Assim que o resultado oficial das urnas decretou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente eleito, logo começaram a circular, nas redes sociais e em aplicativos de mensagem, listas com nomes de prestadores de serviços e comerciantes que, em tese, seriam "esquerdistas" ou "petistas" e, por esse posicionamento político, deveriam ser boicotados pela população. Mas criar essa listagem, ou mesmo compartilhar o conteúdo, pode ser uma conduta classificada como crime e os autores, punidos.
A ação coordenada, que ganha escala na internet, foi registrada, entre outros Estados, em Santa Catarina, Paraná e também no Espírito Santo. Por aqui, casos em Castelo, Barra de São Francisco, Santa Maria de Jetibá, Venda Nova do Imigrante, Vitória e Linhares. No município do Norte capixaba, que inclui médicos na lista de boicote, a polícia já investiga. Uma das pessoas na listagem relatou ter sido ameaçada.
A advogada Renata Bravo, mestre em Direitos e Garantias Fundamentais, explica que a criação da lista ou o mero compartilhamento pode ser enquadrado em crime contra a honra, particularmente difamação. Previsto no artigo 139 do Código Penal, a pena é de detenção, de três meses a um ano, e multa.
A difamação caberia nesses casos, segundo Renata Bravo, por impor fato ofensivo à reputação de outra pessoa. Questionada se mesmo que a vítima seja eleitora do PT caberia a criminalização do autor, a advogada afirma que sim porque, para quem fez a lista ou a compartilhou, o partido e seus membros são "maléficos e demoníacos" e, sendo assim, atribui aos eleitores e simpatizantes da legenda as mesmas qualificações. "Então, atrelar o nome de qualquer pessoa ou loja é um ato que pode afetar a reputação dela", argumenta.
Renata Bravo acredita que, em algumas circunstâncias, também pode ser aplicado artigo 7 da Lei 8.137/1990, que trata sobre as relações de consumo. Nessa situação, se um consumidor for induzido ao erro, por afirmação falsa ou enganosa, o crime também pode ser caracterizado.
Nesse caso, a punição é maior: detenção de dois a cinco anos, ou multa. Um comerciante de Pedra Azul, em Domingos Martins, que teve seu estabelecimento inserido na lista de Venda Nova, fez um desabafo nas redes sociais devido ao ataque sofrido, conforme relatado pelo colunista Leonel Ximenes.
A advogada aponta ainda que, mesmo que o autor ou quem compartilhou consiga escapar de uma punição na esfera criminal, há ainda a possibilidade de as pessoas que se sentiram prejudicadas ingressarem com uma ação cível e requerer indenização por danos morais.
"É importante deixar claro porque tem pessoas que ainda pensam que a internet é uma terra sem lei, mas não é. Elas podem ser identificadas e serão obrigadas a indenizar", sustenta Renata Bravo.
Cabe ainda reforçar um aspecto que o colunista Leonel Ximenes também lembrou nesta semana: a lista de boicote era prática do nazismo. Essa foi a primeira ação coordenada do regime nazista contra israelistas na Alemanha, segundo observa o professor capixaba David Nemer, da Universidade da Virginia (EUA).
"Compartilhar e colaborar com essa lista é desumanizar as pessoas que ali trabalham, pagam seus impostos e geram emprego", disse.
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