A Justiça Federal proibiu, nesta quarta-feira (11), a realização de novas eleições antecipadas para a Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Espírito Santo.
"Entendo por deferir o pedido de tutela de urgência, para, de forma concreta, determinar que não sejam convocadas novas eleições da Mesa Diretora da ALES para o biênio 2021/2022, até o julgamento de mérito da presente demanda, vedando-se, ao menos por ora, a antecipação das eleições, pois, ao menos a princípio, e em análise perfunctória, que a Emenda Constitucional nº 113/2019 padece de vícios materiais em face da Constituição Federal", registra a decisão do juiz Aylton Bonomo Junior, da 3ª Vara Federal Cível de Vitória.
A ação civil pública foi movida pela Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Espírito Santo (OAB-ES) depois que o presidente da Assembleia, Erick Musso (Republicanos), foi reeleito para comandar a Casa com 14 meses de antecedência. Originalmente, a Constituição Estadual determinava que o pleito ocorresse somente em 1º de fevereiro de 2021. Mas a Assembleia mudou a Constituição com a aprovação de uma emenda.
A chapa encabeçada por Erick, eleita no último dia 27, já renunciou e não vai mais tomar posse. Mas outra eleição antecipada poderia ocorrer a qualquer momento. Nesta quarta, o Tribunal de Justiça já havia suspendido provisoriamente os efeitos da emenda, também impedindo a realização de novas eleições antecipadas.
A OAB-ES alegou, entre outros pontos, que a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que originou a Emenda 113/2019 não seguiu o caminho correto, uma vez que foi a proposta foi analisada por uma comissão especial da Assembleia e não passou pela Comissão de Constituição e Justiça separadamente. A Justiça Federal, num primeiro momento, no entanto, considerou que isso não é um problema porque o regimento interno da Assembleia prevê que comissões especiais sejam convocadas em alguns casos.
"Não obstante, o art. 57, inciso II, também do Regimento Interno da Assembleia, prevê que será possível constituir Comissão Especial para dar parecer sobre 'análise, apreciação e oferecimento de parecer quanto à constitucionalidade, juridicidade, legalidade, técnica legislativa e mérito de proposições consideradas de relevante interesse público, para efeito de posterior discussão e votação do Plenário'", citou o magistrado.
A OAB-ES entende que antecipar a eleição da Mesa Diretora não é de relevante interesse público e, por isso, a PEC não se enquadraria no previsto nesse artigo do regimento.
O juiz Aylton Bonomo Junior, no entanto, fez uma observação. Se a tramitação não ocorreu de forma errada regimentalmente e nem contrariou a Constituição no que se refere ao passo a passo que a PEC deve seguir na Assembleia, há outra questão, também alegada pela OAB-ES: a eleição antecipada pode ter violado princípios democráticos.
"Prosseguindo, no caso em análise, em análise superficial, me parece que a EC 113/2019 afronta, de fato, princípios constitucionais previstos na Carta Magna de 1988, sobretudo os constantes em seu art. 1º, caput (regime democrático) e inciso V (pluralismo político), em seu art. 5º, caput (igualdade), e em seu art. 37, caput (impessoalidade e publicidade), além dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade", registrou Bonomo Junior.
"Em primeiro lugar, a aludida EC 113/2019 me parece inconstitucional materialmente por antecipar de forma exagerada o tempo da eleição, sendo irrazoável e desproporcional essa medida se considerado o extenso lapso temporal entre a data a eleição e a data do início do mandato da Mesa Diretora da Assembleia, afrontando, assim, o espírito do regime democrático (art. 1º, caput, CF). Como é cediço, a política, como a arte ou ciência da organização, direção e administração do ente federado, naturalmente muda de rumo ao longo do tempo, pois acompanha as mudanças sociais, econômicas, éticas, filosóficas, culturais, religiosas, etc., da sociedade."
"Daí porque, quando do exercício da democracia representativa (eleição), a Constituição Federal determina que entre a eleição dos cargos para o Poder Legislativo Federal e Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal, e o início do exercício efetivo do mandato (a posse), não decorra prazo irrazoável e desproporcional, sob pena de, no inicio do mandato, aquele candidato eleito não representar mais a vontade popular do momento da eleição, em razão das mudanças da sociedade ocorridos pelo largo espaço de tempo entre a eleição e o mandato, o que, indiretamente, violaria o regime democrático (a vontade do povo)."
Parece até uma coisa meio óbvia, entende o juiz:
Por isso, concluiu: "No caso em tela, como há alegação de violação de direitos fundamentais e das regras do jogo democrático, afigura-se possível, ao menos em tese, a atuação do Poder Judiciário".
Assim, a Assembleia fica proibida de realizar novas eleições antecipadas até que a Justiça Federal decida se a Emenda aprovada é ou não inconstitucional.
A decisão da Justiça Federal mostra que a OAB-ES assumiu o caminho correto em questionar uma atitude antidemocrática e ilegal da Assembleia Legislativa. A Ordem exerceu o papel que a população capixaba espera da nossa entidade. Trabalhamos em prol da sociedade, afirmou, nesta quarta, o presidente da OAB-ES, José Carlos Rizk Filho.
Procurada por A Gazeta, a Assembleia informou que ainda não foi notificada sobre a decisão da Justiça Federal e tampouco da do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Em pronunciamento no plenário da Casa, na última terça-feira, Erick Musso defendeu a eleição antecipada, embora tenha recuado após uma série de pressões e críticas.
À Justiça Federal, a Assembleia alegou, entre outras questões, que já publicou um ato que tornou sem efeito a eleição da Mesa Diretora realizada no dia 27 e também que "se aproxima o recesso parlamentar (de 23.12.2019 a 02.02.2020), de forma que a última sessão ordinária do ano ocorrerá em 18.12.2019 e entre a data presente e ela haverá apenas mais quatro sessões ordinárias". Assim, não haveria nem tempo para outra eleição surpresa.
Quanto ao prejuízo de deputados que não puderam inscrever chapas para disputar com a de Erick Musso - foi concedido um prazo de apenas cinco minutos no meio da sessão da eleição para isso - a Assembleia apontou que na eleição da Mesa Diretora da ALES não há, nem nunca houve, registro prévio de chapas, que são apresentadas sempre a partir do início da sessão".
Entre os argumentos da Assembleia também está que a "concessão da medida liminar traria grande insegurança jurídica e repercussão indesejada, estimulando a propositura de outras ações, como de fato já ocorreu". Mas, mesmo assim, o juiz proferiu a liminar (decisão provisória).
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta