A Justiça Eleitoral acatou um pedido da coligação do candidato ao governo do Espírito Santo Carlos Manato (PL) para proibir seu concorrente, o atual governador Renato Casagrande (PSB), de veicular propaganda eleitoral ligando Manato ao crime organizado, principalmente em referência à participação dele na Scuderie Le Cocq.
A decisão da juíza Isabela Rossi Naumann Chaves foi proferida no sábado (22). Ela determina que a coligação do candidato à reeleição fique impedida de veicular na TV, no rádio ou nas redes sociais a propaganda eleitoral que cita que Manato era integrante da “organização criminosa Scuderie Le Cocq, acusada pelo Ministério Público de ser responsável por 1500 mortes e de acobertar bandidos de toda espécie”.
Caso descumpra a decisão, Casagrande pode ter que pagar multa de R$ 10 mil por dia. A decisão é liminar, ou seja, temporária.
A magistrada sustenta que a propaganda de Casagrande que associa Manato à organização paramilitar fere a honra do candidato e o acusa de crimes que não são comprovados. Isabela argumenta ainda que, embora Manato tenha participado da organização, o que o próprio candidato já admitiu ter feito, não há indícios de que ele tenha cometido crimes, nem que planeje o retorno da máfia ao Estado.
“Não há prova no vertente que ateste conduta ilegal, criminosa ou, ainda, qualquer indício de envolvimento do candidato Carlos Humberto Mannato aos crimes ventilados na publicidade e às atividades criminosas imputadas à entidade supracitada que, inclusive, foi dissolvida há mais de uma década por determinação do Poder Judiciário” escreveu a juíza.
Dessa forma, as emissoras de rádio e TV foram intimadas a suspenderem o vídeo da propaganda eleitoral de Casagrande que cita Manato e sua suposta ligação com as atividades ilícitas da Le Cocq.
Ao mesmo tempo, o governador e os partidos de sua coligação também não podem veicular a peça ou outra com conteúdo semelhante sob pena de multa de R$ 10 mil por dia em caso de descumprimento.
O vídeo que acarretou o processo de Manato contra Casagrande foi divulgado em uma inserção de propaganda gratuita na TV no dia 18 de outubro.
No vídeo, um narrador diz que “entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 2000, o Espírito Santo viveu o período mais sombrio da sua história. Nosso Estado era o mais violento do país; com autoridades e jornalistas sendo assassinados em plena luz do dia." Após afirmar que Manato era membro da organização paramilitar, o narrador diz que "o Espírito Santo não pode cair nas mãos dessa máfia novamente”. Nas imagens, apareciam recortes de jornais, reportagens, datas e fotografias.
A primeira menção pública durante a campanha eleitoral deste ano sobre a participação de Manato na Scuderie Le Coqc foi feita pelo deputado federal Felipe Rigoni (União), em um vídeo nas redes sociais publicado no dia 4 de outubro. Nas imagens, ele declarava seu apoio a Casagrande no segundo turno.
O candidato do PL confirmou que já fez parte da instituição, mas disse que se filiou à Le Cocq por indicação de colegas e que deixou a entidade ao perceber que havia “algo errado”.
Ele relatou que, em 1991, fez um ciclo de estudos da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg). De acordo com Manato, a entidade reunia juízes, advogados e médicos e, depois da conclusão dos cursos, passou a integrar outra instituição que também teria objetivos filantrópicos e distribuição de cestas básicas, chamada de Fraternidade, Força e Honra (FFH).
Segundo ele, foi por causa da participação nessa fraternidade que teria se relacionado com o grupo conhecido como Scuderie Le Cocq.
Na última segunda-feira (17), o ex-procurador da República Henrique Herkenhoff saiu em defesa de Manato. “Eu movi a ação que levou à dissolução da Scuderie Detective Le Cocq. Nunca chegou a nós nenhuma suspeita sequer de que o Manato tivesse participado de qualquer atividade ilegal da instituição. Ele nem sequer foi investigado, até onde eu saiba”, afirmou.
Ex-secretário de Segurança Pública, Herkenhoff integrou o primeiro escalão do governo Casagrande em parte da gestão realizada de 2011 a 2014.
Apontada como um dos principais grupos de extermínio a agir no Espírito Santo, a Scuderie Detetive Le Cocq foi fundada no Rio de Janeiro na década de 1960, e chegou oficialmente ao Estado na década de 1980.
Até a data da dissolução da organização por decisão da Justiça Federal em 2004, a Le Cocq tinha sido acusada de 30 assassinatos políticos e quase 1.500 homicídios anuais que transformaram o Espírito Santo no segundo estado mais violento do Brasil e as cidades da Grande Vitória nas mais violentas do mundo.
A Scuderie foi oficialmente fundada no Espírito Santo em 24 de outubro de 1984, pautada para “aperfeiçoar a moral e servir à coletividade”. Um dos lemas do grupo era “bandido bom é bandido morto”.
Nela, foram associados advogados, juízes, políticos, promotores, empresários e comerciantes. O símbolo é o mesmo dos esquadrões de morte: uma caveira, duas tíbias e as iniciais EM.
O grupo não era clandestino e nem ilegal. Tinha registro de CNPJ, ficha de inscrição - é estimado que tenha tido cerca de 800 membros no Estado — e os integrantes costumavam ser identificados por chaveiros, broches ou adesivos nos carros.
Pessoas associadas à Le Cocq foram acusadas de assassinatos e de envolvimento com tráfico de drogas, jogo do bicho, roubo de carros, roubos a bancos e sonegação de impostos.
A Le Cocq esteve no centro dos crimes e violações de direitos humanos no Espírito Santo cometidos principalmente entre os anos 1990 e início dos anos 2000. A organização era considerada o braço armado do crime organizado capixaba.
É importante destacar que, diferente de hoje em dia, o que se entendia por crime organizado não era aquele composto por traficantes de drogas em torno de compra e venda de entorpecentes e disputa de territórios.
Ele era formado por membros importantes da sociedade, e envolvia juízes, parlamentares, secretários, governantes, policiais, promotores e grandes empresários que se articulavam para a manutenção do próprio poder.
Os integrantes do crime organizado estavam infiltrados em todas as esferas de poder, inclusive nas altas cúpulas do Judiciário, dos Executivos municipais e estadual, Legislativo e até em instituições financeiras.
Na decisão de 2004 que extinguiu oficialmente o grupo, o juiz federal Alexandre Miguel, então na 4ª Vara da Justiça Federal, em Vitória, dissolveu o registro jurídico da associação e mandou suspender de imediato todas atividades da organização e a inclusão de novos sócios. O documento também proibiu a divulgação do nome e de símbolos da Scuderie.
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