Neste fim de semana, faz três meses que o deputado estadual Lucas Polese (PL) recusou o teste do bafômetro ao dirigir o carro oficial da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales). Por causa do episódio, ocorrido na madrugada de 6 de maio, o deputado do PL virou alvo de duas representações na Casa e de dois procedimentos no Ministério Público do Estado (MPES) pedindo a apuração de ofensa ao decoro parlamentar.
O caso nem chegou à Corregedoria da Assembleia até o momento. E, se depender do parecer jurídico apresentado pela Procuradoria da Ales à representação proposta pela Organização Não-Governamental (ONG) Transparência Capixaba contra o parlamentar no dia 12 de maio, nem vai chegar.
Polese foi flagrado em blitz realizada na madrugada de um sábado, 6 de maio, e recusou o bafômetro. Com isso, recebeu multa de R$ 2,9 mil. O auto de infração lavrado pela Polícia Militar do Espírito Santo registra que ele apresentava "odor etílico".
Conforme informações do MPES e da Assembleia, até esta quinta-feira (3), nenhuma medida em relação à atuação do parlamentar foi adotada. No Ministério Público, foram pedidas "informações para o esclarecimento dos fatos e (a instituição) aguarda as respostas, a fim de dar prosseguimento aos respectivos feitos que correm no âmbito da Procuradoria-Geral de Justiça e da 8ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória".
Já no Legislativo estadual, uma das representações foi arquivada no dia 6 de junho, exatamente um mês após o deputado ter sido abordado na bliz, conforme detalhado pela colunista Letícia Gonçalves. Ela havia sido apresentada pela Juventude Socialista Brasileira do Estado do Espírito Santo, mas o presidente da Assembleia, Marcelo Santos (Podemos), seguiu parecer do procurador-geral da Casa, Anderson Sant'Anna Pedra, entendendo que não foram apresentados documentos que comprovassem que as pessoas que o assinam representam legalmente a entidade nem a legitimidade dela.
A assessoria da Casa informou que, "apesar de intimada, a parte não trouxe aos autos documentos constitutivos da entidade e também seus subscritores preferiram não fazer o protocolo como pessoa física, o que era possível".
Na época, a secretária de Planejamento e Formação Política da Juventude do PSB do Espírito Santo, Caroline Coura, defendeu que "a própria Assembleia, sem precisar de provocação externa, deveria ter acionado a Corregedoria para apurar os fatos".
No dia 7 de julho, um novo parecer do procurador-geral recomendou o arquivamento também da representação proposta pela Transparência Capixaba contra o parlamentar. Desde então, o caso encontra-se na Presidência da Assembleia. Ao ser questionada sobre o assunto, a Casa informou que "a representação está sob análise e diligência da Presidência da Casa".
Na representação, a ONG requereu que fossem tomadas providências devidas, como "a instauração de processo disciplinar para apurar a prática de conduta atentatória ao decoro parlamentar" contra Polese por se recusar a realizar o teste etílico conduzindo veículo oficial, após ser abordado numa blitz, e porque, no momento da abordagem do deputado, "o agente de trânsito teria descrito que o parlamentar 'exalava' odor etílico".
O parecer foi emitido após a Transparência Capixaba ter sido intimada para apresentar documentos e regularizar a representação e de a Procuradoria da Casa ter solicitado a confirmação da existência do auto de infração contra o parlamentar referente à madrugada da blitz, tanto ao setor de Transporte da própria Assembleia Legislativa quando ao gabinete do deputado.
O procurador-geral refuta a alegação de quebra de decoro parlamentar apontada pela Transparência Capixaba por violação ao art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) apenas com base na declaração do agente de que o deputado apresentava "odor etílico".
Sant'Anna Pedra afirma, no parecer, que não se sustenta a acusação de cometimento do crime previsto no art. 306 do CTB "tendo em vista que, para que reste configurada, é indispensável prova inequívoca da alteração da capacidade psicomotora em razão da influência de álcool ou outra substância psicoativa — o que não se encontra nos autos até o momento".
