O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) recebeu denúncia em ação penal contra o juiz Ivan Costa Freitas, da 5ª Vara Criminal de Vitória, mas, nesta quinta-feira (24), não houve votos suficientes para afastá-lo das funções. Assim, mesmo na condição de réu, ele segue à frente da Vara.
O magistrado foi denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPES). Os sócios de supermercado procuraram o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) para relatar a oferta de uma "composição", que transpareceu que seria financeira, para "tirar" a empresa e um funcionário da mira da Operação Sanguinello, deflagrada em 2014.
Na sessão do Pleno do TJES desta quinta, 14 desembargadores votaram pelo afastamento do juiz e oito foram contrários. O resultado não alcançou, no entanto, os dois terços necessários (que seriam 18 votos) para que o afastamento se concretizasse.
Anteriormente, a denúncia já havia sido recebida na íntegra, seguindo o voto do relator do caso, desembargador Dair José Bregunce de Oliveira.
Ivan Costa Freitas também responde a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), pelos mesmos fatos, ainda sem desfecho. A procuradora-geral de Justiça, Luciana Gomes Ferreira de Andrade, já se manifestou a favor de que ele seja aposentado compulsoriamente, que é a pena máxima na esfera administrativa. O PAD, aberto em junho de 2019, tramita sob sigilo.
Falta também julgar o mérito do caso criminal. O recebimento da denúncia apenas significa que os desembargadores entenderam que há indícios suficientes para a abertura de uma ação penal. O processo segue para definir se o juiz deve ser condenado ou absolvido.
A Operação Sanguinello descortinou, de acordo com o MPES, um esquema de crimes contra a ordem tributária, associação criminosa, lavagem de dinheiro, entre outros, envolvendo o setor bebidas, como o vinho.
Os donos de uma rede de supermercados contaram ao Gaeco que um deles foi procurado por outro empresário com a oferta de vantagem indevida. Ele disse ser amigo de um juiz que estava "à frente de um caso de um processo envolvendo vinhos".
Tal ação poderia atingir o supermercado e que "pela amizade que tinha com o juiz, aquela era a oportunidade e o momento para resolver o problema", "mediante uma composição". Valores não foram mencionados.
A quebra do sigilo telefônico dos envolvidos no âmbito da apuração do MP sobre o caso comprovou, ainda segundo o órgão, contatos entre eles nos horários informados pelos sócios.
Os empresários disseram terem recusado a oferta, mesmo após o suposto intermediário ter listado possíveis consequências, como decretação da prisão de um funcionário do supermercado e expedição de mandados de busca e apreensão.
Vinte dias depois foi isso mesmo que aconteceu, por determinação do juiz Ivan Costa Freitas. O alvo do mandado de prisão temporária, no entanto, não foi localizado. Os próprios denunciantes contaram que souberam um dia antes, por meio de outra pessoa, de nome não revelado, que a ação ocorreria e avisaram o funcionário. Depois, a prisão foi revogada. O funcionário não chegou a ser detido.
A Corregedoria Geral da Justiça, que recebeu informações do MP, considerou que havia indícios de quebra de sigilo funcional por parte do magistrado, uma vez que o suposto intermediário do pedido de vantagem indevida tinha conhecimento prévio sobre medidas a serem determinadas na Operação Sanguinello.
E ainda indícios do próprio pedido de vantagem indevida, além de decretação de prisão temporária "de ofício", ou seja, sem que o Ministério Público tivesse solicitado.
O MPES sustenta que o funcionário e o supermercado nem eram alvos da Sanguinello quando o intermediário procurou o empresário com a oferta de "composição".
A reportagem de A Gazeta tentou contato com a defesa do juiz Ivan Costa Freitas nesta quinta-feira e nesta sexta-feira (25), mas não obteve retorno.
Os advogados do magistrado, em defesa prévia à Corregedoria, rebateram a tese do MPES. Alegaram não haver prova de que o juiz pediu alguma vantagem indevida. O intermediário "teria sugerido uma 'composição com o declarante', ou seja, uma composição sem sequer citar o nome do magistrado", ressalta o texto.
A defesa destacou também que, "no primeiro dia útil após o recesso", o próprio juiz se afastou da Operação Sanguinello. Na decisão, ele criticou a condução da investigação, sugeriu querer ir atrás de "tubarões" e citou vários ditados populares.
"Constatei ainda, que mesmo com a fuga de um dos alvos, o próprio Ministério Público requereu a revogação da prisão temporária, mesmo com o relato do Delegado de Polícia, de que o mesmo obteve informação privilegiada. As minhas conclusões, o meu intelecto, a minha discricionariedade não podem e não serão aviltadas", escreveu Ivan Freitas, na ocasião.
"Não sofrerei um estupro ideológico. Como diz o provérbio popular: 'O pau que dá em Chico tem que dar em Francisco'. E outro: 'chutar cachorro morto é fácil'. E mais: 'Pegar peixinho... e os tubarões?' Por estes, e por motivo de foro íntimo dou-me por impedido para funcionar no presente feito, devendo ser concluído ao meu substituto legal", complementou.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta