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Jaqueline Moraes era camelô perto do palácio que hoje governa

Jaqueline Moraes era camelô perto do palácio que hoje governa

Há 15 anos, a hoje vice-governadora era ambulante na Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória, e chegou a ser detida pelo comércio informal. Agora, comandará o Palácio Anchieta por uma semana

Publicado em 21 de setembro de 2019 às 09:20

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Quinze anos atrás, a hoje governadora interina Jaqueline Moraes (PSB) já dava expediente no Centro de Vitória, ali bem pertinho do Palácio Anchieta. A Praça Costa Pereira era o local de trabalho dela, que ganhava a vida como camelô. A lida como comerciante informal fez com que a banca dela fosse, algumas vezes, visitada pela polícia. Pela mesma polícia que entre esta sexta-feira (20) e a próxima está sob o comando da ex-vendedora.

Foto de 2004 mostra Jacqueline Moraes trabalhando como camelô na Praça Costa Pereira. (Gildo Loyola)

A transmissão do cargo de chefe do Poder Executivo para a vice, em razão de viagem do governador Renato Casagrande (PSB) à Itália, é um fato histórico. Desde a proclamação da República, em 1889, é a primeira vez que uma mulher senta à cadeira mais importante do Palácio Anchieta.

A trajetória de Jaqueline dá ainda mais carga simbólica ao fato. Natural de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, veio para o Espírito Santo ainda menina. Mulher negra e mãe de três filhos (Mirielly, 25; Avellyna, 17; e Isac, 3), mora ainda hoje no bairro Operário, em Cariacica, onde destacou-se como líder comunitária. Hoje, aos 44 anos, está no oitavo período do curso de Direito.

Jaqueline Moraes no gabinete como governadora em exercício, em 2019. (Ricardo Medeiros)

Além da atuação ativa no bairro, liderou uma associação de vendedores ambulantes. De 1994 a 2007, ela e o marido, o ex-vereador e também ex-camelô Adilson Avelina (Podemos), tiravam o sustento da família da Praça Costa Pereira, com todas as intempéries inerentes a esse tipo de ofício.

"Naquele momento eu lutava pela minha sobrevivência, pelo direito de poder comer, de poder investir. Nossa luta é para que as mulheres e toda a sociedade tenham esse direito. Passaram 15 anos, as lutas continuam. Não as mesmas. Mas o desejo de ver uma sociedade melhor, mais justa e mais igualitária continuam", disse após ser a primeira mulher no Estado a dar o autógrafo no livro oficial de posse.

A atividade informal já fez Jaqueline ter mercadorias apreendidas e ser levada para esclarecimentos no Departamento de Polícia Judiciária (DPJ), como mostram registros de 2004 de A Gazeta.

Jaqueline foi conduzida ao DPJ de Vitória para depoimento, em 2004, após tentar armar barraca na Costa Pereira . (Gildo Loyola)

A segunda filha de Jaqueline era bem pequena na época da venda de mercadorias, mas guarda algumas lembranças marcantes. "Essa parte de quando fomos camelô foi a em que mais passamos sufoco, tanto financeiramente quanto de moradia e essas coisas. Hoje, na mesma cidade em que batalhamos tanto, estar num nível melhor é algo que marca bastante", contou Avellyna. Já filiada ao PSB, ela não descarta seguir os passos dos pais nas política.

A cerimônia de transmissão do cargo realizada nesta sexta em alguns momentos lembrou as solenidades oficiais de 1º de janeiro. A massa de convidados e apoiadores não coube na antessala do gabinete oficial e levou o evento para o Salão São Tiago. Na entrada do ambiente, Jaqueline recebeu inúmeros cumprimentos, flores e sacou dezenas de selfies.

"Quando você tem a vivência na veia, quando você sabe o que já passou e seus desafios são grandes, ou você chora ou você vende lenço. Eu sempre escolhi vender lenço (...) É um momento histórico. As mulheres precisam dessa representatividade. Não só elas, mas os negros. Precisam ocupar os espaços de fala, de poder, de decisão", comentou.

Foto de 2004 mostra Jacqueline Moraes trabalhando como camelô na Praça Costa Pereira. (Gildo Loyola)

Além de recontar a própria história, a governadora interina aproveitou parte do discurso para lembrar das incertezas que pesaram sobre a capacidade dela de substituir Renato Casagrande. "Ainda na campanha, ouvi questionamentos do tipo: 'será que essa mulher conseguirá governar o Estado?' Questionamentos mais maldosos diziam: 'o governador não poderá pegar nenhuma gripe'."

Respondeu esses comentários com a seguinte frase: "o bom líder não precisa saber todas as respostas. Basta fazer as melhores perguntas, cercar-se de pessoas melhores que ele e servir e empoderar os outros".

CANDIDATURA

Em 2018, Jaqueline disputaria uma vaga na Câmara dos Deputados. Como não é rara a remoção de candidaturas femininas em eleições, ela achou que esse seria o mote de Renato Casagrande para com ela em conversa no período da pré-campanha anterior.

A remoção foi confirmada, mas para "promovê-la" à candidata a vice. "Eu tinha plena convicção que era fundamental que expressássemos o que as mulheres conquistaram, o direito de fazer parte das decisões do centro do poder no Estado. Era importante que o sinal que estivéssemos dando para a sociedade era o de estarmos reconhecendo todo o caminhar das mulheres no Estado. Ter uma vice era esse reconhecimento", discursou o governador nesta sexta.

Também foi a primeira vez que a chefe do cerimonial do Palácio Anchieta, Hilda Cabas, aos 91 anos, organizou a transmissão de cargo para uma mulher. "É emocionante. Pela primeira vez uma mulher, negra, ocupa esse espaço. É muito orgulho para nós. Fiquei feliz", disse.

A semana de um governador ou de uma governadora não é só de homenagens, fotos e tapas nas costas. Há uma série de crises, decisões complexas e demandas a serem resolvidas.

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"Temos um alinhamento no governo de conduzi-lo com muito diálogo. É um governo que dialoga com tudo. Nem tudo nós podemos fazer. Mas o que não pudermos vamos olhar no olho e falar a verdade. As pessoas precisam entender que a política tem que ser um instrumento de verdade, olhar no olho, dizer o que dá e não dá e de perguntar 'vamos resolver juntos?'".

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