O governo do Espírito Santo vai publicar um decreto para regulamentar a lei que prevê multa para quem divulgar informações falsas sobre pandemias na internet. A regra, de autoria do deputado estadual Hércules Silveira (MDB), foi sancionada e publicada nesta quarta-feira (3) no Diário Oficial. De acordo com o texto, a multa para quem cometer a infração pode chegar a R$ 701,68.
Contudo, a nova norma não define a quem caberá verificar a veracidade das informações publicadas na rede, quem vai fiscalizar ou aplicar eventual multa. A Procuradoria Geral do Estado (PGE) já está debruçada sobre o tema na elaboração do decreto. Especialistas apontam que a lei pode ser considerada inconstitucional. O parecer da PGE, quando a proposta aprovada na Assembleia Legislativa chegou ao Executivo, foi pela sanção.
O Procurador-Geral do Estado, Rodrigo de Paula, destaca que outros Estados têm discutido medidas semelhantes, como São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraíba e Bahia. As propostas, contudo, estão em tramitação em suas Assembleias.
"Conquanto existem mecanismos para o combate ao conteúdo ilegal ou que provoquem alarde com o intuito de causar pânico ou tumulto, não existem formas de combate ao conteúdo que, ab initio (desde o início), não seja ilegal", escreve. De Paula também destaca que a situação da pandemia do novo coronavírus evidencia ainda mais as instabilidades e prejuízos que a desinformação pode criar.
A lei fala em punição para quem divulgar "notícias falsas" (fake news, em inglês), termo que, de acordo com estudiosos sobre o tema, é impreciso. Apesar de ser amplamente usado para definir conteúdo falso, nem toda desinformação é divulgada com o formato de notícia, que é um tipo de texto jornalístico. O objetivo da expressão muitas vezes é associado a uma tentativa de desacreditar o trabalho da imprensa.
Especialistas consultados por A Gazeta divergem sobre a constitucionalidade da lei. Para o mestre em Direito pela Ufes e especialista em Direito Constitucional João Roberto Dal Col, a norma pode ser considerada inconstitucional, na medida em que o Legislativo cria uma obrigação para outro Poder. Além disso, ele argumenta que a multa, se entendida dentro de uma natureza penal, deve ser de competência da União e não do Estado.
"Ao meu ver há um vício de iniciativa, já que ao se criar uma obrigação para o Executivo deveria ser o próprio governo do Estado a propor essa medida. Além disso, por melhor que seja a intenção do deputado, essa norma pode ser considerada perigosa, já que o texto é vago e não explica, por exemplo, o que é considerado notícia falsa, dando margem para haver algum tipo de seletividade na hora de punir, o que coloca em risco a liberdade de expressão", pontua.
Segundo Dal Col, cabe à Ordem dos Advogados do Brasil seccional Espírito Santo (OAB-ES) ou ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES) analisar se há inconstitucionalidade e, se entenderem que não é constitucional, entrar com uma ação direta no Tribunal de Justiça (TJES). A reportagem procurou os dois órgãos, que ainda não se posicionaram sobre a lei.
Já para Ricardo Gueiros, professor de Direito da Ufes, há um "tumulto legislativo", uma vez que o Senado já aprecia um projeto prevendo o combate à desinformação nas redes sociais. A proposta, por exemplo, sugere a inclusão de número de CPF e RG para quem criar páginas nas redes sociais.
Ele explica que há certa complexidade no que é competência entre União, Estado e municípios na Constituição. O Estado, por exemplo, não pode criar um crime, já que o Direito Penal é de competência da União.
"Se for uma multa administrativa, e não penal, não vejo inconstitucionalidade. Também não me parece, a princípio, haver vício de iniciativa. É de iniciativa privativa do governador dispor leis de criação de cargos, funções ou empregos públicos, o que não me parece que seja esse o caso. O problema que vejo na lei é na aplicação dela. Na esfera digital, os efeitos transcendem os limites territoriais, analisa.
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