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Igrejas e terreiros terão candidatos nas eleições de 2020 na Grande Vitória

Igrejas e terreiros terão candidatos nas eleições de 2020 na Grande Vitória

Pastores, médiuns, babalorixás, pais de santos e sacerdotes estão entre os cotados para disputar vagas em prefeituras e Câmaras da Região Metropolitana. Para especialistas, uso da religião como plataforma política é perigoso

Publicado em 27 de fevereiro de 2020 às 07:18

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Cerimônia na Fraternidade Tabajara: médiuns da instituição serão candidatos a vereador. (Marcelo Prest/Arquivo)

Lideranças religiosas de diferentes denominações da Grande Vitória já estão atentas às eleições municipais deste ano. Ainda adotando o discurso de indefinição sobre os cotados e aguardando os partidos fecharem suas listas de candidatos, religiosos afirmam que vão colocar nomes de pastores, médiuns, babalorixás, pais de santo e sacerdotes na disputa eleitoral.

A maioria dos cargos almejados é para os Legislativos municipais. Para a eleição de prefeito, até o momento, apenas um nome mais ligado a entidades religiosas deve se lançar ao cargo. Filiado ao MDB, o presidente da Convenção das Assembleias de Deus no Estado do Espírito Santo (Confrateres), pastor Ivan Bastos, já se declara em suas redes sociais como pré-candidato em Cariacica. 

"Não é porque sou uma liderança evangélica que quero espiritualizar Cariacica. Eu tenho um projeto para a cidade, quero focar na Saúde e na Segurança. Fiz um curso de gestão pública e venho me preparando desde 2018 para isso. Outras religiões, a católica, a espírita e o candomblé também terão espaço. Queremos unir forças e não dividir. A experiência que trarei, desses 35 anos como pastor, é o tato para lidar com pessoas. Apenas isso", explica Bastos.

Pastor Ivan Bastos, pré-candidato a prefeito de Cariacica. (Reprodução/Redes sociais)

Para o presidente da Associação dos Pastores Evangélicos da Grande Vitória (Apegv), Enoque de Castro, há uma "boa quantidade" de pastores tentando se viabilizar para as eleições. Como muitos ainda não se lançaram oficialmente, Enoque prefere não citar  nomes e estimativas. Ele já participou das eleições em 2012, compondo chapa com Montalvani de Souza (à época no PRTB), candidato a prefeito de Vitória naquele ano, mas revela ter deixado para trás a trajetória política.

"Muitos partidos, neste momento de candidaturas com chapas puro-sangue, com o fim das coligações para a disputa de vereador, têm procurado lideranças religiosas para se candidatar. Às vezes, muitos entram sem a perspectiva de ganhar, mas ajudam a eleger alguém, com votos de legenda", analisa o pastor.

Nas Câmaras da Grande Vitória, as últimas eleições tiveram 21 candidatos que eram pastores ou pastoras, mas apenas um se elegeu. Eleito pela primeira vez em 2016, o vereador da Serra Ailton Rodrigues (PSC) é pastor da Assembleia de Deus.

A Igreja Maranata disse que vai se manter neutra e não dará apoio ou espaço a nenhum candidato. A Convenção das Igrejas Batistas do Espírito Santo informou que as igrejas têm autonomia para deliberar sobre as eleições.

Yara Marina, presidente estadual do Tucanafro, do PSDB, e pré-candidata a vereadora em Vila Velha. (Acervo pessoal)

RELIGIÕES AFRICANAS TAMBÉM BUSCAM ESPAÇOS

Ainda reféns de ataques e preconceitos, membros de centros e terreiros de religiões de matriz africana querem buscar os cargos públicos para lutarem pela preservação de seus direitos constitucionais.

Nas últimas eleições, em 2016, foram duas candidatas que eram mães de santo, uma na Serra e outra em Cariacica, mas nenhuma delas se elegeu. Em 2020, quem irá disputar uma vaga de vereadora é a sacerdote da Casa do Caboclo Malunguinho, Yara Marino (PSDB), de Vila Velha. Ela é umbandista e participará de sua segunda eleição. Yara disputou, em 2018, uma vaga como deputada estadual, mas recebeu 746 votos e não foi eleita.

