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Jornalista preso e políticos integram milícia digital no ES, diz MP

Jornalista preso e políticos integram milícia digital no ES, diz MP

Investigações do MPES apontam  que eles utilizam um site, redes sociais e até discursos parlamentares para a divulgação de fake news, falsas comunicações de crimes, denuncias caluniosas e ameaças contra o STF

Publicado em 16 de dezembro de 2022 às 17:20

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Jackson Rangel, Capitão Assumção, Carlos Von e Armandinho Fontoura são apontados em petição como membros de
Jackson Rangel, Capitão Assumção, Carlos Von e Armandinho Fontoura são apontados em petição como membros de "milícia digital". (Montagem A Gazeta)

Um jornalista e pelo menos três políticos integram uma milícia digital no Espírito Santo. Segundo as investigações conduzidas pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), eles utilizam um site de notícias, suas mídias sociais e até discursos parlamentares para a divulgação de informações fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denuncias caluniosas e ameaças contra o Supremo Tribunal Federal (STF), seus ministros e outras autoridades.

Em decisão que resultou em prisões e buscas e apreensões no Estado, executadas pela Polícia Federal nesta quinta-feira (15), o ministro Alexandre de Moraes informa que as provas apresentadas pelo MPES demonstram que eles participam de uma possível organização criminosa que usa uma rede de apoiadores de forma sistemática para criar ou compartilhar mensagens.

Aspas de citação

Essa organização criminosa, ostensivamente, atenta contra a Democracia e o Estado de Direito, especificamente contra o Poder Judiciário e em especial contra o STF

Alexandre de Moraes
Ministro do STF
Aspas de citação

Segundo o Ministério Público, fazem parte da milícia digital o jornalista Jackson Rangel Vieira, o vereador de Vitória Armandinho Fontoura (Podemos) – ambos presos na operação da PF –, além dos deputados estaduais Capitão Assumção (PL) e Carlos Von (DC), que estão sob monitoramento eletrônico (com tornozeleira). Também conta com a participação do advogado Gabriel Quintão Coimbra.

De acordo com as investigações, eles atuavam com uma “clara divisão de tarefas” para promover “sistemáticos ataques ao Supremo Tribunal Federal e às instituições republicanas”. Apontam ainda que haveria um “alinhamento discursivo e ideológico de todos os envolvidos”.

Jornalista preso e políticos integram milícia digital no ES, diz MP

Como era a atuação do grupo

O jornalista Jackson Rangel seria a "ponta do vértice que conecta toda a milícia digital". O periódico do qual ele é sócio (um site sediado em Cachoeiro de Itapemirim), segundo as investigações do MPES, funciona como veículo gerador das fake news contrárias à existência dos poderes constituídos e seu pleno funcionamento.

“Funciona ainda como instrumento que viabiliza o auferimento de vantagem financeira pela associação criminosa, em especial mediante lavagem de valores, levada a efeito mediante pagamentos perpetrados por interpostas empresas”, diz o texto do MPES.

Uma das estratégias identificadas pelas investigações foi a criação de denúncias sem fundamentos, que eram protocoladas no MPES e, então, serviam de munição para as matérias publicadas no site. Eram feitas “deflagrações de procedimentos imputando ilícitos sabidamente falsos às vítimas, que alimentam o conteúdo (e proporcionam vantagens financeiras) para o periódico Folha do ES”, diz o texto do MPES.

Jackson Rangel é investigado pelo MPES há pelo menos dois anos
Jackson Rangel é investigado pelo MPES. (Reprodução/YouTube)

A Gazeta apurou que essas informações falsas, que visavam prejudicar grupos ou indivíduos adversários, eram apresentadas ao MPES sob a forma de denúncias na ouvidoria do MP. Como qualquer denúncia apresentada ao órgão, era distribuída para verificação dos fatos, o que gera um número de protocolo.

Com base nesse protocolo, eram feitas matérias no site Folha do ES alegando que o MP estaria investigando aqueles fatos.  Na maior parte dos casos,  porém, a investigação ainda não existia, não chegou a ser feita ou foi arquivadas por falta de provas. “O modus operandi empreendido pelo agente (Jackson Rangel) evidencia a prática de diversas denunciações caluniosas”, diz o texto do MPES.

Por conta da disseminação de fake news, há mais de 30 processos que tramitam na Justiça estadual contra Rangel em supostos atos ilícitos, lista que foi apresentada ao STF. Além do site de notícias, a investigação relata que Rangel utilizava suas contas nas redes sociais — Twitter, Instagram e Facebook — para a propagação dos conteúdos de desinformação.

“Do que consta até aqui apurado, tem-se, pois, que o jornal-site Folha do ES e o (pseudo) jornalista Jackson Rangel são células de organização que se instalou na rede mundial de computadores para conspurcar [manchar] a honra, a imagem, a honorabilidade, a moral e dignidade de uma gama de atores constitucionais e, no particular, do STF”, diz o texto do MPES.

As publicações, segundo a investigação, são frequentes. É dito ainda que ele tem “um extenso histórico de abusos no exercício da liberdade de imprensa e de expressão, com ataques a diversas outras instituições”.

Participação de Carlos Von

 Segundo a investigação, o deputado estadual Carlos Von e o jornalista participaram “da empreitada criminosa” na criação de supostas denúncias junto ao MPES para embasar notícias falsas, conexão provada pela similaridade dos textos protocolados no órgão pelos dois. “Com frequência, se verifica manifesta identidade entre as representações formuladas por ambos os agentes perante o MPES”.

Além disso, o MP afirma que o parlamentar promove em suas redes sociais pronunciamentos "virulentos e criminosos" contra ministros do STF. "Quer dizer que o ministro Alexandre de Moraes é vítima, investigador, acusador e julgador? Tudo ao mesmo tempo? Existe isso em algum outro lugar do mundo? Infelizmente, ele acabou com qualquer reputação positiva que o STF poderia ainda ter", diz postagem citada nos autos.

Deputado estadual Carlos Von
Deputado estadual Carlos Von. (Ana Salles/Ales)

Atuação de Armandinho

Assim como os outros envolvidos no esquema, Armandinho Fontoura (Podemos) também utiliza suas redes sociais para fazer críticas ao STF em falas e discursos que “ultrapassam regular exercício da liberdade de expressão”, segundo as investigações.

Apontam que o tom que utiliza em seus discursos ajuda a “incitar a subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.

O vereador ainda é colunista do Folha do ES e, segundo o MPES, também lança mão do mesmo esquema de criar representações e denúncias junto ao MPES para criar supostas matérias produzidas pelo jornalista Rangel.

Vereador de Vitória Armandinho Fontoura (Podemos)
Vereador de Vitória Armandinho Fontoura (Podemos). (Câmara de Vitória)

As ações de Assumção

O deputado estadual Capitão Assumção, segundo as investigações, promove com frequência, em suas mídias sociais, pronunciamentos considerados “virulentos e criminosos”, principalmente contra o STF, denominando os ministros de “demônios” e “capeta”. Uma ação considerada ainda mais repreensível pelo órgão por partir de um parlamentar.

“O discurso odioso em face de órgãos e agentes do Estado de Direito é repreensível por si quando perpetrado por qualquer pessoa, mas, com ainda mais razão, tem-se especialmente reprovável quando a subversão à ordem é incentivada por parlamentar, de quem se espera, com mais distinção, que atue em prol da normalidade institucional e democrática”, diz o texto do MPES.

Deputado estadual Capitão Assumção
Deputado estadual Capitão Assumção. (Ana Salles/Ales)

No documento entregue ao STF foi pedido, inclusive, que se analisasse a prática de crimes pelo parlamentar contra o Estado Democrático de Direito (crimes contra a segurança nacional, ordem pública e social) em decorrência de suas publicações.

“Intencional e expressamente, faz propaganda e incitação contra o regime democrático de direito através de suas postagens, destinadas a pessoas indeterminadas, em redes sociais cujo acesso é permitido a qualquer pessoa, de forma não restrita, e mundialmente”, é relatado.

O desrespeito do parlamentar, segundo as investigações, pode ser confirmado pelo fato de que o STF já tinha determinado a suspensão de sua conta no Instagram, mas ele criou outro perfil para seguir com as práticas. “Para dar continuidade a seus pronunciamentos virulentos e criminosos, tendo inclusive repostado, em absoluto escárnio para com essa Corte Suprema, o ‘vídeo que irritou Alexandre de Moraes’”, é dito no texto da investigação.

