O juiz André Guasti Motta, responsável por processos da 5ª Vara Criminal de Vitória, negou, na última quarta-feira (31), suspender processo do "esquema das associações", da chamada Era Gratz da Assembleia Legislativa. A suspensão havia sido solicitada por um dos réus, baseado em decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que acolheu pedido da defesa do senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ).
Toffoli determinou a suspensão de investigações que usam, sem autorização ou supervisão judicial, dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A decisão atingiu apurações e processos, em todo o país, baseados em informações bancárias e fiscais compartilhadas por Coaf, Receita Federal e Banco Central e que identificam mais do que os titulares das operações e valores movimentados.
Flavio Bolsonaro é investigado pelo Ministério Público do Rio por suspeita de se apropriar de parte dos salários de funcionários do gabinete quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. Dados do Coaf apontaram operações bancárias suspeitas de 75 servidores e ex-servidores dele. Houve movimentação considerada "atípica" de R$ 1,2 milhão na conta de um ex-assessor de Flavio, Fabrício Queiroz.
No caso das associações - um esquema de corrupção que marcou o início dos anos 2000 no Espírito Santo, quando o ex-deputado José Carlos Gratz presidia a Assembleia capixaba e comandava a política local -, o magistrado indeferiu pedido dos advogados de José Alves Neto. Esse processo tem como réus outras sete pessoas. Entre elas, Gratz e André Nogueira, então diretor-geral da Assembleia.
Ao todo, são cerca de 70 processos relacionados ao esquema em tramitação. E eles estão começando a prescrever.
O ESQUEMA
Um dos pontos controversos do caso das associações é o uso de provas oriundas da quebra de sigilo da Lineart, empresa da família de André Nogueira, pela Receita Federal. As informações foram compartilhadas com o Ministério Público do Espírito Santo, autor de dezenas de denúncias criminais sobre o esquema. É por isso que a defesa de José Alves Neto, bem como a de outros réus, vislumbram, nesse caso, repercussão da decisão de Toffoli.
Entre 1992 e 2002, foram desviados R$ 26,7 milhões dos cofres da Assembleia, segundo as investigações. O esquema consistia na simulação de pedidos de ajuda financeira ao Legislativo por associações de moradores, comunitárias, fundações, clubes de futebol e até de igrejas. Os pagamentos eram autorizados, mas não iam aos supostos solicitantes.
ANTES, UM HISTÓRICO
Antes de negar suspender o processo, o juiz André Guasti fez resgate histórico do início das investigações. O inquérito policial foi instaurado em 22 de março de 2003 após uma inspeção na Delegacia da Praia do Canto, em Vitória. Nogueira estava custodiado no local e foi necessária apuração de denúncia sobre a manutenção de celulares na delegacia.
Além de celulares e faca, foi encontrado um bilhete com nome de pessoas físicas e jurídicas ligadas a André Nogueira. A polícia, em seguida, conseguiu a quebra de sigilo bancário dessas pessoas. Na conta de uma das pessoas citadas no bilhete, foi verificado recebimento de valores da Assembleia. Em abril de 2003, a polícia pediu para compartilhar informações com a Receita Federal.
Paralelamente ao inquérito policial, a Delegacia da Receita Federal em Vitória instaurou procedimento administrativo para averiguar movimentações financeiras suspeitas da Lineart, empresa usadas para drenar o dinheiro desviado. Esse procedimento constatou, na conta da empresa, depósitos vindos da conta da Assembleia.
O ENTENDIMENTO DO JUIZ
O argumento do juiz para negar a suspensão do processo passa pelo detalhamento dessas duas investigações paralelas.
"A defesa questiona as provas advindas da quebra de sigilo da editora Lineart, quando, na verdade, o esquema sempre esteve fadado ao fracasso, visto que, legitimamente, André Nogueira estava sendo investigado paralelamente no inquérito policial, de modo que seria impossível esconder a ligação entre as empresas Microcarb, Discovery e Lineart, bem como a relação destas com a Assembleia Legislativa", destacou o magistrado.
Em síntese, a tese do juiz André Guasti é a de que as provas vêm de fontes independentes e autônomas. Na decisão, ele cita teorias que admitem provas desde que elas "não guardem qualquer dependência" ou "decorram de prova originariamente ilícita". E também teses que admitem prova quando evidencia-se que ela seria produzida de qualquer modo, ainda que derivada de uma prova ilícita.
"Ressoa cristalino que o caso em voga encontra respaldo em quaisquer das duas teorias, ambas positivadas, visto que por inúmeros meios seria possível chegar ao mesmo resultado, quer fossem pelas cópias dos procedimentos administrativos conseguidos no âmbito do inquérito policial, quer fossem pelas diversas caixas contendo procedimentos administrativos com requerimentos de ajudas financeiras por associações diversas, enviadas pela Assembleia Legislativa", escreveu o juiz.
O QUE DIZEM AS DEFESAS
Embora ainda não formalmente notificadas sobre a decisão, as defesas dos réus nesse processo podem formalizar reclamação contra ela ao próprio STF.
Advogado de José Alves Neto, Ricardo Tauffer Padilha entende que a repercussão da decisão do ministro Toffoli se aplica, sim, ao caso que tramita na Justiça capixaba sobre os processos do "esquema das associações".
"Todas as ações penais foram lastreadas em provas consideradas ilícitas, no âmbito da Receita Federal, do Poder Judiciário Estadual, Superior Tribunal de Justiça e STF, ante a quebra de sigilo fiscal sem a devida autorização judicial para tanto, perpetradas no procedimento administrativo instaurado pela Delegacia da Receita Federal", disse.
Também responsável pela defesa de José Alves Neto, Homero Mafra disse que um apelo ao STF está no radar.
"Acho que é uma decisão (a do juiz de primeiro grau) que não está de acordo com a decisão do ministro Toffoli, que é uma orientação geral para os casos em que existam compartilhamento de informações entre Receita e órgãos de persecução penal. Não fomos intimados formalmente. Sendo, iremos tomar as medidas cabíveis diante do que parece um claro descumprimento da decisão do ministro", afirmou.
Advogado de José Carlos Gratz, Carlos Guilherme Pagiola também mencionou a possibilidade de ir diretamente ao presidente do STF contra a decisão de primeira instância. Ele apresentou pedido de suspensão de outros processos contra o ex-deputado, relacionados ao esquema, com base na decisão de Toffoli.
A defesa de André Nogueira preferiu não se manifestar.
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