Para ela, buscar a vida pública é uma necessidade. "Dizem que o Estado é laico, mas não há laicidade, nem equidade. Temos visto o avanço da bancada evangélica no poder público. Cada vez temos menos acessos a direitos constitucionais que são nossos, por parte de políticos evangélicos que ainda têm uma visão preconceituosa da gente", afirma.

Ela conta que enfrenta preconceito até dentro dos partidos. Representante do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais e Matriz Africana no Espírito Santo, Yara explica que há vários pré-candidatos do candomblé e da umbanda que adotaram a estratégia de se espalhar em diferentes partidos. "É a forma que a gente considerou mais produtiva de viabilizar nossas candidaturas."

Em Cariacica, a Fraternidade Tabajara deverá ter dois médiuns na disputa eleitoral, segundo o médium-chefe da casa, Luiz Alberto Labuta. "Teremos dois candidatos, um na Serra e outro em Cariacica. Vamos orar para eles, mas não vamos fazer campanha durante nossas cerimônias. O que pedimos é para que os frequentadores tenham sabedoria na hora de escolher", comenta, sem citar nomes dos cotados.

IGREJA CATÓLICA

A Igreja Católica não deve ter membros consagrados, como padres, freis ou freiras, na disputa eleitoral. A reportagem conversou com alas mais politizadas da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo que disseram não ter nomes sendo cogitados. Procurado, o arcebispo de Vitória, Dom Dario Campos, disse, via assessoria, que ainda não tratou do tema eleições no conselho da arquidiocese.

Os católicos são os mais restritivos quanto à eleição de seus líderes. O Código Canônico proíbe que clérigos, sacerdotes ou diáconos filiem-se a partidos ou concorram a cargo político. Para se candidatar, eles precisam ser afastados das funções ministeriais. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Padre Honório em 2014, quando se filiou ao PT e concorreu para ser deputado estadual. Atualmente, o padre, sem mandato, voltou a atuar na igreja e é pároco em Teófilo Otoni, Minas Gerais.

Sessão solene dos 108 anos da Assembleia de Deus realizada na Assembleia Legislativa. (Lissa de Paula/Assembleia Legislativa)

RELAÇÃO DE RELIGIÃO E POLÍTICA É ARRISCADA, DIZEM ESPECIALISTAS

A religião e a política, ao longo da história da humanidade, sempre estiveram lado a lado e, até hoje, há Estados que se valem de dogmas religiosos para exercer seus governos. Contudo, a "evolução" democrática caminha, segundo especialistas, para separar os dois campos.

"A rigor, não tem problema um soberano ser religioso, o problema é ele impor sua religião aos outros", pontua o professor de Ética do curso de Direito da Ufes, Júlio Pompeu. Ele explica que bons líderes espirituais não são sinônimos de bons gestores ou agentes políticos. "A pessoa pode ser ótima ao falar sobre fé. Agora, se ela não souber como funciona o poder público, como legislar, o papel de cada cargo e as limitações que existem neles, em nada ela vai acrescentar", afirma.

Para o cientista político Fernando Pignaton, o aparecimento de religiosos na política, principalmente de evangélicos, sobretudo a partir dos últimos 30 anos, se deve ao crescimento das religiões neopentecostais. Pignaton explica que uma parcela do discurso dessas denominações parte do princípio da doutrina da prosperidade, onde a fé está associada ao sucesso profissional.

"É uma marca da política brasileira, do individualismo político, da eleição de personagens bem-sucedidos, ou que se vendem dessa forma, em vez da busca pelo debate de ideologias. Assim como muitos pastores fazem de suas igrejas empreendimentos da fé, também fazem de sua carreira política um empreendimento", opina.

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Pompeu aponta que é preciso ter cuidado com candidatos que se colocam como os "escolhidos por Deus". "É preciso ter cautela com quem diz que vai promover mudanças radicais. Esse discurso é característico de quem não conhece os limites democráticos dos cargos públicos", alerta.

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