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Juízes punidos com aposentadoria receberam mais de R$ 8 milhões no ES

Juízes punidos com aposentadoria receberam mais de R$ 8 milhões no ES

Pela Lei de Acesso à Informação (LAI), A Gazeta obteve a lista dos dez magistrados aposentados compulsoriamente nos últimos 15 anos

Publicado em 7 de dezembro de 2019 às 05:01

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Pleno do Tribunal de Justiça do Espírito Santo - TJES. (Fernando Madeira)

De janeiro de 2004 até junho de 2019, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) puniu dez magistrados com a pena de aposentadoria compulsória, a mais grave prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) na esfera administrativa. No mês passado, mais um somou-se à lista. Nos últimos três anos - contados a partir de junho de 2016 - eles receberam ao menos R$ 8,2 milhões brutos. Esse valor seria suficiente para arcar com as aposentadorias de 124 trabalhadores do setor privado no Espírito Santo no mesmo período, considerando o valor médio do benefício pago pelo INSS no Estado (R$ 1.647).

Veja a lista dos magistrados punidos com aposentadoria no final do texto

Os dados foram obtidos pela reportagem de A Gazeta por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), do Portal da Transparência do TJES e do site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O levantamento considera apenas oito dos magistrados, sobre os quais foi possível encontrar informações a respeito dos vencimentos após passarem à inatividade. A referência é junho de 2016 porque é a partir de então que os dados sobre inativos começaram a ser exibidos no portal do TJES. O juiz que foi aposentado em novembro de 2019 também não integra a conta porque o valor da aposentadoria dele ainda deve ser calculado.

A aposentadoria compulsória é o último degrau das possíveis penas a serem aplicadas pelo Judiciário a seus próprios membros vitalícios após a instauração de processo administrativo. As outras são advertência, censura, remoção e disponibilidade. Quem é aposentado como punição recebe vencimentos proporcionais ao tempo de serviço e fica livre para atuar em outra profissão.

Após dois anos de carreira, o juiz adquire a vitaliciedade, garantida pela Constituição. Somente se estiver dentro desse período é que pode ser demitido por decisão administrativa. Do contrário, perde o cargo apenas por decisão judicial transitada em julgado, ou seja, quando condenado criminalmente e sem possibilidade de recorrer.

Os motivos que levaram à aposentadoria compulsória dos magistrados no Espírito Santo são vários. O juiz Juracy José da Silva, cuja decisão de aposentadoria compulsória foi publicada em 2016 pelo Tribunal de Justiça, acabou penalizado porque pegou dinheiro emprestado com pessoas que eram partes em processos em que ele atuava e passou cheques sem fundo.

Para o TJES, ele também manteve relacionamento indevido com autoridades públicas. Somente de janeiro a outubro de 2019, Silva recebeu R$ 467 mil brutos (R$ 395 mil líquidos). O juiz alegou, na época, sofrer de transtorno bipolar, não podendo ser responsabilizado pelos fatos. E admitiu somente alguns deles, como os empréstimos. A defesa chegou a recorrer ao CNJ que, em março deste ano, manteve a punição aplicada pelo TJES.

NAUFRÁGIO

Os casos mais emblemáticos são os relacionados à Operação Naufrágio, deflagrada em 2008 pela Polícia Federal por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dois desembargadores - Frederico Guilherme Pimentel e Josenider Varejão - e uma juíza - Larissa Pignaton Sarcinelli Pimentel - foram obrigados a se aposentar. Um juiz que ainda estava em estágio probatório, Frederico Schaider Pimentel, acabou demitido.

A Naufrágio apontou diversas irregularidades e crimes. Administrativamente, Frederico Guilherme Pimentel, ex-presidente do TJES, foi aposentado por criar, unilateralmente, um cartório cuja arrecadação beneficiaria os familiares dele, incluindo Larissa Pimentel, sua nora. Josenider, que faleceu em 2011, foi aposentado por, entre outros pontos, exploração de prestígio e intermediação dos interesses de um advogado em processos. As punições foram aplicadas em 2010.

 Policiais federais saem da sede do Tribunal de Justiça do Espírito Santo durante a Operação Naufrágio, em dezembro de 2008. (Nestor Müller )

De janeiro a outubro deste ano, a juíza aposentada recebeu R$ 109 mil brutos ou R$ 90,1 mil líquidos. Já o desembargador contou com R$ 365,8 mil brutos ou R$ 315,7 mil líquidos.

A reportagem falou com o advogado Frederico Schaider Pimentel, filho de Frederico Pimentel e marido de Larissa Pimentel. Ele disse que os dois preferiram não comentar o assunto.

