O ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (sem partido) afirmou ter encerrado o ciclo de mandatos eletivos. Em entrevista concedida nesta segunda-feira ( 1º) ao programa Roda Viva, da TV Cultura, ele demonstrou não pretender voltar a ter uma vida partidária ou mesmo disputar eleições em busca de um novo mandato.
"Eu acho que a vida tem ciclos. Quando entrei na política, entrei contra a vontade do meu pai, que queria que eu desse continuidade às empresas. Eu precisava fazer bem feito as coisas no setor público, eu me esforcei em todos os mandatos para isso. Acho que tem de saber a hora de sair", comentou.
Hartung disse que, ao final dos seus dois primeiros mandatos à frente do governo capixaba, já pensou em deixar a vida política. "Eu achei que esse ciclo tinha se encerrado em 2010. Não anunciei que estava saindo e fui para a iniciativa privada. Ainda bem que não anunciei, porque voltei em 2014. Eu já tinha administrado o Espírito Santo, tirando do crime organizado, e foi ótima a experiência de administrar em um ciclo de recessão."
Ao ser lembrado na entrevista da greve da PM no Espírito Santo, em 2017, quando Hartung comandava o Executivo estadual, e do processo de politização das polícias, ele afirmou que os governadores têm condições de controlar suas forças policiais. Ele ainda afirmou que há um "flerte com a indisciplina" nas tropas e criticou mais uma vez a anistia dada aos PMs grevistas pela Assembleia Legislativa e pelo governador Renato Casagrande (PSB).
Durante a entrevista, Hartung reforçou as suas expectativas em relação a uma terceira via na disputa presidencial para quebrar a polarização entre o ex-presidente Lula (PT) e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Para isso, ele se mostrou um entusiasta da candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS).
"Toda eleição é uma caixa de surpresa e ainda estamos a 62 dias da eleição", afirmou Hartung, ainda esperançoso com o avanço da chamada terceira via, que ele prefere nomear como "centro expandido".
Ele também falou da necessidade de o próximo governo federal "corrigir desvios que foram implementados nos últimos anos" e citou, entre esses desvios, a emenda do relator do Orçamento da União, popularmente conhecida como orçamento secreto, criado em 2019 e utilizado pelo governo para angariar apoio parlamentar em algumas votações no Congresso Nacional.
Para o ex-governador, "é preciso que o presidencialismo tenha as ferramentas de governabilidade", e o próximo presidente precisará reorganizar esse processo de indicação de emendas para que o Poder Executivo tenha prioridade na gestão do orçamento. Confira abaixo alguns pontos da entrevista:
"Você pode especular sobre os riscos de uma ruptura institucional. Certeza, você nunca tem. Se não tinha no tempo das baionetas e tanques nas ruas, muito menos agora, com esse ciclo de enfraquecimento da democracia mundo afora, em que, na verdade, você está minando as instituições democráticas por dentro. Tem ameaças e acho que é de bom senso que a sociedade civil coloque limite nisso. Ou seja, que a sociedade civil coloque o pé na porta e estabeleça com clareza o que ela não tolera. É a segunda vez que a sociedade brasileira está de pé e dizendo o que não tolera. Dizer que ela é feliz com as instituições que temos aí não é verdade, queremos aperfeiçoar as instituições, queremos essas instituições funcionando melhor. Mas não queremos andar num retrocesso, por um caminho que já trilhamos e que deu completamente errado."
"Para os jovens que me escutam nesse momento, é importante dizer: a ruptura institucional que foi praticada na década de 1960 e o ciclo de exceção autoritária não deram certo. Deram muito errado, em todos os sentidos. A sociedade civil está colocando a sua posição de maneira muito forte. A gente não pensava que a carta seria assinada por essa quantidade de brasileiros de maneira tão rápida. São milhares de brasileiros assinando essa carta. Acho que o sinal está dado e esse é um bom caminho. O Brasil tem uma imprensa livre, atuante. Quando olho para o Brasil hoje, eu acho que a gente não tem uma tarefa só. A gente tem essa tarefa de fazer uma espécie de muro de contenção que proteja as instituições democráticas, para que elas possam passar por um processo de atualização e modernização. A segunda tarefa é debater com profundidade para onde vamos. Essa campanha polarizada não nos ajuda nisso, porque ela empobrece o debate sobre o presente e, principalmente, sobre o futuro do país."
"Eu não uso o termo terceira via. Eu chamo de alternativa e de centro expandido da política brasileira, que são os liberais, progressistas, reformistas, junto com a centro-esquerda, que mudou a sua visão sobre Estado e sobre a economia. Trabalho para que o centro expandido tenha força no debate sobre o futuro do Brasil. Você pergunta por que deu errado - deu errado até agora, porque o jogo está sendo jogado. Olha o exemplo da Colômbia, onde alguém que não era cogitado para ir para o segundo turno e quase ganhou a eleição. Não ganhou por uma diferença bem pequena. As eleições são caixas de surpresas.
Você pergunta: por que, até agora, esse projeto não tem a robustez proporcional ao que esse pensamento representa na sociedade brasileira? Se fosse há seis meses, talvez eu encontrasse alguma dificuldade para essa resposta, mas agora é possível dizer que não é fulano ou beltrano, é uma coisa objetiva: quebrar uma polarização como essa, que não é um problema só nacional, isso está presente nas democracias mundiais - olha o que aconteceu e continua acontecendo nos Estados Unidos, o que aconteceu no Brexit -, quebrar uma polarização não é fácil para ninguém. Não é fácil, mas também não é impossível. As convenções estão terminando e vamos começar o processo real da campanha daqui a pouco. Não tem facilidade. Hoje ficou claro que não é uma questão pessoal. Acabamos chegando ao nome de uma candidata nesse campo, a Simone (Tebet). (...)
