Durante 31 anos, o jornalista piauiense Carlos Castello Branco assinou uma coluna diária na página dois do Jornal do Brasil. Castelinho, como era chamado, completaria 100 anos em 2020. De sua primeira publicação em 1962 até o seu último texto em 1993, poucos dias antes da sua morte, ele viu dois presidentes eleitos renunciarem, um golpe militar e a redemocratização do Brasil, e viveu sob a vigência de três constituições.
O tom crítico da sua coluna (gênero jornalístico geralmente opinativo com periodicidade de publicação), que não poupava nem amigos, o levou à prisão em 1968. Mas, por sua popularidade em todo o país, Castelinho conseguiu driblar a censura e ser uma das poucas vozes a criticar o regime militar. Mesmo quem foi criticado por ele reconhece a precisão de suas análises. Por isso, foi leitura obrigatória para políticos e jornalistas durante três décadas. Os textos dele ajudavam a entender o contexto da política dos militares, algo que não os agradava.
Professor de jornalismo da Ufes, Victor Gentilli trabalhou em redações de jornais entre 1975 e 1988 e lembra como a coluna do Castelinho era, por si só, um fato político do dia. "O Jornal do Brasil e a 'Coluna do Castello', como era chamada, era a primeira coisa que fazíamos ao chegar no jornal", lembra. Ele destaca a sobriedade do texto de Castelinho, que inaugurou no país uma forma mais moderna de se fazer crônicas políticas, com análises mais baseadas em apuração jornalística do que discursos ideológicos inflamados, como eram mais comuns antes dele.
A historiadora e editora da Fundação Getúlio Vargas, Marieta Ferreira, entrevistou Castelinho e o diretor do Jornal do Brasil, Nascimento Brito, na década de 1980. Para ela, Castelinho contou que teve alguma liberdade para trabalhar do início da ditadura até 1968, ano em que foi decretado o AI-5, que institucionalizou a censura prévia. O colunista foi preso no mesmo dia em que o ato foi publicado, ficou detido por dois dias e a coluna foi proibida de ser publicada durante algumas semanas.
"Nesse momento, ele vinha com críticas muito fortes sobre a forma como o regime vinha endurecendo e sufocando os opositores. Ainda assim, os militares não queriam acabar com a coluna dele, porque sabiam que seria algo muito ruim para a imagem do governo. Nessa época, o Jornal do Brasil era o mais importante do país e o Castelinho era um dos símbolos do jornal. Nos anos seguintes, com a censura em cima de todos os veículos, ele era, como o próprio Nascimento Brito dizia, uma janela de informação sobre o que de fato acontecia no país", conta.
Com a chegada de Ernesto Geisel à Presidência, em 1974, e o aceno à redemocratização, Castelinho passou a ter mais liberdade para escrever. As análises dele deram voz para aqueles que seriam nomes importantes para o movimento das Diretas Já e da Assembleia Constituinte que se construiriam a partir dali.
O jornalista carioca Maninho Pacheco, que mora há 13 anos no Espírito Santo, trabalhou em Brasília durante seis meses, no período em que a Assembleia Constituinte se reunia para construir a nova Constituição. Ele conta do dia em que foi apresentado a Castelinho, de quem já era admirador. Pacheco era assessor de imprensa de um grupo sindical de servidores que foram demitidos por perseguição política durante a ditadura militar.
"Ele era uma lenda entre os jornalistas veteranos em Brasília, sempre era visto nos bastidores. Passou por vários momentos da política brasileira, mas sempre teve uma grande rede de fontes nos Poderes. Em 1990, por exemplo, mesmo com mais de 70 anos, ele tinha um trânsito incrível com a equipe ministerial do Collor, que havia sido totalmente trocada. Eram pessoas novas, poucos conheciam. O texto dele era primoroso, uma aula de jornalismo", destaca.
A família de Carlos Castello Branco criou um site, em que publica todos as suas colunas, de 1962 a 1993, além de depoimentos de jornalistas que conviveram com ele. Entre eles, está o colunista do jornal O Globo Merval Pereira, que atuou com Castelinho no Jornal do Brasil e o coloca como uma figura histórica do colunismo brasileiro.
"Ele é o patrono dos colunistas políticos brasileiros, o maior entre nós todos. A 'Coluna do Castello' teve provavelmente o mais influente papel que o jornalismo pode exercer na política brasileira, e não apenas metaforicamente. No período mais negro da ditadura militar, ele dizia que 'o Congresso só existiu na minha coluna'", escreveu Merval para o livro "Brasileiros", da Nova Fronteira.
Na página, ainda há homenagens feitas por Gilberto Gil, Roberto D'Ávila, Elio Gaspari, Leilane Neubarth, Cristiana Lobo e Orlando Brito, entre tantos outros.
"Por sua independência de pensamento e por essa arte de observar a política com isenção, sem se deixar contaminar pelas paixões partidárias, ele continua muito atual, nesses tempos de ódio e intolerância. Saudades Castelinho", disse o jornalista e escritor Zuenir Ventura.
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