Ele ainda menciona não haver, nos autos, "elementos comprobatórios (obrigatórios) que deverão constar no termo mencionado no artigo 6º Resolução nº 432, de 23 de janeiro de 2013 do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), para constatação dos sinais de alteração da capacidade psicomotora".
A respeito da multa aplicada ao parlamentar, o parecer jurídico destaca que, decorridos quase três meses da ocorrência do fato, ainda não houve notificação de autuação da infração atribuída a Lucas Polese, o que ainda pode vir a ocorrer.
O parecer esclarece que a multa normalmente é enviada à empresa que presta serviços de locação de carros à Assembleia. Caso a multa seja remetida à Casa depois de quitada pela empresa e houver o ressarcimento por parte da Assembleia, o procurador-geral ressaltou que o valor pode ser reembolsado pelo condutor infrator, no caso, o deputado, seguindo os normativos da Casa.
Por fim, o procurador-geral afirma que os documentos apresentados comprovariam a utilização do veículo em atividade relacionada ao mandato. Ele afirma que o deputado "estava nos dias e horários informados na inicial recepcionando o Embaixador do Azerbaijão, Sr. Rashad Novruz, em atividade política vinculada às funções do mandato, inclusive tendo publicado no Instagram uma foto ao lado do embaixador por volta das 23h do dia 05 de maio".
A declaração do gerente do Hotel Sheraton sobre o deputado ter estado no local à 1h54 da manhã de 6 de maio para "levar alguns itens" para o embaixador também é utilizada pelo procurador-geral para embasar o parecer pelo arquivamento da representação.
A partir das análises acima, Sant'Anna Pedra conclui pelo arquivamento da representação da Transparência Capixaba. Ele alega "ausência de informações e de elementos comprobatórios aptos a demonstrar incompatibilidade com o decoro parlamentar; considerando a informação trazida pela Supervisão de Transporte; e, considerando as informações e os documentos apresentados pelo representado que demonstram, por ora, que o veículo estava sendo utilizado para o exercício da função parlamentar".
O parecer foi remetido à Presidência da Casa no mesmo dia. O procurador-geral ainda sugere que, caso o presidente da Assembleia divirja do parecer, remeta os autos à Corregedoria da Casa para apurar o caso, com direito ao contraditório e à ampla defesa.
Em relação à sugestão da ONG para que haja identificação dos veículos oficiais de uso restrito dos deputados, o procurador-geral informa que foi apresentado, votado e aprovado pelo plenário da Assembleia o Projeto de Lei 202/2019 "que obriga a identificação de todos os veículos automotores vinculados à prestação de serviços ou a qualquer outra atividade dos Poderes e Órgãos do Estado do Espírito Santo", o qual resultou na Lei Estadual 11.126/2020, depois que os deputados derrubaram o veto total do governador do Estado à matéria.
No entanto, a referida lei foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Procuradoria-Geral de Justiça, a qual foi julgada procedente pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Por fim, os desembargadores acolheram os argumentos ministeriais que apontaram vício de iniciativa do projeto, uma vez que foi apresentada pelo Legislativo estadual, mas criava obrigações e despesas a órgãos do Poder Executivo estadual, além de considerar inconstitucional por tratar de matérias de competência da União, no que diz respeito às normas de trânsito e direito civil.
Diante dessa decisão do Tribunal de Justiça, o procurador-geral da Casa conclui que não há "superfície para retomar, nesse momento, essa discussão" relativa à identificação dos veículos oficiais.
O deputado estadual Lucas Polese (PL) foi procurado por telefone e via mensagem no WhatsApp na quinta-feira (3) pela reportagem de A Gazeta para se pronunciar sobre o caso. No entanto, seu telefone encontrava-se na caixa postal e as mensagens não foram visualizadas nem respondidas pelo parlamentar até o momento.
O deputado não concedeu entrevista à Rede Gazeta sobre o assunto, embora tenha sido procurado diversas vezes desde o episódio. Em nota oficial e em conversa com um podcaster, ele afirmou que recusou o bafômetro por temer represálias, uma vez que é um crítico do comandante-geral da Polícia Militar, coronel Douglas Caus. Também disse que estava em atividades do mandato, acompanhando o embaixador do Azerbaijão, Rashad Novruz.
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