Meu caso é valorizar a candidatura da Simone Tebet, que está melhorando o discurso, colocando a sua posição, torcer para que ela consiga fazer algo que o centro expandido tem encontrado dificuldade nos últimos anos, que é conectar a sua narrativa ao dia a dia da população."
"Sempre gostei das disputas nos campos das ideias, nos campos programáticos. Eu escrevi um artigo no Estado de S. Paulo em que eu mostro as contradições nos dois caminhos que estão liderando as pesquisas de opinião até o momento. Se em algum momento eu coloquei simetria de análise de um e de outro, de forma alguma.
(Eles) são diferentes, mas nesse momento precisamos colocar de pé uma alternativa à polarização e colocar, do ponto de vista programático, um outro caminho para o Brasil, que transforme o país, que coloque o Brasil como protagonista na economia verde, que encare os desafios da educação básica e busque inspiração nos bons exemplos, nas boas experiências feitas dentro do Brasil. Como transformar a estrutura precária do Brasil em geração de emprego e renda? É esse debate que precisamos fazer, buscar resolver o problema secular de saneamento."
"Você colocou um problema histórico (eleição de presidentes que se apresentam como antissistema como Jânio Quadros, Fernando Collor e Jair Bolsonaro), que não é apenas na escolha de presidentes, é também na escolha de caminhos. Uma política econômica que deu errado, passa um tempo você embrulha com outra embalagem e apresenta como se fosse uma coisa nova e renovadora. Deu errado durante a ditadura militar com o Geisel e repetiu agora. Não é só nas escolhas de personagens, que tem muito a ver com a cultura do Brasil de salvador da Pátria. Temos de convencer o conjunto da sociedade de que não tem salvador da Pátria.
Quem tirou o Espírito Santo das mãos do crime organizado? Precisou de um líder, mas foi a sociedade civil capixaba, lideranças religiosas, empresariais, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). A gente tropeça nos mesmos erros, mas não é só na escolha de presidente, é também na escolha dos caminhos. Ouso dizer que o Brasil está entre os 10 países com mais potenciais do planeta. A pergunta que não quer calar é: por que o Brasil é um país tão desigual? Estamos alimentando o mundo e vendo fome dentro do país. O problema é de escolha de caminho. Quando um candidato a presidente se recusa a ir a debate é muito ruim. Precisamos que eles debatam. Estamos cansados de frustrações. Precisamos debater o país."
"A minirreforma política foi boa para os partidos. Acho que a cláusula de barreira e o fim das coligações foram muito importantes. Acho que acabar com financiamento empresarial foi bom, não que eu concorde com o modelo que foi feito do fundão eleitoral atual. Vai precisar ter democracia nos partidos. Tem oligarquia nos partidos. Vai precisar ter critério para as candidaturas.
Tem um vazio de lideranças no país. Eu valorizo muito os movimentos como o do Luciano Huck e do Eduardo Leite (PSDB-RS), do Eduardo Paes (PSD-RJ) no Rio de Janeiro. Acho que podemos e devemos estimular novas lideranças, o próprio RenovaBR, temos de empurrar para que elas estejam presentes nos processos eleitorais."
"Falta o momento certo. Enquanto sociedade civil, precisamos estimular quem estiver interessado em participar da política.
A formação de lideranças é basicamente treinamento. Precisamos ensinar. Essa função deveria ser dos partidos políticos. As fundações partidárias deveriam estar ensinando os jovens a dialogar. O RenovaBr e outras organizações estão ocupando esse espaço. Queremos estimular que os partidos façam isso."
"O governo não tem que controlar preço de combustíveis e lubrificantes. Se quer baratear gás para determinado segmento da população, faz um programa, focaliza em quem precisa e usa dinheiro do orçamento. Dar subsídio genérico faz com que uma pessoa que tem lancha no litoral de São Paulo possa usar. A conta do populismo cai no colo de quem menos tem."
"Foi bom ou foi ruim para o povo? O teto, de certa forma, organizou as expectativas dos agentes econômicos. Não tem questão fiscal pela questão fiscal, tem que ser para cuidar da sociedade. No ano passado, quando foi criado o Auxílio Brasil, não precisava furar o teto, nem suspender o pagamento de precatórios."
"Acho que temos de corrigir os desvios que foram implementados nos últimos anos. Tentamos implementar o parlamentarismo duas vezes no Brasil. O presidencialismo está aí depois de duas consultas. É preciso que o presidencialismo tenha as ferramentas de governabilidade. A gestão do orçamento é o Executivo que precisa ter primazia. Ah, vamos ter uma emenda impositiva parlamentar. Pode ser que uma negociação pode ser feita nesse ponto, mas isso deve ser o limite.
A emenda do relator nós derrubamos no Congresso quando eu era deputado federal, na época do escândalo dos Anões (do Orçamento). Um futuro governo tem como tarefa reorganizar esse processo. Se usar a força da eleição no início, se sentar na cadeira sabendo o que precisa ser feito, consegue."
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta