O perfil dos partidos considerados como de direita mudou ao longo dos anos e abrir frentes de diálogo com os políticos desse grupo eleitos nas eleições de 2022 será um dos principais desafios dos governantes que vão comandar o Brasil e os Estados, especialmente o Espírito Santo, a partir de 2023.
A análise foi feita pelos cientistas políticos Jairo Nicolau e João Gualberto e pela jornalista da GloboNews Natuza Nery no painel “O que esperar da nova composição de forças no Brasil e nos Estados”, durante o evento da Rede Gazeta Pedra Azul Summit 2022, nesta sexta-feira (18).
Nicolau, que é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em sistemas eleitorais, ressaltou que, mesmo sem saber definir claramente o que é ser de direita, muitas pessoas se autodefinem assim no Brasil atualmente. Para ele, isso mostra que o Brasil mudou, pois até poucos anos atrás as pessoas preferiam se dizer de centro.
O professor acrescenta a isso os números colhidos pela direita nas urnas, que vão além dos 58 milhões de votos para o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno. Para ele, o resultado do primeiro turno “foi uma mega vitória da direita” e está representado “pelo Congresso Nacional ainda mais conservador”, como destacou Natuza.
Segundo Nicolau, a bancada eleita pela direita para o Congresso Nacional no primeiro turno das eleições 2022 equivale a 36% do total, se considerar apenas a direita bolsonarista - PP, PL e Republicanos. Há ainda outros 24% dos eleitos por partidos da direita considerada mais tradicional.
Em contraposição, os eleitos pelo PT e partidos aliados do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), somam 24% das cadeiras no Congresso a partir de 2023.
“Houve uma inflexão da direita no Brasil. Tem muita incerteza (sobre o futuro) e o desafio é olhar para a direita brasileira. E para pensar o Brasil é preciso pensar o Brasil na chave do conservadorismo de várias matizes que domina o Congresso e vai ter uma relação muito diferente (com o governo) da que a direita antiga tinha, aquela colaboracionista, boa praça, que ainda tem alguns por aí com essa visão”, sintetizou o professor da FGV.
Natuza salientou ainda que há mais um desafio a ser enfrentado pelos próximos governos, decorrente não da polarização, pois ela sempre existiu nas eleições brasileiras, mas da “forte radicalização” ocorrida desde as eleições de 2018, que levou familiares a pararem de se falar e pessoas a desfazerem amizades. “O componente ódio entrou muito pesado na agenda da política, mas também na agenda pessoal e familiar”, completou.
Ao analisar o cenário pós-eleição, João Gualberto também concordou com os demais painelistas e destacou que o fato novo é que há uma direita conservadora no Brasil que tem identidade, se define como direita e vota como direita, tem orgulho de dizer que é da direita conservadora.
Na avaliação dele, alguns marcos que unem essa direita são: não acredita em pesquisa, em urnas eletrônicas e no Supremo Tribunal Federal (STF), e tem uma defesa da família que é heteronormativa, entre outras coisas.
Em relação ao cenário específico do Espírito Santo, o cientista político destacou que o Estado é conservador e bolsonarista, elegeu alguns representantes com votação expressiva para o Congresso Nacional e para a Assembleia Legislativa principalmente por serem aliados de Bolsonaro, por defenderem as ideologias bolsonaristas.
Ele citou como exemplos três eleitos pelo PL: o senador eleito Magno Malta, o deputado federal eleito Gilvan da Federal e o deputado estadual reeleito Capitão Assumção.
Por outro lado, o Espírito Santo tem uma situação peculiar em relação ao governo do Estado, pois a disputa chegou ao segundo turno impulsionada pela força da direita bolsonarista, mas o governador Renato Casagrande (PSB) conseguiu se reeleger, apesar de concorrer contra o candidato de Bolsonaro, Carlos Manato (PL).
O cientista político atribuiu a vitória de Casagrande à estratégia de montar uma chapa que une direita e esquerda - ele teve apoios de 11 legendas que vão do PT ao PP - e de, no segundo turno, ter seus aliados pedindo votos para ele e para Bolsonaro ao mesmo tempo, que ficou conhecido com o voto CasaNaro.
Ao mesmo tempo que garantiu a sua vitória, essa união também pode ser um desafio para Casagrande no seu terceiro mandato à frente do Palácio Anchieta, segundo avalia João Gualberto, já que a próxima gestão terá uma textura diferente dos dois mandatos anteriores.
Isso porque, além de eleger representantes do bolsonarismo com ampla votação, os eleitores capixabas também deram a maior votação para a Câmara dos Deputados ao petista Helder Salomão e colocaram entre os mais votados para a Assembleia Legislativa o ex-prefeito de Vitória João Coser (PT) e a vereadora da Capital Camila Valadão (Psol).
Esse novo governo, conclui o cientista político, “abriga um pouco mais de interesses da direita conservadora que os anteriores, mas ele também vem com os interesses das alianças tradicionais do governador". Com isso, Casagrande vai precisar aprender a lidar, assim como Lula, com a direita que saiu vitoriosa das urnas em 2022.
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