Apoio jurídico

O grupo contaria ainda com amparo jurídico fornecido pelo advogado Gabriel Quintão Coimbra. Segundo o MPES, ele representa os agentes do grupo nos procedimentos caluniosos onde seriam atribuídos crimes a pessoas inocentes.

Ao mesmo tempo, ele também contribui para a criação de fake news e disseminação de crimes contra a honra no Jornal Folha do ES. Segundo as investigações, ele é colunista do site e ainda haveria provas de “sua (co)autoria nas reportagens” ali publicadas.

Cenário preocupante

Em sua decisão, antes de determinar as prisões e as buscas e apreensões, Alexandre de Moraes destaca que o MPES apresentou um “robusto conjunto fático-probatório” que demonstra um cenário preocupante “de ataque às instituições democráticas, com incentivo à instalação de regimes autoritários, em completo abuso do direito de liberdade de expressão”.

Aponta ainda que a “organização criminosa”, ostensivamente, atenta contra a democracia e o Estado Democrático de Direito, e em especial contra o Judiciário e em especial contra o STF. “Pleiteando a cassação de seus membros e o próprio fechamento da Corte Máxima do País, com o retorno da ditadura e o afastamento da fiel observância da Constituição Federal da República”, disse o ministro.

O que dizem os citados

CARLOS VON

Ouvido pela colunista Letícia Gonçalves nesta quinta-feira pela manhã, Carlos Von afirmou que havia recebido uma ligação de uma delegada, mas não sabia bem do que se tratava. "A delegada disse que não era investigação da PF. Levou os computadores do gabinete", contou Von."

"Eu não fui a nenhuma manifestação (antidemocrática), nem publiquei vídeo. E não patrocinei nenhum desses atos. Não fiz manifestação em relação a fraude em eleição", defendeu-se o parlamentar do DC.

CAPITÃO ASSUMÇÃO

Em nota, a assessoria jurídica do deputado Capitão Assumção informou que “recebeu com espanto a ordem emanada pelo ministro Alexandre de Moraes, oriunda de representação da Procuradoria-Geral de Justiça do ES datada de 16/09/2022 diretamente ao STF, em que, passados mais de 70 dias, determinou na data de 10/12/2022 busca e apreensão em sua residência e em seu gabinete e outras ordens cautelares diversas da prisão, fato que por si só gera perplexidade, pois, em tese, a quem a Procuradoria deveria representar por crimes praticados por deputados Estaduais seria o Tribunal de Justiça do Espírito Santo”.

Além de questionar a competência do STF para atuar no caso, a defesa do deputado ainda alega, em relação ao mérito da decisão, que “o único fato imputado ao deputado na decisão se referiu a ‘demonização de ministros desta Corte como ‘demônios’ e, mormente em relação a Vossa Excelência, de ‘capeta’ e ‘tendo inclusive repostado... o ‘vídeo que irritou Alexandre de Moraes’”.

ARMANDINHO FONTOURA

Nota assinada pelo gabinete do vereador Armandinho Fontoura diz que "causa espanto o envolvimento do vereador na operação relacionada à investigação sobre atos antidemocráticos contra o resultado das eleições. O vereador não frequentou nenhuma manifestação antidemocrática, não incentivou a realização delas, tampouco as patrocinou. A própria imprensa nunca registrou nenhum tipo de ato semelhante".

A nota diz ainda que o "vereador não compreende porque suas opiniões, de cunho conservador e liberal, sejam motivo para uma operação que fere a liberdade de expressão - sobretudo enquanto representante da população no parlamento municipal" e que le está à disposição da Justiça para esclarecer todos os fatos. "Sua defesa técnica vai tomar todas as medidas jurídicas cabíveis", finaliza.

Já o advogado Rodrigo Horta, que faz a defesa de Armandinho, disse que busca acesso aos autos, "mas desde já afirma a inocência" do cliente. "Inclusive, ele se absteve, por conta própria, de realizar qualquer manifestação dirigida ao público, diretamente ou por redes sociais, após a ciência dos termos da decisão proferida por S.Exa. Min Alexandre Moraes, quando se dirigiu, imediatamente e de forma espontânea, à sede da Polícia Federal".

A Gazeta tentou mas não conseguiu contato com as defesas do jornalista Jackson Rangel e do advogado Gabriel Coimbra. Caso eles se manifestem, este texto será atualizado.

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