“Claro que há situações que configuram crimes, porém há uma zona cinzenta que pode servir de margem para punir qualquer magistrado de acordo com o lado que o vento sopra. O grau de subjetividade hoje é incontrolável”, sustenta o advogado Fabrício Campos. 

Outro que foi aposentado compulsoriamente pelo TJES como punição disciplinar foi o juiz Antônio Leopoldo Teixeira. O Tribunal entendeu, em 2005, que ele cometeu várias irregularidades quando esteve à frente da Vara de Execuções Penais. O caso não tem relação com o assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho. Leopoldo foi denunciado como mandante do crime e pronunciado para ir a júri popular, mas há um recurso a ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) e o julgamento do caso ainda não aconteceu.

De janeiro a outubro deste ano, Leopoldo recebeu R$ 298,6 mil brutos ou R$ 214,5 mil líquidos. “O motivo foi pela posição dele sobre remição da pena pelo trabalho. O Tribunal não concordou e essa discordância foi entendida como infração administrativa”, conta o advogado do juiz aposentado, Fabrício Campos.

De acordo com o CNJ, a pena máxima pode ser aplicada por “desídia com deveres do cargo, conduta imprópria ao decoro da função (na vida pública ou privada) e trabalho insuficiente”. E “sãos faltas funcionais atraso excessivo em decisões e despachos, parcialidade e tráfico de influência”.

Os outros juízes aposentados compulsoriamente como punição disciplinar pelo TJES até junho de 2019 foram: Catarina Ramos Antunes, Luiz Guilherme Ribeiro (já falecido), João Miguel Filho, Sebastião Mattos Mozine e Silvio de Oliveira. A reportagem não conseguiu contato com eles ou suas defesas. Mozine informou que concederia entrevista na última terça-feira, mas não atendeu às ligações.

O juiz Edmilson Rosindo Filho, de Barra de São Francisco, foi aposentado compulsoriamente pelo TJES em novembro deste ano. O Tribunal entendeu que, entre outras situações, ele beneficiou amigos e autoridades públicas fazendo com que alguns casos específicos tramitassem mais rapidamente. Advogado do magistrado, Raphael Câmara vai recorrer ao CNJ. Ele já havia destacado que o juiz tem alta produtividade e chegou a ser premiado pelo próprio Tribunal.

CORTAR NA CARNE

Ainda quando a instituição corta na própria carne e determina a pena máxima a um de seus membros, a aposentadoria dificilmente soa como punição para além das fronteiras do Judiciário (promotores e procuradores do Ministério Público também têm essa como a pena máxima na esfera administrativa).

“A aposentadoria como pena máxima está prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), de 1979, mas é hoje encarada pela sociedade como um privilégio”, pontua o professor de Direito da Faesa Dalton Morais. Mas a defesa do texto estipulado pela Loman tem como base a defesa da independência dos integrantes da magistratura, garantida pela vitaliciedade. Assim, o juiz pode julgar sem medo de perder o cargo caso contrarie interesses de poderosos.

“Um servidor público, um delegado, por exemplo, pode perder o cargo dele na esfera administrativa porque não tem aposentadoria compulsória como pena administrativa. Por que um delegado teria menos prerrogativa do que um magistrado?”, questiona Morais. Durante a discussão da Reforma da Previdência na Câmara houve até a tentativa de eliminar a previsão da aposentadoria compulsória como pena disciplinar - sem estipular outra em substituição, o que poderia até abrandar a punição -, mas a ideia não prosperou.

O presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages), Daniel Peçanha, destaca que a vitaliciedade e a consequente impossibilidade da perda do cargo por via administrativa são para dar “a segurança que o cargo necessita”. “A aposentadoria não é total, é pelo tempo de carreira, é proporcional. E está retribuindo o que o magistrado contribuiu. Além disso, o magistrado não tem FGTS, assim como os servidores públicos não têm. São questões que devem ser consideradas”, afirma. 

Aspas de citação

A lei do abuso de autoridade já gera uma insegurança muito grande para os julgadores

Daniel Peçanha
Presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages)
Aspas de citação

“Para se estabelecer um critério mínimo de manutenção da independência, colocou-se no final dos anos 70 esse modelo de aposentadoria compulsória. Isso foi no regime militar. Havia até mais razão naquela época para se criar uma medida de proteção aos magistrados.  Mas os magistrados é que deveriam se manifestar sobre a manutenção dessa pena no contexto de hoje”, destaca Fabrício Campos.

Vez por outra há iniciativas no Congresso Nacional contra a aposentadoria como punição para membros da magistratura e do Ministério Público. O advogado avalia, no entanto, que, para além da discussão da manutenção ou não da aposentadoria como punição é preciso deixar mais claro em quais situações é possível a aplicação da pena máxima.

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