disse ao "Estadão" considerar um "absurdo" a pensão a filhas solteiras, o que é feito também pela própria Câmara dos Deputados e pelo Senado. Maia afirma ser contrário ao repasse da verba e que vai atuar para que o STF permita o fim dos pagamentos.

TEM COMO MUDAR ISSO?

Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Diego Cherulli diz que não é possível que o Estado e a União parem de pagar as pensões às filhas solteiras de ex-servidores. "Se o Supremo destruir o direito adquirido, vai acabar com a razão dele mesmo de existir, que é resguardar a Constituição", considera.

"Direito adquirido é cláusula pétrea (que não pode ser modificada nem mesmo por emenda à Constituição). Se isso não for respeitado, tudo pode acontecer. Se o governo falar amanhã 'quero reduzir o valor de todas as aposentadorias porque tem déficit. Vou pagar só a metade', vai poder. Tudo passa a ser possível a partir da vontade do governante", exemplifica.

UNIÃO ESTÁVEL ÀS ESCONDIDAS

Há casos, no entanto, em que a pensão poderia ser cessada. As filhas solteiras, por óbvio, não podem se casar. Quem mantém união estável, ainda que sem oficializar, no entanto, pode perder o benefício. Se isso ficar provado. "Compete ao Estado fazer essa investigação", pontua Cherulli. 

OS PAGAMENTOS NO ESPÍRITO SANTO

OS PAGAMENTOS NO BRASIL

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais