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Guerra de outdoors no ES: a nova batalha a favor e contra Bolsonaro

Guerra de outdoors no ES: a nova batalha a favor e contra Bolsonaro

Por trás do apoio ou enfrentamento ao presidente, especialistas afirmam que há interesses políticos direcionados ao pleito municipal de 2020

Publicado em 7 de agosto de 2020 às 19:45

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Bento Ferreira/Terceira Ponte
Outdoors a favor e contra bolsonaro crescem nas ruas da Grande Vitória. (Vitor Jubini/Fernando Madeira)

Uma "guerra" política de outdoors tomou conta de ruas e avenidas da Grande Vitória e até mesmo do interior do Espírito Santo. Outdoor é proibido como meio de propaganda eleitoral, mas 2020 é ano de eleição municipal e nas peças espalhadas em praça pública não aparecem pré-candidatos a prefeito e sim o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).

Há peças contra e a favor do presidente. Sem pedir voto ou fazer ataques, elas são avaliadas como uma forma de liberdade de expressão por juristas. Mas não estão tão desvinculadas assim do pleito municipal.  "Há uma clara tentativa de associação de imagem do presidente a candidatos ao pleito municipal deste ano. Uma estratégia de grupos políticos, bem articulada e nada voluntária, para preparar a população para as eleições em novembro", avalia o advogado e ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES) Danilo Carneiro.

Um dos outdoors, em Vitória, também usou a imagem de Bolsonaro para fazer propaganda da hidroxicloroquina, remédio sem comprovação científica para o tratamento da Covid-19 e que somente pode ser vendido com receita médica. A prefeitura, baseando-se no Código Sanitário Municipal e em uma resolução da Anvisa (96/2008), mandou retirar.

E a "guerra" não é travada apenas com palavras ou outros outdoors. Há episódios de vandalismo tanto contra as peças pró-Bolsonaro quanto em relação às que são críticas. Pelo menos três casos foram registrados no mês de julho. A lei prevê punição  para esse tipo de atitude. 

QUANTO CUSTA E QUEM PAGA?

As peças a favor do presidente são financiadas por pessoas e movimentos de direita no Estado. Há envolvimento também de pré-candidatos. Algumas pessoas localizadas pela reportagem admitiram ter financiado a instalação dos outdoors, mas nem todos quiseram revelar quanto custou ou a fonte dos recursos. Quem informou as cifras citou em média R$ 1 mil e ressaltou que a verba veio de "cidadãos de bem".

Já para os outdoors contra o presidente o financiamento também vem de um movimento articulado. No Estado, as peças que surgiram até o momento foram pagas por um sindicato nacional de servidores. O grupo afirmou ter pago R$ 3,5 mil na placa.

NA GRANDE VITÓRIA

Mesmo sem incentivo de Bolsonaro, que afirma não estimular outdoors de apoio a ele, as peças que saem em defesa do presidente foram intensificadas durante a pandemia do novo coronavírus.

Na Capital, uma delas foi instalada na Avenida Marechal Mascarenhas de Moraes, mais conhecida como Avenida Beira-Mar. Em meio às artes do muro do Clube de Regatas Álvares Cabral, a foto de Bolsonaro aparece junto ao incentivo “Força presidente”, #fechadoscomBolsonaro. Quem pagou pelo serviço preferiu não assinar.  Segundo a agência responsável pela confecção do outdoor, o custo foi em torno de R$ 1.200.

Outdoor a favor do presidente Jair Bolsonaro colocado no clube Álvarez Cabral em Bento Ferreira.
Outdoor a favor do presidente Jair Bolsonaro na Avenida Marechal Mascarenhas de Moraes, em Bento Ferreira. (Vitor Jubini)

Cruzando a ilha pela ponte Camburi, outro outdoor é visto na entrada do bairro Jardim da Penha. A mensagem, assinada pelo grupo Amigos Motociclistas do Espírito Santo, também é favorável: “Acreditamos em Deus, valorizamos a família” #fechadoscomBolsonaro. 

Outdoors com mensagens a favor e contra o Presidente Bolsonaro
Outdoor com mensagens a favor de Bolsonaro em Jardim da Penha, Vitória. (Fernando Madeira)

Poucos metros depois, na Avenida Dante Michelini, mais uma peça. Desta vez, Bolsonaro é acompanhado de membros do governo, entre eles a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles e o ministro da Economia, Paulo Guedes. “Os capixabas apoiam Bolsonaro e sua equipe de governo. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, diz a mensagem, reproduzindo o slogan de campanha de Bolsonaro em 2018.

Na última semana, a mensagem apareceu pichada. A frase foi substituída por “Capixabas odeiam Bolsonaro e sua equipe de governo”. A equipe, aliás, foi chamada de milícia. O termo “Fake News” também foi escrito em cima da mensagem. Um outro outdoor, do mesmo grupo, também havia sido riscado em Vila Velha. Na cidade vizinha, as frases "Não nos investigue" e "Esquadrão da morte" foram pichadas.

Os autores da pichação podem responder por crime de dano, previsto no artigo 163 do Código Penal Brasileiro, segundo a Polícia Civil. A pena de detenção é de um a seis meses, ou multa.

Mensagem pichada por oposição
Outdoor do Movimento Ação Brasil foi pichado na Avenida Dante Michelini, em Vitória. (Reprodução/Instagram)

A peça original foi encomendada pelo Movimento Ação Brasil, que reúne pessoas com viés ideológico de direita no Estado. O grupo é um dos que têm financiado outdoors a favor do presidente na Grande Vitória e é bem organizado. Os membros do movimento não informam quantos espaços já foram comprados, mas há registros em pelo menos quatro avenidas de Vila Velha, entre elas Henrique Moscoso e a Rodovia Carlos Lindenberg, e outras três em Vitória: Avenida Beira-Mar, César Hilal e Rodovia Norte e Sul.

Nas redes sociais, o grupo afirma que mais de 17 outdoors já foram instalados "com arrecadação do dinheiro de patriotas”.

“Os nossos outdoors foram feitos com doações de cidadãos de bem. Com o intuito de mostrar que apoiamos o presidente Jair Messias Bolsonaro, principalmente agora que a esquerda e a imprensa tentam a todo modo colocar na conta do presidente o resultado da pandemia”, disse Romulo Lacerda, representante do Movimento Ação Brasil. Questionado sobre o preço dos outdoors, ele não respondeu. 

Mensagem é de apoio a Bolsonaro
Outdoor financiado pelo Movimento Ação Brasil . (Reprodução/Instagram)

Romulo Lacerda é autônomo e pré-candidato a vereador de Vila Velha. Nas redes sociais, se define como "um conservador fechado com Bolsonaro". Ele é parte de outros movimentos de direita no Estado, como o Direita Vila Velha, e já participou de manifestações em Brasília a favor do governo federal.

“Sabemos que foi o STF de forma arbitrária quem usurpou o poder do governo federal e deu aos governadores e prefeitos, que usaram a pandemia com fins políticos”, afirmou.

Romulo se refere à decisão do Supremo Tribunal Federal, no início da pandemia, dando autonomia a governadores e prefeitos para tomar decisões no combate ao novo coronavírus. Isso, contudo, não tirou a responsabilidade de Jair Bolsonaro, conforme analisado por diversos juristas. Mas o presidente tem usado esse tipo de narrativa para culpar governos estaduais e municipais pelas mortes causadas pela Covid-19 no país, doença que ele chamou de "gripezinha".

CONTRAGOLPE

O “contragolpe” desta guerra começou na última quarta-feira (05), em terreno bolsonarista. Trajeto de grandes protestos, muitos deles favoráveis ao presidente, a subida da Terceira Ponte, em Vila Velha, ganhou um outdoor contra Bolsonaro. Com uma foice na mão, representando a morte, o chefe do Executivo foi retratado na peça com a frase “A morte não pode governar o Brasil. Fora Bolsonaro”.

Outdoors com mensagens a favor e contra o Presidente Bolsonaro
Outdoor com mensagem contra o presidente Jair Bolsonaro na Terceira Ponte. (Fernando Madeira)

A hashtag #usemáscara também fazia parte do conjunto da placa. O uso do equipamento de proteção individual é obrigação em diversos estados, sujeito à multa em caso de descumprimento. Apesar das recomendações, o presidente raramente faz uso da máscara.

O local onde o outdoor contra Bolsonaro foi instalado é estratégico - há grande fluxo de veículos na Terceira Ponte - e um dos pontos mais caros na Grande Vitória. O custo é de cerca de R$ 3.500. A placa foi paga pelo Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe-Ifes) e faz parte de um movimento articulado em todo país.

O sindicato alega sofrer pressão do governo federal para voltar às aulas e que tem recebido ataques de apoiadores do presidente. O grupo tem um histórico de se posicionar politicamente em outros governos.

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A pressão para o retorno das aulas, sem segurança sanitária, tem aumentado. Temos sofrido vários ataques. Além desta questão da pandemia, temos também uma pauta contrária ao governo, que é omisso e insiste em medicar pessoas com remédios não comprovados. Nós, enquanto categoria e movimento organizado, nos sentimos no direito de nos manifestar diante daquilo que não concordamos

Representante do Sinasefe
Não quis se identificar
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A iniciativa, segundo representantes, é também uma reação a demonstrações de apoio ao presidente pelo país. "Quando você enche uma cidade de outdoor a favor do Bolsonaro fica parecendo que tudo aquilo é verdade, que só aquela narrativa existe. Por isso decidimos mostrar que também há pessoas que não apoiam e são críticas à forma que ele tem comandado o país", declarou um dos representantes que não quis se identificar por medo de represálias.

O Sinasefe tem se articulado para colocar um outdoor em cada cidade que possui um campus do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). O grupo afirma, contudo, que tem encontrado resistência para instalar outdoors em alguns municípios.

Em Ibatiba, no interior do Estado, a peça, colocada na última quinta-feira (06) durou poucas horas até ser destruída por um grupo de apoiadores de Bolsonaro. Um vídeo foi divulgado nas redes sociais no momento em que a placa era vandalizada. A entidade também disse que sofreu um ataque virtual logo após uma foto do outdoor em Vila Velha viralizar na internet. 

