Durante essa semana circulou em aplicativos de mensagens e redes sociais um convite para uma marcha que seria realizada neste domingo (21), na Prainha, em Vila Velha. A imagem divulgava a "Marcha da família com Deus pela liberdade", com frases religiosas e fotos de manifestações e bandeiras do Brasil. Em 1964, marchas realizadas em diferentes Estados levavam o mesmo nome e ocorreram em diferentes datas: Em São Paulo, semanas antes do golpe que instaurou uma ditadura militar no país, e em Vitória, no Espírito Santo, algumas semanas depois, em forma de comemoração pela tomada de poder dos militares.
Em plena pandemia do novo coronavírus, no dia em que o Espírito Santo alcançou a marca de 1.328 mortos, o ato foi convocado para as 14 horas, mas diferente das marchas realizada em 1964, a Prainha viu entre 60 a 100 pessoas se reunirem ao som do Hino Nacional entoado em um carro de som. A apropriação do nome, no entanto, pode significar uma "intenção de fazer apologia ao regime militar", explica o historiador e professor da Ufes, Pedro Ernesto.
O contexto do governo de João Goulart, que precedeu a ditadura militar, era de um país polarizado, de acordo com o professor. Jango, como era conhecido, assumiu a presidência após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e alguns setores da sociedade como empresários, parte da igreja católica, parte da imprensa e das Forças Armadas começaram a tomar uma série de ações para desestabilizar o governo, sob o argumento de que Jango "era comunista e queria transformar o Brasil em uma nova Cuba", aponta Ernesto.
Em 1964, relata o historiador, Jango anunciou reformas de base na educação, no sistema bancário e a reforma agrária e, como resposta, as "marchas da família com Deus pela liberdade" começaram a ser organizadas e reuniram milhares de pessoas. A primeira, no dia 19 de março daquele ano, aconteceu em São Paulo, na praça da Sé. Cerca de um mês depois, após o golpe militar que aconteceu no dia 1º de abril, o ato foi realizado em Vitória, em frente ao Palácio Anchieta, com apoio dos setores de comércio e indústria que liberaram seus funcionários para participar. "Aqui, como o golpe já tinha acontecido, a marcha aconteceu como comemoração desses setores conservadores", assinala.
O ato deste domingo não teve a adesão de muitas pessoas. Cerca de 60 a 100 pessoas se reuniram com um carro de som e bandeiras brasileiras e de Israel. Parte do esvaziamento pode ser explicado pelas caravanas que levaram grande parte dos movimentos conservadores e de direita do Estado para Brasília neste final de semana.
O professor Pedro Ernesto avalia, no entanto, que este é mais um movimento antidemocrático que se soma a outros que têm sido realizado por apoiadores do governo em todo Brasil. "Apesar do nome religioso é um movimento de caráter político e antidemocrático. A história não se repete, mas de maneira constrangedora a semelhança entre as marchas de hoje e de 1964 são as pautas antidemocráticas e conservadoras", finaliza.
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