Homem, branco, casado, 51 anos, com ensino superior completo e empresário. Essas são as características que mais se repetem entre os 374 candidatos a prefeito nas eleições deste ano no Espírito Santo. O perfil médio dos concorrentes representa um padrão na política brasileira, mas que está bem distante da população.
Em 2016, as mesmas características foram identificadas entre aqueles que disputavam as prefeituras no Estado. Em relação ao último pleito, houve um crescimento de candidaturas negras e de mulheres, mas ainda insuficiente para mudar a representação de grupos tradicionais na política.
Na avaliação de especialistas, um cenário mais diverso deve ser observado a longo prazo. No entanto, a mudança precisa começar dentro dos próprios partidos.
Para encontrar o perfil médio candidato a prefeito no Estado, A Gazeta realizou um recorte de gênero, raça, faixa etária, escolaridade, profissão e estado civil do total de postulantes ao Executivo nas 78 prefeituras. O levantamento foi feito com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acessados às 13h de terça-feira (6). Os números ainda podem ter alterações, com a atualização dos dados pelo órgão ou até com indeferimento e renúncia de candidatos.
Dos 374 candidatos a prefeito em 2020, 88,5% são homens e 70% são brancos. Chama a atenção ainda que 60% deles possuem ensino superior, ou seja, cursaram uma faculdade. Apesar da diversidade de profissões, a mais comum é a de empresário, ocupada por 12% dos concorrentes. Além disso, 73% deles são casados.
A predominância de homens brancos, de classe mais alta e idade avançada no caso dos candidatos a prefeito a média é de 51 anos não é exclusiva à política capixaba. De acordo com o cientista político e professor da UERJ Maurício Santoro, o perfil é recorrente no país, principalmente em cargos de poder.
É um espelhamento da elite brasileira, das pessoas que ocupam os espaços de poder. E isso não é novo e nem acontece só no Executivo municipal, mas também nos Estados com governadores, na esfera federal com o presidente e também no Senado, afirma.
Esse retrato, no entanto, é bem diferente do perfil do eleitor capixaba, em sua maioria formado por mulheres, negros, com menos de 49 anos e baixa escolaridade. São grupos que, na avaliação da professora do Instituto de Ciência Política da UNB Danusa Marques, estão historicamente sub-representados no pleito por serem preteridos pelos partidos.
Grande parte dos dirigentes são homens, brancos, com influência, que acabam por reproduzir esse padrão na hora de recrutar candidatos que eles julgam mais competitivos, afirma.
Dados do IBGE mostram que 62% da população do Espírito Santo é composta por negros (pretos e pardos, de acordo com a classificação). Mas em 2020, eles representam apenas 29% dos candidatos a prefeito. Essa sub-representação também pode ser verificada em relação às mulheres. Elas correspondem a 11,5% das candidaturas para o cargo majoritário, mas são 52% dos capixabas.
São marcas estruturais da história do país que não integrou negros após a abolição da escravatura e que, desde a colonização, impôs às mulheres uma condição subalterna, seja por um reforço ideológico cultural e pela divisão do trabalho, seja pela violência, explica a socióloga e professora da Ufes Lívia Moraes.
A manutenção de um grupo homogêneo na política capixaba não apresenta vantagens para o eleitor, segundo Santoro. A falta de diversidade nas urnas dificulta a pluralização de ideias e consequentemente a elaboração de políticas públicas que atendam toda a população.
Para ele, mudar esse cenário, hoje dominado por homens brancos empresários, demanda tempo e comprometimento dos partidos e da sociedade. Sartoro, contudo, é otimista quanto a isso.
Dados recentes do TSE apontam para um cenário mais diverso no futuro, com transformações que já começaram pelos cargos nos Legislativos. Este ano, o número de candidatas mulheres é 38% maior do que na última eleição. No caso dos negros, o aumento foi de 25%.
A gente está começando pela base, pelas candidaturas a vereador, deputado, e vai caminhando até conseguir chegar ao topo, nos cargos majoritários de prefeito, governador, presidente. Eu diria que hoje estamos na fase inicial desse processo. Temos muitas mudanças positivas ocorrendo, mas o impacto é a longo prazo, ressalta.
Apesar de não serem a única solução, as políticas afirmativas se mostram necessárias nesse processo, na visão da socióloga Lívia Moraes. Nos últimos anos, a cota de gênero, que determina que as vagas sejam ocupadas por cada gênero nas proporções de 30% e 70%, tem levado ao aumento de mulheres no pleito.
Esse crescimento também é observado na quantidade de candidatos negros, que são maioria em 2020. O número deve ser maior nos próximos pleitos, com a criação da cota financeira racial este ano. A medida determina distribuição do dinheiro do fundo eleitoral de forma proporcional à quantidade de candidaturas negras, e visa ampliar a competitividade desses candidatos.
A socióloga ressalta, contudo, que é necessário o comprometimento dos partidos e principalmente fiscalização na execução destas políticas. Já que muitas dessas ações têm sido usadas de forma fraudulenta, como ocorreu com as candidaturas de mulheres laranjas.
Ainda que muito necessárias, não bastam políticas de reparação que estabelecem cotas de gênero e raça para eleições, quando não há, por um lado, algum tipo de fiscalização de como isso tem se dado no interior dos partidos, finalizou.
O retrato dos concorrentes ao pleito de 2020 muda consideravelmente quando se analisa as candidaturas a vereador. Enquanto o perfil médio dos candidatos a prefeito é um espelho da elite brasileira, o dos candidatos às Câmaras municipais está mais próximo do eleitor capixaba: são negros, mais jovens e com um nível de escolaridade mais baixo.
Dos mais de 11 mil concorrentes a uma cadeira no Legislativo municipal no Espírito Santo, 54% são pretos ou pardos e 40% têm o ensino médio completo. Apenas 20% cursaram uma faculdade.
A profissão mais comum é a de agricultor. Ela é ocupada por 8% dos candidatos. Já os empresários, profissão mais comum entre os postulantes a prefeito, são 5% dos concorrentes. Além disso, a média de idade é menor entre os que buscam o cargo de vereador: 46 anos.
Essa diferença de perfil nas candidaturas proporcionais, para vereador, e majoritárias, para prefeito, é explicada pela professora do Instituto de Ciência Política da UNB, Danusa Marques. De acordo com ela, na disputa para o Legislativo há mais assentos disponíveis, o que permite mais diversidade nas características dos candidatos.
Mas quando tem só uma cadeira na disputa, que é o caso da eleição para prefeito, governador ou presidente, o partido tem que escolher uma candidatura competitiva e apostar todos os recursos nela. Isso acaba privilegiando homens brancos de classe alta, que é o padrão de sucesso político brasileiro, bem diferente do perfil da população brasileira, completa.
Apesar dos homens ainda serem a maioria, tanto em candidaturas majoritárias quanto proporcionais, as mulheres têm mais espaço no Legislativo. Elas são 34% das candidatas a vereadora este ano. Já na disputa para as prefeituras, elas representam apenas 11,5%.
Na visão do cientista político Maurício Santoro, os dados refletem um preconceito estrutural na sociedade: quanto menos poder um cargo representa, maior é a abertura para minorias.
Há, sem dúvidas, mais facilidade de acesso das mulheres a cargos de vereador e até mesmo para compor chapas de vice. E isso é explicado pela ideia que a sociedade tem do papel da mulher, de cuidar, apoiar. Os partidos até abrem espaço para as mulheres, mas desde que não seja para ocupar posições de comando, finaliza.
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