PREFEITURA DETERMINA RETIRADA DE OUTDOOR COM PROPAGANDA DE MEDICAMENTO

Na batalha de outdoors, uma peça apócrifa em Jardim Camburi gerou polêmica. Depois de quatro dias exposta na Avenida Carlos Martins, a Prefeitura de Vitória determinou a retirada da placa, que traz a imagem de Bolsonaro e uma caixa de sulfato de hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19. A afirmação “Covid-19, tratamento precoce salva vidas!!!” compõe a peça.  

O outdoor já tinha virado alvo de denúncia no Ministério Público Estadual (MPES), feita pelo advogado André Moreira, na última quinta-feira (06).

Outdoors com mensagens a favor e contra o Presidente Bolsonaro
Em Jardim Camburi, Bolsonaro virou garoto-propaganda em outdoor que incentiva uso de hidroxicloroquina. (Fernando Madeira)

Na notificação, feita pela Vigilância Sanitária de Vitória nesta sexta-feira (07), é dado um prazo de 48 horas para que a empresa responsável pela peça faça a substituição. De acordo com o executivo municipal, a publicidade fere o Código Sanitário do Município e o artigo 32 da Resolução 96/2008 da Anvisa.

Segundo o artigo, a propaganda de medicamentos sob controle especial, sujeitos à venda sob prescrição médica, com notificação ou retenção de receita, "somente pode ser efetuada em revistas de conteúdo exclusivamente técnico", dirigidas unicamente a profissionais de saúde habilitados. Em março deste ano, a hidroxicloroquina e a cloroquina foram incluídos na lista de medicamentos sob controle especial.

Além disso, a propaganda de hidroxicloroquina coloca em risco a vida das pessoas, o que, segundo o advogado João Eugênio Modenesi Filho, fere o Código de Defesa do Consumidor.  Os responsáveis podem inclusive responder penalmente por isso. 

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Os princípios que regem o Código de Defesa do Consumidor impõem a necessidade de que toda a divulgação seja baseada em elementos que não coloquem em risco a sociedade e inclui até mesmo uma tipificação penal em caso de infração. Nesse caso, tanto os responsáveis pela contratação da peça, quanto a empresa que forneceu os serviços podem responder penalmente por isso

João Eugênio Modenesi Filho
Especialista em Direito do Consumidor
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A peça em questão ganhou até cerimônia de inauguração na última segunda-feira (03) com a presença do deputado estadual e pré-candidato a prefeito de Vitória, Capitão Assumção e o presidente do partido Patriota em Vitória, Leonardo Monjardim, além de membros do movimento Ação Brasil, como Romulo Lacerda. Assumção disse que a placa foi paga com dinheiro "dos patriotas" e que custou cerca de R$ 1.000. Ele admitiu que contribuiu para o financiamento.

GUERRA DE OUTDOORS ESCONDE INTERESSES POLÍTICOS 

Os outdoors são uma forma antiga de comunicação e têm como objetivo produzir grande impacto em massa. Dificilmente eles passam despercebidos. Para o advogado Danilo Carneiro, ex-juiz do TRE-ES, as peças analisadas "ainda estão no terreno da liberdade de expressão". Ele ressalta, contudo, que elas podem estar sendo usadas por grupos políticos, interessados no pleito municipal, para burlar a lei. 

“O que me parece é que isso é um ensaio para as eleições municipais, uma forma de pré-candidatos vincularem suas imagens ao presidente. Ninguém paga outdoors sem um interesse por trás, é algo caro. Não consigo pensar que isso seja voluntário.”

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Para mim, é uma clara preparação para iniciar a guerra de propaganda nas eleições municipais. A Justiça Eleitoral precisa estar atenta porque pode ser uma forma de driblar a lei

Danilo Carneiro
Advogado e ex-juiz do TRE
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O especialista em comunicação política Roberto Gondo compartilha da mesma explicação de Carneiro. Para ele, por trás do apoio ou da rejeição que os outdoors manifestam por Bolsonaro, há uma nítida tentativa, articulada por grupos políticos, de trabalhar o imaginário das pessoas para as eleições municipais. 

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É uma forma de os grupos políticos conseguirem passar mensagens para a população e de forma muito ideológica, sem que envolva um candidato diretamente naquele momento. E isso é usado de forma muito estratégica

Roberto Gondo
Especialista em Comunicação Política
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"Sem dúvidas a pandemia acabou intensificando isso, até porque virou uma pauta do debate eleitoral. A forma de combate à Covid-19 no país criou um racha dentro de grupos políticos. Quem é apoiador do presidente, vai apoiar Bolsonaro e financiar cartazes a favor dele, da cloroquina, e associar sua imagem a isso. Quem é contra, vai fazer exatamente o contrário. Não podemos ignorar o debate político que a pandemia tomou no Brasil", finalizou. 

A guerra de outdoors está longe de acontecer apenas no Espírito. Em Sete Lagoas, Minas Gerais, as peças se tornaram um campo de batalha entre adversários e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. A estimativa de especialistas é que esse "fenômeno" aconteça em todo o país. 

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