O Senado aprovou, nesta terça-feira (30), o projeto da "lei das fake news", de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que cria medidas de combate ao discurso de ódio e à desinformação na internet. A proposta foi alvo de críticas de entidades e especialistas em Direito Digital, que apontaram que o texto poderia diminuir a liberdade de expressão e colocar em risco a proteção de dados dos usuários.
Em resposta, o projeto foi reformulado pelo relator, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), que excluiu algumas imposições previstas inicialmente, como a exigência para que usuários fornecessem o número de celular e do documento de identidade para abrir contas nas redes sociais. Ainda assim, especialistas avaliam que outras alternativas, sem ser a lei, devem ser colocadas em prática para o combate à desinformação.
O texto recebeu 44 votos favoráveis e 32 contrários e nenhum destaque (pedido de alteração) foi aprovado. O projeto segue agora para a Câmara dos Deputados. Se for aprovado pelos deputados sem novas modificações, vai para a sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Os senadores do Espírito Santo Fabiano Contarato (Rede) e Rose de Freitas (Podemos) votaram a favor, enquanto Marcos do Val (Podemos) votou contra.
Para especialistas, contudo, o cenário de polarização política, acirrado durante a pandemia do novo coronavírus, não é favorável para a construção de uma norma que garanta os direitos constitucionais das pessoas ao se manifestar. Em resumo, criar uma lei em um momento delicado como o que vivemos pode sugerir que o que é exceção usuários que compartilham desinformação seja considerado como regra, restringindo o direito de muitos a fim de resolver o problema.
De acordo com advogados que acompanham a votação, consultados pela reportagem, já há mecanismos na legislação brasileira que permitem punir discurso de ódio e desinformação nas redes. A questão é que, muitas vezes, esses processos podem ser morosos e passar uma sensação de impunidade.
A celeridade no julgamento dos casos, portanto, é um dos caminhos para coibir o compartilhamento desse tipo de conteúdo, de acordo com especialistas. Outras possibilidades também apontadas para lidar com o problema são incluir o debate no currículo escolar e incentivar as plataformas a serem mais transparentes e se autorregulamentarem.
O professor de Direito Constitucional da FDV Adriano Sant'Ana Pedra explica que a liberdade de expressão deve ser regulamentada o mínimo possível, para evitar a restrição do direito das pessoas de manifestação. Para ele, a autorregulação das plataformas digitais pode ser uma proposta mais segura para combater a desinformação, sem criar brechas para qualquer tipo de censura.
"De fato, a legislação tem que prever responsabilidades, mas grande parte delas já estão previstas, como a indenização por danos morais, o crime de racismo e o direito de resposta. Acho que um papel de autorregulação seria mais adequado", afirmou.
Pedra, no entanto, reconhece que o papel das empresas é limitado. Elas podem ocultar ou apagar publicações e até suspender a conta de usuários, mas não podem os punir. "Para isso, há a legislação que já prevê alguns mecanismos. Uma maior agilidade do Judiciário poderia ser uma medida inteligente para mostrar que não há impunidade", complementou.
Uma carta assinada por 47 entidades que atuam na defesa dos direitos humanos no Brasil pediram, na última quinta-feira (25), o adiamento da votação para melhor análise da proposta, que voltou para pauta nesta terça. Uma dessas organizações é o InternetLab, um centro de pesquisa independente que atua na área de Direito e Tecnologia. O diretor do grupo, Francisco Brito Cruz, também acredita que as empresas devem assumir a responsabilidade pelos conteúdos, mas não podem se encarregar, sozinhas, de combater a desinformação.
Ele afirma que as empresas precisam dar mais transparência sobre quem promove anúncios, principalmente aqueles de cunho político, e como elas atuam removendo conteúdos em suas páginas. A partir daí, o Estado poderia usar os mecanismos que já dispõe para autuar quem comete crimes.
O professor de Comunicação Social da Ufes e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), Fabio Gouveia, avalia que o melhor caminho para combater o discurso de ódio e o compartilhamento de informações falsas é a educação. Apesar de ser algo a longo prazo, ele defende que o debate sobre a cultura de respeito nas redes sociais e como identificar conteúdos nocivos deve ser feito desde as séries iniciais.
"É importante garantir que as próximas gerações saibam lidar com o mundo digital melhor do que nossa geração tem lidado. As pessoas precisam ser tolerantes e saber respeitar opiniões contrárias. Esse é o caminho mais eficiente, mas é a longo prazo. É preciso inserir essa discussão nos currículos escolares, levar formação para professores e pais. Estamos em um futuro próximo onde todos vão ter redes sociais digitais. Não existe solução mágica, mas é importante que se debata o tema", disse.
O termo fake news (notícias falsas) é amplamente usado para definir conteúdos falsos ou enganosos compartilhados via redes sociais e aplicativos de mensagens, e virou o "apelido" para o projeto de lei aprovado no Senado. No entanto, a utilização dele é criticada por estudiosos da área, que preferem usar a palavra desinformação. A expressão, de acordo com a pesquisadora britânica Claire Wardle, líder da iniciativa First Draft, não explica a complexidade de todas as formas de mentira que existem hoje. Muitas das informações mais poderosas têm a forma visual. Não são sites que parecem notícias. Além disso, muito conteúdo problemático não é falso. É genuíno, mas usado fora de contexto, explicou para A Gazeta em 2018. Outro problema é que o termo fake news já serviu ao discurso de líderes autoritários de todo o mundo como arma, afirmou a pesquisadora. O objetivo é desacreditar o trabalho da imprensa quando não gostam de alguma notícia (tipo de texto jornalístico).
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