A Justiça considerou inconstitucional a emenda à Constituição estadual aprovada em novembro de 2019 pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo que permitia o adiantamento das eleições para Mesa Diretora da Casa. Com a decisão, ficou anulada a eleição "surpresa", realizada no dia 27 de novembro, apenas dois dias após a aprovação da emenda. Na ocasião, Erick Musso (Republicanos) foi reeleito para o cargo de presidente no biênio de 2021/2023. A Justiça determinou, ainda, que um novo pleito seja realizado somente em fevereiro de 2021.
A decisão é do juiz Aylton Bonomo Junior, da 3ª Vara Federal Cível de Vitória, e foi proferida nesta quarta-feira (08), como registrou o colunista Vitor Vogas.
O processo agora segue no Tribunal Federal Regional da 2ª Região (TRF-2), que havia derrubado decisão liminar (provisória) de primeiro grau da Justiça Federal, do próprio Bonomo, que suspendia os efeitos da emenda, impedindo a realização de novas eleições. A procuradoria-geral da Assembleia afirma que ainda não foi intimada e, por isso, ainda não se manifestou.
A emenda considerada inconstitucional deixava aberta a data para realização da eleição da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, possibilitando que o pleito fosse realizado por determinação do presidente. Dois dias após ser aprovada na Casa, Erick foi reeleito, em um dia, para o cargo de presidente para o biênio de 2021/2023, 14 meses antes da posse. A Constituição estadual determinava que as eleições deveriam ocorrer no dia 1º de fevereiro, neste caso, de 2021.
Na mais recente decisão, o juiz avaliou que o legislador "não tem cheque em branco para legislar da forma que lhe seja mais conveniente e oportuna", mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) afirme que os artigos da Constituição Federal que determinam a forma e o tempo da eleição do chefe do poder legislativo federal não seja reproduzida automaticamente nos Estados e Municípios. A necessidade de um prazo "razoável" para realização do pleito, escreveu o juiz, é uma "regra de bom senso" que nem sequer precisaria de "conhecimento jurídico".
Para Bonomo, no caso de antecipação na Assembleia do Espírito Santo, houve a violação de princípios constitucionais como do regime democrático, pluralismo político, igualdade e impessoalidade e publicidade. "Em primeiro lugar, a aludida EC 113/2019 é materialmente inconstitucional por antecipar, de forma exagerada, a data da eleição, sendo irrazoável e desproporcional essa medida se considerado o extenso lapso temporal entre a data a eleição e a data do início do mandato da Mesa Diretora da ALES, afrontando, assim, o espírito do regime democrático", diz no texto.
A forma como a eleição foi feita, quase "secreta" e em tempo recorde, compromete, de acordo com o magistrado, a transparência da legislatura e o princípio da publicidade: "O princípio da publicidade, que decorre o dever de transparência, proíbe a edição de atos secretos pelo poder público, determinando que a Administração atue de forma plena e transparente, até porque ela não age em nome próprio, mas sim em busca dos interesses de toda a coletividade, que, por sua vez, tem o direito de ter conhecimento dos atos praticados, até mesmo para fins de fiscalizá-lo."
A manobra, aos olhos do juiz, não só impediu que os parlamentares que tivessem interesse de concorrer à Mesa se mobilizassem para criar outra chapa, mas também privou a sociedade de ter tempo para fiscalizar e avaliar o mandato atual.
"A par disso, quando ocorre a reeleição exageradamente antecipada da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa (como é o caso), a sociedade sequer teve tempo hábil para aferir se o mandato em curso daquela mesa atendeu ou não ao anseio popular, a ponto de ter a sua aprovação para continuidade (reeleição), de forma que isso poderia afetar a vontade popular de reeleição da mesma Mesa para o próximo mandato", apontou. Esse processo seria, portanto, um "atropelo do processo democrático", finaliza Bonomo.
O magistrado destaca, ainda, que não está proibido que seja feita uma nova emenda, desde que observe o processo constitucional, legal e regimental para antecipar as eleições, "desde que supridos esses dois vícios materiais apontados acima, a saber: necessidade de que a eleição não ocorra em data demasiadamente distante do início do mandato da Mesa Diretora da Assembleia do segundo biênio; e necessidade de previsão, na Constituição Estadual, de tempo mínimo razoável entre a data da convocação da eleição e a data da efetiva eleição."
A Assembleia afirma que ainda não foi intimada e, por isso, não vai se manifestar sobre a decisão. Mas reitera que vai aguardar a manifestação do TRF-2, que "já decidiu favoravelmente à Ales" ao derrubar a decisão liminar de Bonomo.
Na justificativa da emenda aprovada, era defendido que a regra anterior que regulamentava as eleições para a Mesa Diretora evidenciava "um problema há muito enfrentado pela transição de gestões", uma vez que o pleito era feito no mesmo dia da posse. A alteração seria, portanto, uma forma de "minorar" os impactos da transição.
O advogado Luiz Alocchio, um dos membros da OAB-ES que assinam a ação, explica que a decisão desta quarta-feira (08) substitui a liminar que havia sido derrubada e, por isso, aquela decisão favorável à Assembleia não tem relação com o que foi decidido pelo juiz. Dessa vez, foi julgado o mérito da ação civil proposta pela ordem, o que também deverá ser apreciado no TRF juntamente com a decisão de Bonomo.
Relembre o caso ponto a ponto:
Foi em 19 de novembro do ano passado, em uma sessão plenária, que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) estadual que permite a antecipação das eleições da Mesa Diretora começou a tramitar. Apoiada pela maior parte dos deputados, a PEC tinha como relatores Vandinho Leite (PSDB) e Marcelo Santos (Podemos), ambos aliados de Erick Musso. Marcelo, inclusive, é integrante da Mesa que assinava o texto.
Seis dias depois, após ser apreciado por uma comissão especial e passar por duas votações, a matéria foi aprovada. Apenas quatro parlamentares votaram contra: Iriny Lopes (PT), Sergio Majeski (PSB), Dary Pagung (PSB) e Fabrício Gandini (Cidadania).
O texto aprovado deixava em aberto a data de eleição para Mesa Diretora, permitindo que o presidente da Casa pudesse escolher a data e horário da realização do pleito, o que aconteceu em tempo recorde: dois dias depois.
Apenas dois dias se passaram até que, no dia 27 de novembro, Erick Musso fosse reeleito para o biênio de 2021/2023, mais de um ano antes da posse. Tudo aconteceu em uma mesma sessão e foram dados cinco minutos para que a oposição criasse uma chapa que competiria com a de Musso, o que não foi o suficiente.
A chapa única encabeçada pelo presidente Musso era formada pelos deputados Marcelo Santos (Podemos) como vice-presidente, Torino Marques (PSL) como 2º vice-presidente, Adilson Espíndola (PDT) 1º secretário, Freitas (PSB) 2º secretário, Marcos Garcia (PV) 3º secretário e Janete de Sá (PMN) como 4ª secretária.
Dos 29 parlamentares presentes, 24 votaram a favor e, apenas cinco, contra: Gandini (Cidadania), Sergio Majeski (PSB), Iriny Lopes (PT), Dary Pagung (PSB) e Luciano Machado (PV). Theodorico Ferraço (MDB) não estava presente.
A manobra teve forte reação em todos os Poderes e na sociedade civil. O governador Renato Casagrande (PSB) considerou que a decisão fragilizava a Assembleia, Fabrício Gandini entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Estado para anular a eleição e a OAB-ES entrou com a ação civil pública contra a eleição do dia 27 e, também, a emenda à constituição estadual que deixou em aberto a data em que o pleito seria realizado.
Juristas e Ministério Público Federal também se manifestaram contra o movimento, alegando inconstitucionalidade da emenda aprovada. A ONG Transparência Capixaba e integrantes da Igreja Católica também se mobilizaram contra a eleição antecipada.
Com toda a repercussão negativa e diante de muita pressão, Erick Musso desistiu da eleição. No dia 4 de dezembro o republicano divulgou uma Carta ao povo do Espírito Santo, assinada por 22 deputados, sustentando que o pleito foi feito dentro da regularidade, mas que os integrantes da Mesa eleitos haviam decidido renunciar aos cargos que ocupariam no biênio seguinte em nome da paz e harmonia entre os poderes.
Mesmo com a desistência, a ação da OAB continuou tramitando, por se tratar não só da eleição realizada previamente, mas também da emenda constitucional que continuou valendo, deixando em aberto a possibilidade de realização do pleito a qualquer momento.
Ainda no mês de dezembro, a Justiça concedeu uma liminar que impediu a realização de uma nova eleição para o biênio de 2021/2023. No mesmo dia, a Justiça concedeu a liminar para uma ação protocolada por quatro deputados aliados do governador - que votaram contra a PEC desde o início - e, também, a uma ação civil pública da OAB-ES.
Em março deste ano, após a Assembleia recorrer das decisões da Justiça, o TRF-2 derrubou a liminar que suspendeu a emenda que permitia o adiamento das eleições, por considerar que não cabe ao Judiciário interferir nos atos internos da Assembleia e que o ato da Mesa feito posteriormente, que anulou a eleição, teria sido o suficiente para resolver.
O tribunal destacou, no entanto, que ainda julgaria o mérito do processo, ou seja, o que foi pedido pela OAB-ES. Pelo exposto, defiro o requerimento para suspender os efeitos da decisão agravada que determinou que não fossem convocadas novas eleições da Mesa Diretora do biênio 2021/2022 até o julgamento da ação originária.
Mesmo com a decisão, o TJES voltou a barrar a realização de eleições ao conceder uma liminar que voltou a suspender a emenda, em resposta a um mandado de segurança impetrado pelos quatro parlamentares governistas.
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